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Por Fabian Chacur

Gabi Doti é uma cantora e compositora uruguaia que está radicada há muito tempo em Brasília (DF). Há aproximadamente dez anos, esta graduada em administração começou a se dedicar à música de forma mais intensa. Em 2014, lançou dois álbuns simultaneamente, Aguas del Tiempo e La Niña en La Pantalla. Em 2018, foi a vez de Mundo Nada Particular, gravado ao vivo. Agora, temos Outra Razão, disponível nas plataformas digitais e também em caprichada versão em CD. E daí, diria o outro?

Basta uma primeira audição deste álbum para se chegar à conclusão de que não se trata de pouca coisa. Não mesmo. Em seus trabalhos iniciais, Gabriela (seu nome de batismo) já dava mostras de que não tinha entrado na cena musical para perder tempo. Com canções de sua autoria consistentes e performances convincentes em shows, a moça conquistou aos poucos o respeito do público de sua cidade. Mas ela percebia que podia ir ainda além.

A sementinha que gerou Outra Razão foi o encontro de Gabi com o consagrado produtor brasileiro radicado há quatro décadas nos EUA Moogie Canazio, que trabalhou com artistas do porte de Caetano Veloso, Rita Lee, Sergio Mendes, Ivan Lins, Simone, Nathan East e Luis Miguel, entre muitos outros. Ao lado de seu verdadeiro braço direito, o tecladista Daniel Baker, ela deu início a um produtivo processo criativo que gerou este novo trabalho.

Gravado no estúdio EastWest Recording, em Los Angeles (EUA), o álbum contou com um time afiadíssimo de músicos, tendo Baker como tecladista. Na guitarra, Tim Pierce, que marcou presença em mais de mil discos de astros do porte de Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen, Celine Dion e Christina Aguilera. O baixista Sean Hurley, por sua vez, atuou com Annie Lennox, Ringo Starr, Alanis Morissette, John Mayer e Colbie Caillat, só para citar alguns dos craques com quem já trabalhou.

O baterista Jamie Wollam toca há dez anos com o Tears For Fears e completa o time básico que atua no disco, sendo que outro destaque fica por conta do percussionista Rafael Padilla, cujos serviços já foram utilizados por Diana Ross, Shakira, Gloria Estefan e Thomas Dolby, entre outros.

E daí, diria algum cético? Vários discos contaram com Moogie e com esses craques citados e não conseguiram grandes resultados em termos artísticos e comerciais, da mesma forma que muitos times de futebol já reuniram elencos invejáveis que, na prática, deram poucas alegrias a seus torcedores, sendo a fase dos “galácticos” do Real Madrid da década passada um bom exemplo.

Pois aqui reside o grande mérito de Gabi Doti. Sabendo que iria ter a seu serviço gente desse altíssimo gabarito, ela fez a sua lição de casa. Partiu de um universo inicial de 31 composições, reduziu-o com o tempo para 15 (que foram devidamente arranjadas) e, dessas, foram selecionadas as 10 incluídas no álbum.

Dessa forma, a moça soube extrair de seus colaboradores aquilo que sua voz e suas composições necessitava. O resultado certamente agradará quem busca música pop sofisticada e boa de se ouvir, uma mistura de rock melódico, funk de verdade, folk, r&b e um elenco de sutilezas capazes de agradar a ouvidos exigentes, sem cair naquele perigoso território do “ah, como meu umbigo é lindo”.

O trabalho de Gabi nos exibe elementos do pop oitentista, e demonstra influências de gente como Marina Lima, Tanita Tikaram, Joni Mitchell, Carole King, Soraya e Zélia Duncan, só para citar algumas possíveis referências. Mas tudo do seu jeito, com sua própria delicadeza, e com letras falando sobre as idas e vindas do amor e da vida.

O álbum tem início com Verdade Ou Mentira, com sua levada meio hipnótica a la Fullgás, de Marina Lima. Silêncio Capital propõe um clima funk-samba-jazz, como ela própria autodenomina na letra. Eco é um rockão swingado com direito a refrão irresistível e belos vocais, enquanto Nonsense envolve com seu jeitão de pop-rock melódico brasileiro oitentista.

Otra Razón, escrita em castelhano, possui uma levada de balada folk que tem grandes afinidades com uma parte da produção pop dos países portenhos, e cativa com sua sentida melancolia (o clipe que a divulga é belíssimo). Nosso Jeito tem um formato delicioso de rock balada, e arranca arrepios graças a um refrão preciso e um arranjo de cordas simplesmente maravilhoso, do tipo obra prima, bem desempenhado pela Orquestra St. Petesburg.

Spotlight segue com categoria a linha de rock swingado, enquanto Sublimação vai na mesma veia de Verdade Ou Mentira, só que ainda melhor e mais bem resolvida. Iguais é uma balada sweet soul com arranjos de cordas nitidamente lembrando os do genial Barry White, com direito até a aqueles sutis diálogos entre cordas e vocais, outra participação classuda da Orquestra St. Petesburg.

O álbum se encerra com o que é definido pela artista como uma faixa-bônus, que é Good Times, com letra em inglês e uma levada r&b que remete a Lisa Stansfield, Swing Out Sister e um pouco o já citado Barry White.

Outra Razão é um disco para ser ouvido muitas vezes, pois foi concebido com tamanha delicadeza e inspiração que não merece passar batido. Não se encaixa na média do que se faz atualmente no mainstream pop, e isso pode ser um empecilho para que faça muito sucesso, mas possui qualidade suficiente para cativar quem busca aquela consistência e categoria que o pop oitentista, em seus melhores momentos, nos oferecia. E é radiofônico no melhor sentido do termo, ou seja, aquele tipo de som acessível que não brinca com a nossa inteligência.

Ouça o álbum Outra Razão em streaming aqui

Otra Razón (clipe)- Gabi Doti: