phil spector

Por Fabian Chacur

A trajetória de vida de Phil Spector equivale a um belo retrato das contradições inerentes ao ser humano. De um lado, o produtor, compositor e músico que marcou presença em grandes momentos da música, como discos de John Lennon, The Beatles, George Harrison, The Ronettes, The Crystals e The Righteous Brothers, entre outros. Do outro, um ser humano de temperamento difícil, cujo momento mais horrível foi um crime que lhe custou a liberdade. Ele nos deixou neste sábado (16) aos 81 anos, em um presídio na California. Triste final.

Spector nasceu em 26 de dezembro de 1939, fato curioso se levarmos em conta que um de seus trabalhos mais reverenciados foi um álbum natalino sobre o qual falarei mais à frente. Seu primeiro momento importante na carreira musical ocorreu em 1958 graças ao sucesso de To Know Him Is To Love Him, canção de sua autoria e gravada por sua banda na época, a Teddy Bears, na qual ele cantava e tocava guitarra. Atingir o primeiro lugar entre os singles nos EUA com apenas 19 anos e sendo o autor da música não é pra qualquer um.

Com o precoce fim do grupo que o lançou, em 1959, ele resolveu investir em seu lado compositor, produtor e empresário. Com o sucesso de Spanish Harlem, hit em 1960 com o cantor Ben E. King e parceria de Spector com o consagrado compositor e produtor Jerry Leiber (parceiro de Mike Stoller em inúmeros hits), seu prestígio aumentou, e ele resolveu montar a própria gravadora, a Philles Records, no final de 1961.

De forma inteligente, Phil montou um time com ótimos profissionais, entre os quais o arranjador Jack Nitzche (1937-2000), o engenheiro de som Larry Levine (1928-2008) e um elenco de ótimos músicos de estúdio (entre os quais Hal Blaine, Larry Knetchell e Carol Kaye) que depois seriam conhecidos pela alcunha Wrecking Crew. De quebra, buscou nomes promissores, entre os quais os grupos vocais The Ronettes, The Crystals e The Righteous Brothers.

Até 1966, Spector emplacaria inúmeros sucessos nas paradas pop como produtor e compositor pelo seu próprio selo, entre eles Be My Baby (The Ronettes), Da Doo Ron Ron (The Crystals) e You’ve Lost That Loving Feelin’ (The Righteous Brothers). Sua marca registrada era a utilização de uma técnica de estúdio apelidada de Wall Of Sound, na qual ele se valia de uma verdadeira orquestra de músicos para dar um tom apoteótico para cada canção, definida por ele próprio como “uma abordagem Wagneriana para o rock and roll” ou “pequenas sinfonias para as crianças”.

Em 1963, Phil Spector resolveu fazer um disco para celebrar o Natal, uma das festas mais queridas pelo público americano, e lançou A Christmas Gift For You From Phillis Records, com a participação de Darlene Love, The Ronettes e The Crystals, entre outros. O disco não fez sucesso logo de cara, quem sabe pela infelicidade de ter sido lançado no mesmo dia em que John F. Kennedy foi assassinado, mas com o decorrer dos anos se tornou um clássico, também chamado de Phil Spector’s Christmas Album.

Em 1966, apostou todas as suas fichas no sucesso de River Deep-Mountain High, a rigor a primeira gravação solo de Tina Turner. Apesar da inegável qualidade da gravação, elogiada pelos críticos, o single só atingiu o modestíssimo nº 88 nos EUA, embora tenha sido 3º lugar no Reino Unido. Aparentemente, a decepção o levou a sair de cena até 1969.

Naquele ano, começou sua relação com os Beatles e seus integrantes. No início de 1970, Instant Karma!, de John Lennon, foi o primeiro fruto daquela nova fase dele. Em seguida, incumbiu-se da produção da trilha do filme Let It Be, retrabalhando as gravações feitas anteriormente por George Martin e Glynn Johns. O resultado obteve grande resultado comercial, mas teve repercussão diversificada entre os críticos. Paul McCartney odiou o arranjo “wall of sound” para The Long And Winding Road, por exemplo.

Entre outros trabalhos, Spector se incumbiria da produção de clássicos do porte de John Lennon- Plastic Ono Band (1970), Imagine (1971) e Some Time In New York (1972), de Lennon, e All Things Must Pass (1970) e The Concert For Bangladesh (1971), de George Harrison

Em 1973, a excentricidade que já acompanhava o produtor americano começou a se tornar mais aparente. Tudo começou com o álbum de releituras de clássicos do rock que ele começou a produzir para John Lennon. Depois de algumas semanas de trabalho, ele simplesmente sumiu com as fitas master do álbum, deixando o ex-beatle simplesmente atordoado. O material só seria devolvido depois de meses, e a partir dali, Lennon tomou conta ele próprio da produção do LP, que sairia em 1975 com o título Rock And Roll.

Em 1974, Phil sofreu um grave acidente de carro, e por muito pouco não abreviou em uns bons anos o seu tempo de vida. Reza a lenda que foi a partir daí que, por causa de cicatrizes que ganhou com a batida, passou a usar perucas, que com o decorrer dos anos foram se tornando cada vez mais bizarras.

Em 1974, o grande Dion DiMucci, conhecido por clássicos do rock como Runaround Sue e I Wonder Why, resolveu apostar em Spector para produzir um de seus álbuns. O resultado foi Born To Be With You (1975), que Dion odiou tanto a ponto de definir sua sonoridade como de “música para trilha sonora de velório”. Há quem goste muito deste LP, no entanto.

Aliás, essa passou a ser a marca de Spector como produtor a partir daí: assinar trabalhos não apreciados pelos artistas que os lançaram, mas cultuados por fãs e por outros artistas. O próximo da lista foi Death Of a Ladies Man (1977), do canadense Leonard Cohen.

A coisa pegou mesmo em 1980, quando ele foi escolhido para tentar dar aos Ramones um disco que vendesse bastante. End Of The Century (1980) teve um resultado comercial bem modesto, e também arrancou comentários ácidos por parte de Johnny e Marky Ramone acerca do produtor, incluindo relatos de horas infindáveis para gravar um único acorde e reuniões tétricas na mansão de Spector, com direito a filmes bizarros sendo exibidos e armas de fogo podendo ser acionadas a qualquer momento.

A partir de 1981, quando coproduziu Seasons of Glass (1981), álbum que Yoko Ono lançou poucos meses após a morte de John Lennon, Phil Spector foi aos poucos saindo de cena. Um momento de destaque ocorreu em 1991 com o lançamento de Back To Mono (1958-1969), luxuosa caixa com 4 CDs reunindo 60 faixas produzidas e/ou compostas por ele e também o álbum natalino em sua íntegra. Esse produto ajudou a resgatar a importância da sua obr.

Em 2003, no entanto, a parte sombria da personalidade do produtor americano veio mais uma vez à tona, e desta vez de forma trágica. Ele matou com um tiro na boca em sua mansão na Califórnia a atriz e modelo Lana Clarkson (1962-2003). O julgamento final ocorreu em 2009 e rendeu a Spector uma pena de 19 anos de reclusão. Há também provas de que ele teria cometido delitos graves contra filhos e ex-esposas, mas prefiro não me estender nessa área.

Nesses anos de ostracismo, ele foi cogitado para ser um dos produtores de Falling Into You (1996), álbum que solidificou a carreira internacional da canadense Céline Dion, mas ele não teria conseguido se entrosar com a equipe da cantora. Seu provável último trabalho ocorreu no álbum Silent Is Easy (2003), do grupo inglês Starsailor, que traz duas músicas produzidas por ele, incluindo a faixa-título, que no formato single atingiu o 10º lugar na parada britânica. O último hit com sua griffe.

O lado bom de Phil Spector deixou como herança grandes álbuns e canções, mesmo sem nunca ter tido a unanimidade de público e dos outros profissionais do ramo. O negativo, por sua vez, mostrou um profissional nem sempre confiável, de ego exacerbado, e um ser humano capaz das maiores atrocidades em seus relacionamentos pessoais. Uma espécie de Dr. Jeckyl e Mr. Hyde da vida real.

Be My Baby– The Ronettes: