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Por Fabian Chacur

Na música Wild Life (Ritchie-Tom Zé), que gravou no seu seminal álbum Correntes Alternadas (1992), Maricenne Costa canta os versos “Não pago ingresso novo pro filme que eu já vi”. Uma belíssima definição para a atitude dessa brilhante cantora, compositora e atriz em sua vida e carreira. Essa trajetória é o tema de Maricenne Costa- A Cantora de Voz Colorida, de Elisabeth Sene-Costa e Laís Vitale de Castro, livro que será lançado em São Paulo nesta sexta (22) das 19 às 21h na Livraria da Vila- Shopping Pátio Higienópolis (avenida Higienópolis, nº 618/2009- Piso Pacaembu- fone (11) 3660-0230).

A ideia de realizar esta obra surgiu do desejo que Elisabeth tinha de homenagear a sua irmã, a quem admira profundamente. Com a parceria da jornalista Laís Vitale de Castro, impecável projeto gráfico a cargo de Wildi Celia Melhem (Celinha) e assessoria musical de Moisés Santana e Beto Previero, ela soube mergulhar nos momentos essenciais de uma carreira repleta de fatos importantes e realizações, e nos oferecer um resumo simplesmente impressionante, pelo rico material que contém.

Um dos pontos altos do livro fica por conta do vasto material que o ilustra, em termos de fotos e reprodução de matérias e documentos. Pois os fatos em torno de Maricenne são tão incríveis que algumas pessoas poderiam acreditar que seriam inventados, ou mesmo dignos de dúvidas. No entanto, a realidade é frequentemente muito mais impressionante do que a ficção.

E a vida da garota nascida na cidade de Cruzeiro (SP) é repleta de acontecimentos realmente impressionantes. Em 1958, por exemplo, ela, aos 22 anos de idade, venceu a 1ª edição do concurso A Voz de Ouro ABC, superando em torno de 3 mil concorrentes de todo o país. Foi uma espécie de precursor das atuais competições televisivas do tipo American Idol/Ídolos, e levou o nome de Maricenne para os quatro cantos do Brasil.

Outras cantoras teriam seguido caminhos mais tradicionais ou centrados nos interesses comerciais. Não Maricenne. Ela, a partir deste sucesso inicial, mostrou que não ficaria pagando ingresso novo pro filme que já havia visto, sempre em busca de novidades consistentes. Como ter sido, por exemplo, integrante do grupo de artistas que ajudou a criar e consolidar a bossa nova em São Paulo, como Cesar Camargo Mariano, Alaíde Costa e Théo de Barros.

É importante que esse livro seja lido. Vou ser mais geral na apresentação dessas vitórias da trajetória dessa personagem incrível. Entre outras coisas, foi a 1ª (em 1964!) a gravar uma música do então estudante Chico Buarque (Marcha Para Um Dia de Sol). Participou com destaque de alguns dos mais importantes festivais de música. Fez shows em Portugal e nos EUA, cantando, neste último, no badaladíssimo clube PJ’s, de Frank Sinatra.

Teve idas e vindas pelo caminho. Buscou a ampliação de seus conhecimentos, fazendo faculdade de serviço social e estudando arte dramática. Como atriz, participou de diversos projetos vanguardistas nos anos 1970. Quando voltou à música, recusou rever as glórias do passado, abrindo-se a criar shows inovadores e a revelar novos autores, sendo ela mesma uma compositora das mais elogiáveis.

Gravou pouco, é verdade, mas quem conhece essa obra vai concordar comigo: tudo o que gravou é essencial para quem gosta de música brasileira de qualidade. Teria sido fácil cantar bossa nova pra sempre em shows saudosistas, mas não se prestou a esse papel, gravando álbuns impressionantes pela sua diversidade e personalidade como Correntes Alternadas (1992) e Movimento Circular (2005), representantes de um pop nacional vibrante, ousado e absurdamente consistente.

Sempre trabalhadora e estudiosa, desenvolveu diversos projetos de shows e discos extremamente relevantes, entre os quais Como Tem Passado!!! (1999), no qual resgatou os primórdios da música gravada no Brasil com o apoio do historiador e jornalista José Ramos Tinhorão, e Bossa.SP (2010), no qual resgatou o lado bossa nova da São Paulo da Garoa.

Não, Maricenne não lotou estádios, não cantou no Rock in Rio, não participou de programas no horário nobre global, nem mesmo vendeu milhões de discos. No entanto, a consistência, a ousadia e a importância de seu trabalho musical deveriam tornar obrigatórias as visitas a essa obra por quem realmente quer conhecer o que temos de melhor por aqui. Servir como parâmetro, mesmo, para as novas gerações.

Ou quantos artistas podem se gabar de ter como admiradores João Gilberto (que apelidou a sua voz de colorida), Inocentes (que gravaram com ela em mais de uma ocasião), Judy Garland, Tony Bennett e Milton Nascimento, só para citar alguns? Maricenne reuniu em um mesmo álbum punk rock, blues, vaudeville, jazz, bossa nova, ska e valsa sem soar confusa ou sem rumo. Ela sempre soube dar consistência a essas misturas.

Se extremamente consistente em termos profissionais, ela nunca deu a si própria o devido valor, e chegou a contestar o esforço da irmã, dizendo que a sua carreira não merecia este livro. Meu Deus, quanta humildade! A carreira de Maricenne Costa não só merece este livro maravilhoso (e que venham outros!), como também um documentário, shows celebrando sua obra, mostras sobre essa trajetória, o relançamento de seus álbuns e singles etc.

Ela está aqui, entre nós. Que todos os fãs da música brasileira de qualidade possam dar a ela, nesse estágio de sua vida, o carinho, o acolhimento e, acima de tudo, o reconhecimento que ela merece. Maricenne Costa- A Cantora de Voz Colorida é leitura obrigatória e por demais prazerosa, especialmente se feita tendo como trilha sonora os discos desta ilustre cria de Cruzeiro e paulistana honorária.

MARICENNE COSTA- A CANTORA DA VOZ COLORIDA
DE Elisabeth Sene-Costa e Laís Vitale de Castro
Editora: Álbum de Família- contato: [email protected]
Preço: R$ 40,00 (edição preto e branco) e R$ 60,00 (edição colorida)
O lançamento em Cruzeiro (SP) será realizado no dia 6 de agosto (sábado) das 19 às 22h no Teatro Municipal Capitólio (rua Engenheiro Antonio Penido, nº 636- Centro- fone (12)-3144-1362

Wild Life (Tom Zé e Ritchie)- Maricenne Costa: