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Bebeto Alves, 68 anos, o gaúcho das boas músicas sem fronteiras

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Por Fabian Chacur

No início de 2018, recebi uma mensagem através de uma rede social digital de um artista que se apresentou e disse que desejava me mandar o seu mais recente álbum. Era ninguém menos do que Bebeto Alves. Tomei um susto, pois achei uma postura muito humilde por parte dele, um artista com um gabarito tão alto e de tanta estrada. Pois infelizmente esse grande cantor, compositor e músico gaúcho nos deixou na madrugada desta segunda-feira (7), apenas 3 dias após completar 68 anos.

Em várias entrevistas, Bebeto afirmou que não se sentia local de parte alguma. Basicamente, isso significava que ele, enquanto artista, nunca respeitou limites ou fronteiras musicais, experimentando e criando novos horizontes sonoros e poéticos. Sua base era o rock and roll e a milonga, mas nunca se limitou a um único rumo. E, dessa forma, criou uma trajetória musical das melhores.

Ele lançou o seu álbum de estréia em 1981, após muitos anos de estrada. Tive a honra de escrever sobre esse trabalho no livro 100 Grandes Álbuns do Rock Gaúcho, criado e coordenado pelo jornalista e biógrafo gaúcho Cristiano Bastos, trabalho essencial que será lançado em breve. É um disco maravilhoso, e que dava pistas do que viria adiante.

Além de seus próprios trabalhos, Bebeto Alves também teve músicas de sua autoria gravadas por outros artistas, entre elas 433, que integra o álbum Kleiton & Kledir (1983), o mais bem-sucedido em termos comerciais da seminal dupla gaúcha e que inclui os hits Tô Que Tô e Nem Pensar.

Bebeto sempre foi muito gregário, e fez parcerias e gravações com diversos outros artistas, entre os quais Humberto Gessinger, Antonio Villeroy, Jimmi Joe e King Jim. Outro projeto incrível dele foi o grupo OhBlackBagual, cujo excelente álbum Canção Contaminada foi o que ele tão gentilmente me enviou. A partir da resenha desse trabalho, fiz vários textos sobre Bebeto em Mondo Pop (leia todos aqui).

Você– Bebeto Alves:

Canção Contaminada, um CD clássico em tempos de trevas

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Por Fabian Chacur

A expressão “rock clássico” era inicialmente usada para denominar trabalhos roqueiros com influência erudita, um sinônimo de rock progressivo. Nos últimos 20 e tantos anos, passou a designar o melhor do rock das décadas de 1950 a 1970, e também artistas atuais influenciados por essa sonoridade de Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple e quetais. Ouvir Ohblackbagual Canção Contaminada, álbum capitaneado pelo gaúcho Bebeto Alves, nos remete ao que há de melhor nesse conceito tão amplo e vago.

Com 40 anos de carreira discográfica, o cantor, compositor e músico oriundo de Uruguaiana (RS) nos oferece em sua discografia composta por mais de 25 títulos um trabalho essencialmente roqueiro, mas repleto de outras influências muito bem digeridas, entre as quais o folk, a milonga e as diversas variações da música gaúcha, e a música portenha. Autor da deliciosa 433, um dos destaques do álbum de 1983 de Kleiton & Kledir (aquele que inclui Nem Pensar, Tô Que Tô e Viva), Bebeto é um cara extremamente gregário e aberto a parcerias.

Canção Contaminada é creditado ao Blackbagual, espécie de “alter ego coletivo” que já havia nos oferecido em 2004/2006 o CD/DVD Blackbagualnegoveio. Além de Bebeto (vocal, guitarra e violões), temos no time Rodrigo Reinheimer (baixo e vocais), Marcelo Corsetti (guitarras) e Luke Faro (bateria). Trata-se de um time coeso ao extremo, que esbanja virulência, tesão e qualidade técnica durante todo o álbum.

O conceito em torno do qual o músico gaúcho criou o repertório deste disco é o novo tempo em que vivemos, no qual a ilusão de que o mundo digital/internético nos deixaria mais livres e próximos se tornou um verdadeiro pesadelo que deixa livros futuristas sombrios como 1984 e Admirável Mundo Novo com cara de contos de carochinhas. Mas Bebeto prefere enxergar esperança em meio a uma verdadeira nuvem de poeira escura que nos circunda.

Bebeto é o autor de todas as faixas do álbum, mas se vale de parceiros certeiros em algumas delas. Humberto Gessinger, por exemplo, que já havia composto e gravado com ele em 2014 a incrível Milonga Orientao (ouça aqui), agora retoma a parceria com seu mestre na incrível e virulenta Outro Nada, um dos destaques do álbum.

O excelente cantor e compositor uruguaio Walter Bordoni é o coautor de Quimera e Bajo La Misma Ciudad, que escancaram essa adorável proximidade do som de Bebeto Alves com o rock uruguaio e argentino. E André Bolívar, que conheceu o rocker gaúcho através da internet, é o parceiro na ótima Águas Barrentas.

Nada melhor do que ouvir um CD (também disponível nas plataformas digitais) conciso como este, no qual nenhuma nota está fora do lugar, e nenhuma música está ali para tapar buracos ou encher linguiça. Aqui, meus amigos, é som pra cabeça, como diriam os antigos, petardo atrás de petardo, e quando você vê, já iniciou novamente a audição.

Com um jeitão meio dylaniano, O Espírito Santo abre o álbum com forte sabor folk-rock. É o início de uma verdadeira festa roqueira, que nos oferece maravilhas como a incrivelmente filosófica Religar, a potente Outro Nada, a deliciosa Quimera, a intensa faixa-título, a radiofônica Tira Mancha e o mantra Você, canto de esperança que encerra um álbum brilhante. Do alto de seus 63 anos de pura sabedoria, Bebeto Alves nos mostra que vale a pena perseverar, mesmo em tempos bicudos. Se existe rock clássico no Brasil, este álbum merece tal rótulo.

Canção Contaminada– Bebeto Alves Ohblackbagual:

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