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Por Fabian Chacur

Jacques Morali (1947-1991) e Henri Belolo (1936-2018) são a prova concreta de um mundo globalizado muitos anos antes de esse termo se popularizar. Dois marroquinos que se conheceram na França, criaram seus projetos de maior sucesso nos EUA e que ganharam fama mundial. Juntos, eles concretizaram projetos ligados à disco music de grande impacto comercial e artístico, entre os quais Village People, The Ritchie Family, Patrick Juvet, Dennis Parker e David London.

Nascido no dia 27 de novembro de 1936 em Casablanca, Marrocos, cidade eternizada por causa do filme homônimo estrelado em 1942 por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, Henri Belolo começou a se envolver com música ainda em seu país natal, importando e promovendo discos.

Em 1956, mudou-se para a França (Paris, para ser mais preciso), e lá conheceu o produtor e empresário Eddie Barclay, criador da gravadora Barclay, que deu uma força importante nesses seu início em um novo país.

Quatro anos após a sua chegada à França, foi contratado como produtor e diretor de a&r (artistas e repertório) da gravadora Polydor naquele país. Ele produziu discos para artistas como George Moustakis, Jeanne Moureau e Serge Renée. No final dos anos 1960, resolveu ser empreendedor, criando uma produtora e uma editora musicais, envolvendo-se com shows na França de artistas como os Bee Gees e James Brown.

Entre outras coisas, ele conseguia licenciar gravações americanas para o mercado francês, e isso lhe valeu alguns contatos valiosos, especialmente com a Philadelphia International Records, e mais especificamente com os estúdios Sigma Sound, situados na cidade americana da Filadélfia.

Comerciante astuto, Belolo notou o sucesso que alguns lançamentos de música dançante vindos da América estavam fazendo, especialmente os da gravadora TK Records, de Miami, cujos hits Rock Your Baby (George McRae) e That’s The Way (I Like It) (do KC & The Sunshine Band) foram licenciados para comercialização na França através dele.

Dessa forma, ele ficou bastante atento, e com a disposição de investir em algum projeto próprio na área do que logo a seguir receberia o rótulo de disco music. E é aí que entra nessa história um certo Jacques Morali, que Belolo conheceu em uma dessas negociações comerciais na área musical. Algumas afinidades logo se mostraram fortes entre eles.

Também oriundo de Casablanca, Marrocos, Jacques Morali nasceu em 4 de julho de 1947. Ao se mudar para Paris, começou uma carreira musical, inicialmente como cantor e compositor. Em 1967, lançou um compacto duplo com quatro de suas canções: Elle Aimé Elle N’Aimé Pas (ouça aqui), Sans Famille, Le Silence Et Le Bruit e J’Suis Mignone Hein?. Pop rock bem simpático.

Além de compor músicas para espetáculos da companhia Crazy Horse de Paris, ele também se envolveu com a parte burocrática do meio musical, e foi em uma ocasião dessas que conheceu Henri Belolo. Como sabia que ele estava em busca de novas ideias para um projeto musical próprio, propôs algumas. E uma em particular acabou interessando e muito a Belolo.

Em 1975, a disco music começava a surgir com força, e uma das formas que alguns produtores se valiam para entrar nessa área era investir em releituras de músicas de outros estilos musicais.

E Morali pensou em reciclar a sonoridade dos musicais americanos dos anos 1940, especialmente os que envolviam Carmen Miranda e o coreógrafo Busby Berkeley. Uma música em particular o fascinava: Brazil, versão em inglês de Bob Russell para a clássica Aquarela do Brasil, de Ary Barroso.

Sem pestanejar, Henri Belolo, que havia aberto dois escritórios de sua produtora, a Can’t Stop Productions, em Nova York e Filadélfia, foi para esta segunda cidade americana e contatou os amigos da Philadelphia International Records (PIR) e do Sigma Sounds Studios.

Como eles imaginavam ter vocais na linha das Andrew Sisters e outros grupos vocais femininos americanos do gênero, foram arregimentadas três cantoras de estúdio: Barbara Ingram e as primas Carla e Evette Benson, conhecidas por participar de gravações antológicas de artistas como Patty LaBelle, John Davis, Billy Paul, Lou Rawls e inúmeros outros.

Entre os músicos, alguns dos mais famosos da Filadélfia, entre eles o lendário baterista Earl Young, conhecido por ser o inventor da batida disco com a gravação The Love I Lost (1973), do grupo Harold Melvin & The Blue Notes e também como líder do seminal grupo The Trammps (de Disco Inferno e tantos outros hits marcantes da era disco).

Os arranjos ficaram a cargo de Ritchie Rome (1930-2020), conhecido por seus trabalhos com The Chi-Lites, The Three Degrees e Patty Labelle. E, curiosamente, foi em homenagem a ele que aquele projeto de estúdio foi batizado: The Ritchie Family. E o primeiro single foi precisamente Brazil (ouça aqui). Lançada no final de 1975, logo se tornou um hit nas pistas de dança, e chegou ao nº 11 na parada pop americana.

Empolgados, Morali e Belolo não perderam tempo e lançaram em 1976 o primeiro álbum da The Ritchie Family. Intitulado Brazil, o LP vendeu bem, atingindo o nº 53 nos EUA e mesclando músicas alheias com composições inéditas. Além da faixa-título, outro sucesso foi Life Is Fascination (ouça aqui), que no Brasil entrou na trilha da novela global Anjo Mau (1976).

As músicas inéditas de Brazil levavam a assinatura de Morali, que se incumbia das melodias, Belolo, que vinha com as ideias para as letras, e, neste caso específico, do letrista Beauris Whitehead (depois, outros letristas, como Peter Whitehead e Phil Hurtt, também contribuiriam).

Esses parceiros adicionais entravam pelo fato de Belolo e Morali não se sentirem à vontade o suficiente para escrever letras em inglês, e seus parceiros se incumbiam de traduzir os versos feitos originalmente em francês e formatar as frases de forma correta no idioma britânico.

Com o sucesso de seu primeiro projeto e recebendo convites para shows e apresentações em TV, The Ritchie Family teve de ter uma cara própria, e foram convidadas para gravar como integrantes oficiais do trio as cantoras Cheryl Mason Jacks, Cassandra Ann Wooten e Gwendolyn Oliver.

Foi com elas (há quem diga que só dublando as músicas, pois o trio Barbara-Carla-Evette teria continuado a gravar) e os músicos da Filadélfia que foi gravado o 2º álbum da The Ritchie Family. Arabian Nights, saiu ainda em 1976 e chegou ao nº 30 nos EUA, impulsionado pela faixa The Best Disco In Town (ouça aqui), que veio de uma boa sacada dos produtores.

Eles criaram um ótimo refrão que servia como mote para encaixar trechos de diversos hits dançantes, alguns bem recentes, por sinal, como Fly Robin Fly (do trio Silver Convention), Love To Love You Baby (Donna Summer) e Bad Luck (Harold Melvin and The Blue Notes). No formato single, fez o maior sucesso, atingindo o posto de nº 17 na parada pop ianque.

Em 1977, no entanto, o embalo da The Ritchie Family caiu consideravelmente, com o lançamento de dois álbuns que não foram muito bem das pernas em termos de sucesso comercial, Life Is Music (ouça a faixa-título aqui) e African Queens.

A partir daqui, as coisas se complicaram. As três vocalistas foram surpreendentemente demitidas, sendo substituídas por Ednah Holt, Jacqui Smith Lee e Dodie Draher. O primeiro álbum da nova fase, American Generation (1978), também fracassou, mesmo com a ótima faixa-título (ouça aqui) e músicos de Nova York sobre o qual falarei mais à frente.

O grupo lançaria mais dois álbuns com a produção de Henri Belolo e Jacques Morali, Bad Reputation (1979, com Put Your Feet To The Beat, que chegou a tocar em rádios no Brasil, ouça aqui) e Give Me a Break (1980), mas ambos foram ainda pior. E os criadores abandonaram suas criaturas.

Em 1982, as garotas remanescentes ainda lançaram I’ll Do My Best, com produção de Mauro Malavasi, do grupo Change, sem grande repercussão, e sairiam de cena com All Night All Right (1983), voltando em 2011 com duas das integrantes da fase áurea para shows nostálgicos e temáticos de disco music. E havia uma razão para elas terem sido, de certa forma, descartadas.

Voltemos para 1977. Jacquer Morali, que era gay (enquanto Belolo era heterossexual), frequentava as discotecas e boates de Nova York, e em particular as de Greenwich Village. Em uma delas, viu alguns frequentadores usando trajes que equivaliam a estereótipos dos machos. Ao levar um dia o amigo Belolo para ver isso, teve a ideia que mudou de vez a vida dos dois.

“O que você acha de criarmos um grupo com seis homens caracterizados como figuras marcantes da masculinidade cantando música disco e dançando coreografias contagiantes?”.

Belolo vacilou no início, mas logo percebeu o potencial da ideia do amigo, e topou investir nesse novo projeto, que vinha a calhar, levando-se em conta que a The Ritchie Family dava sinais de cansaço em termos comerciais.

O próximo passo era encontrar um cantor que fosse bom para ser o líder vocal do grupo. Ao ver a montagem do grupo teatral Negro Ensemble Company para The Wiz (O Mágico de Oz), Morali ficou encantado com o ator principal, Victor Willis, e o convidou para integrar o grupo.

Nascido em Dallas, Texas em 1º de julho de 1951, filho de um pastor batista, Willis se mudou para Nova York com o intuito de ingressar no meio artístico. Após gravar alguns singles solo sem grande repercussão, deu-se bem nos espetáculos teatrais, e The Wiz foi a sua vitrine para o estrelato.

Como a inspiração para a criação do novo grupo vinha de Nova York, Belolo e Morali acharam que faria mais sentido gravar o primeiro álbum deles na Big Apple, e com músicos locais. E escolheram o arranjador, compositor, pianista e produtor Horace Ott (1933) para se incumbir dos arranjos e também de arregimentar uma banda que pudesse criar um som diferente e original.

Coautor do clássico Don’t Let Me Be Misunderstood (hit com The Animals nos anos 1960 e relido com sucesso pelo Santa Esmeralda em versão disco), Horace Ott trazia no currículo trabalhos com artistas do porte de Nina Simone, Aretha Franklin, Doris Troy, The Stylistics e Marilyn McCoo & Billy Davis Jr. (o arranjo da belíssima You Don’t Have To Be a Star – ouça aqui)

O time foi escalado com músicos experientes e talentosos como Alfonso Carey (baixo), Russell Dabney (bateria),Jimmy Lee (guitarra solo), Rodger Lee (guitarra base), Nathaniel “Croker” Wilke (teclados), Richard Trifan (teclados) e vários percussionistas e naipes de metais.

O nome do grupo homenageava a fonte inspiradora: Village People. As quatro músicas (todas longas) foram escritas naquele esquema de Belolo e Morali com o apoio dos letristas Pete Whitehead e Phill Hurtt. Coube a Victor Willis gravar todos os vocais, pois a Can’t Stop Productions tinha pressa e não podia esperar o recrutamento de todos os integrantes.

Village People (o álbum) saiu em 18 de julho de 1977, e teve ótima repercussão graças à faixa San Francisco (You Got Me) (ouça aqui), que se tornou uma espécie de molde para os outros hits do grupo, baseado em aberturas com metais, Willis conduzindo a canção no melhor estilo cantor de r&b e refrões matadores. O álbum chegou ao nº 54 na parada pop.

Com o sucesso das músicas nas rádios e pistas de dança, logo surgiram convites para apresentações ao vivo. Era necessário ter o time escalado. Willis ficou como o policial. Felipe Rose, que Belolo e Morali conheceram nas boates, virou o índio. Após uma seleção, foram escolhidos para completar o line up Alex Briley (soldado), Glenn Hughes (motoqueiro), David Hodo (operário) e Randy Jones (cowboy).

Sem perder tempo, a Can’t Stop Productions pôs o grupo em estúdio, e em 2 de fevereiro de 1978 chegava às lojas o álbum Macho Man, que atingiu o nº 24 na parada pop impulsionado pela divertida faixa-título (ouça aqui), que no formato single chegou ao 25º lugar nos EUA.

Uma novidade interessante é o fato de Victor Willis ter virado parceiro das canções a partir deste álbum, sendo o letrista principal, ou sozinho ou com os outros nomes citados anteriormente. Mais uma curiosidade é a abertura de Macho Man, que seria reciclada em várias outras músicas do VP.

Com um clipe que aproveitava bem o apelo visual e as coreografias dos seus seis integrantes, Macho Man se tornou rapidamente um hit mundial, conquistando desde crianças até os adultos, mesmo com suas letra de duplo sentido e de conotação gay, algo que marcou toda a obra do Village People.

A era disco teve como marca a avidez de seus produtores em oferecer novos produtos aos fãs, e isso explica o fato de, em 25 de setembro de 1978, ou seja, apenas sete meses após o lançamento de Macho Man, chegar às lojas o 3º álbum do Village People.

E que álbum! Cruisin’ marca o momento em que a fórmula criada por Morali, Belolo, Horace Ott e pelos músicos participantes (que ficaram conhecidos como a Gipsy Lane band) atingiu a perfeição.

Sua faixa mais explosiva, YMCA (ouça aqui), com uma letra inacreditável exaltando a Associação Cristã de Moços, chegou ao nº 2 nos EUA, barrada de chegar ao topo por Do Ya Think I’m Sexy, guinada disco de Rod Stewart.

E o LP tinha mais duas pérolas matadoras, o pot-pourry The Women/I’m a Cruiser (ouça aqui), uma das faixas mais perfeitas da era disco, com direito a uma bela homenagem às mulheres. Desta forma, Cruisin’ foi o mais bem-sucedido álbum do Village People, atingindo o 3º lugar nos EUA.

O baile não podia parar, e dessa forma, saiu em 26 de março de 1979 Go West, quando o álbum anterior ainda repercutia bem. E deu certo, pois atingiu o 8º posto entre os álbuns, com hits como I Wanna Shake Your Hand (ouça aqui) e a faixa-título (ouça aqui), que nos anos 1990 seria regravada com sucesso pelo Pet Shop Boys.

A faixa mais marcante, no entanto, foi In The Navy (ouça aqui), com clipe valendo-se de navios da marinha norte-americana e que chegou a ser cogitada para uso em campanha para alistamento, o que acabou sendo vetado em cima da hora. Um hit delicioso com sua marcação de palmas que chegou ao nº 3 na parada de singles estadunidense.

A partir daqui, as coisas começaram a se complicar para o “Povo do Vilarejo”. De um lado, surgiu o abominável movimento Disco Sucks, capitaneado por DJs e roqueiros ressentidos com o sucesso da disco music, cujos astros eram frequentemente mulheres, gays e latinos. Puro preconceito.

Do outro, o desgaste provocado pelo excesso de exposição na mídia da disco music, e também do caráter derivativo de diversas gravações do gênero neste período, repletas de produtores e artistas oportunistas querendo faturar em cima do “som da moda”.

É em meio a esse clima de desgaste e hostilidade que Morali e Belolo tentam dar uma sacudida e inovada com o lançamento, em setembro de 1979, do álbum duplo Live And Sleazy. Um LP trazia a gravação de um caloroso show ao vivo do Village People, com versões quentes dos hits e marcando a inesperada despedida do vocalista Victor Willis.

Embalado pelo sucesso com o grupo, Willis queria sair fora do universo disco e brilhar sozinho. Ele gravou naquele mesmo 1979 o álbum Solo Man, com músicas de sua autoria investindo no funk e na soul music. Este trabalho, no entanto, só foi lançado em 2015.

O outro LP, gravado em estúdio, trazia a presença de Ray Simpson, substituto de Willis e irmão da consagrada cantora e compositora Valerie Simpson (do duo Ashford & Simpson). O repertório tentava dar uma inovada no estilo, especialmente no rock disco Sleasy (ouça aqui), com o operário David Hodo no vocal principal.

O álbum teve uma performance inferior aos anteriores, atingindo o nº 32 na parada pop. Seu único single de sucesso foi a curiosa e pouco profética Ready For The 80’s (ouça aqui), que com Simpson no vocal líder atingiu o nº 52 na parada pop. Seria o último hit deles nos EUA.

Naquele mesmo e agitado 1979, Morali e Belolo se associaram a Alan Carr, produtor do filme Grease (1978), para criar um filme estrelado pelo Village People e com os atores Steve Guttenberg (famoso depois com os Loucademias de Polícia) e Valerie Perrine (de Lenny e Superman 1 e 2).

Apropriadamente intitulado Can’t Stop The Music (alusão à produtora de Morali e Belolo e ao preconceito contra a disco), o longa-metragem foi lançado em maio de 1980, quando a disco music rolava ladeira abaixo, e fracassou miseravelmente nas bilheterias.

A trilha sonora, no entanto, até que não foi tão mal, atingindo o nº 47 nos EUA e um surpreendente nº 9 no Reino Unido. Das 10 faixas, 5 são com o Village People. Entre elas, Can’t Stop The Music (ouça aqui), sucesso no Reino Unido e no Brasil, o maior na voz de Ray Simpson, que na trilha também releu YMCA, em versão inferior à original (ouça aqui).

Temos duas curiosidade neste álbum. Uma é uma tentativa de trazer nova energia para a The Ritchie Family, que comparece com três faixas, entre elas Give Me a Break (ouça aqui), muito legal, mas que infelizmente não foi muito bem nas paradas de sucessos.

A outra fica por conta de um cantor de nome David London, que interpretou as músicas The Sound Of The City (que fez sucesso no Brasil ouça aqui) e Samantha. E ele tem uma história curiosa que vale contar rapidinho por aqui.

London, na verdade, era o pseudônimo que o cantor e compositor Dennis Frederiksen (1951-2014) usava nas gravações que fez de disco music, pois tinha vergonha do estilo pelo fato de na verdade ser um artista de rock, que compôs e participou de gravações de bandas como Survivor, Toto, Trillion e LeRoux, além de ter lançado trabalhos solo também.

Bem, o que fazer com o Village People após o fracasso de Can’t Stop The Music e a queda da disco music? Seus produtores apostaram em uma solução radical. Pra começo de conversa, os integrantes trocaram seus trajes habituais e passaram a se vestir inspirados nas então efervescentes new wave e new romantic, usando roupas coloridas e cabelos da moda de então.

Em termos musicais, então, a troca foi ainda mais brusca, deixando a batida disco de lado e mergulhando de cabeça na new wave e no soft rock. Na nova banda de apoio e também ajudando a compor algumas músicas, o baixista Howie Epstein (1955-2003), que em 1982 substituiu Ron Blair na seminal banda Tom Petty and The Hearbreakers.

O álbum resultante dessa verdadeira metamorfose, Renaissance, saiu em junho de 1981, e é desconcertante e paradoxal. As músicas são boas e os arranjos, excelentes, mas é totalmente diferente do Village People. Perdeu a alma, a célula mater do grupo. Se tivesse sido lançado por um grupo novo, quem sabe estourasse, mas com eles, não passou do nº 138 nos EUA.

Do You Wanna Spend The Night (ouça aqui), por exemplo, não teria feito feio em um disco dos Eagles ou da Little River Band, com sua levada soft rock animadona. Ótima! Por sua vez, Food Fight (ouça aqui) poderia ter integrado um disco da banda new wave americana Devo. E por aí vai.

O grupo se esforçou para divulgar a sua nova fase, e até marcou presença em janeiro de 1982 como uma das atrações do tradicional Festival de San Remo, na Itália, tocando em um intervalo das apresentações dos concorrentes (veja aqui). Mas nada foi capaz de tornar o Village People new wave/new romantic bem-sucedido em termos comerciais.

Após mais um fracasso, a tentativa seguinte foi um retorno de Victor Willis, que gravou com a banda o álbum Fox On The Box, lançado em julho de 1982 e que curiosamente não saiu na época nos EUA, França e Reino Unido. O fracasso do LP, uma aposta meio furada na sonoridade r&b de então, a la Prince e quetais, levou Willis a sair mais uma vez.

Em 1985, com Ray Stephens no vocal principal, o grupo nos ofereceu o peculiar Sex Over The Phone, cuja faixa-título (veja o clipe aqui) se inspirava de forma premonitória no sexo feito de forma remota, quando a Aids se tornava uma triste realidade. O clipe é hilariante e bizarro.

Com mais um fracasso nas costas, e por outras razões que abordarei mais à frente, Jacques Morali e Henri Belolo abriram mão do Village People em 1985. A banda voltou cerca de três anos depois, comandada por alguns de seus ex-integrantes (entre eles Ray Simpson), usando novamente os trajes de sua fase áurea e focando nos shows reverenciado a era da disco music.

Além de Village People e The Ritchie Family, a Can’t Stop Production investiu em mais dois artistas que valem ser enfocados. Um deles é o cantor e compositor suíço radicado na França Patrick Juvet (1950-2021), sobre o qual Mondo Pop fez um extenso texto quando de sua morte (leia aqui).

O outro é um caso mais curioso. Trata-se de Dennis Parker (1946-1985), nome usado no meio musical pelo ator americano Dennis Posa, também conhecido pela alcunha de Wade Nichols nos filmes pornôs de que participou. Como ator, ele viveu o papel do chefe policial Derek Mallory na série televisiva The Edge Of Night entre 1979 e 1984.

Posa/Nichols/Parker namorou com Jacques Morali, que resolveu apostar em uma carreira musical para ele. Valendo-se basicamente da mesma equipe que atuava nos discos do Village People e da fase final da The Ritchie Family, ele colocou o namorado em estúdio. No dia 1º de março de 1979, saía o fruto desse projeto, o álbum Like An Eagle, surpreendentemente bom.

Tudo bem, a voz de Parker é bem limitada e com pouca extensão, mas os produtores souberam encaixá-la de forma a não atrapalhar as músicas. Na espetacular faixa-título, por exemplo (ouça aqui), sua interpretação sussurrante e sensual se encaixa bem no clima disco midtempo, tornando-a um envolvente clássico cult das pistas de dança.

As faixas mais conhecidas são as excelentes Why Don’t You Boogie e I’m a Dancer, que no álbum aparecem em sequência sem interrupções (ouça aqui) e que poderiam ter figurado sem fazer feio nos melhores álbuns do Village People, pois tem aquele estilo contagiante.

O álbum teve sucesso bastante restrito ao público disco mais fiel, mas teve boa repercussão no Brasil, inclusive trazendo o cantor para cá com a missão de participar de alguns programas de TV e rádio. I’m a Dancer foi incluída na trilha sonora da novela global Marrom Glacê (1979).

A carreira de Dennis Parker como cantor se resumiu a este álbum, provavelmente pelo sucesso comercial reduzido e também pelo fim do seu namoro com Morali. Infelizmente uma das primeiras vítimas famosas do vírus HIV, eles nos deixou em 28 de janeiro de 1985 com apenas 34 anos.

E é exatamente aí que entra o porque a parceria que gerou tantos hits se encerrou. Em 1985, Jacques Morali também foi diagnosticado com o vírus HIV, e a partir daí saiu de cena, com Belolo voltando ao esquema antigo de licenciar músicas para o mercado francês, especialmente hits dançantes. Morali nos deixou em 15 de novembro de 1991.

Embora menos do que produtores contemporâneos, Morali e Belolo também colaboraram com outros artistas. A diva Cher, por exemplo, gravou em 1982 uma música deles, Rudy (ouça aqui), no álbum I Paralize (1982), canção anteriormente gravada em francês pela estrela franco-egípcia Dalida.

Belolo e Morali só atuaram em um único projeto fora do universo da disco music. Foi com o trio de rap/hip hop Break Machine, liderado pelo também compositor Keith Rogers. O álbum produzido por eles para o grupo passou batido nos EUA, mas o single Stree Dance (ouça aqui) chegou ao 3º lugar no Reino Unido em 1984 e é muito bom.

Morali também produziu e compôs músicas para o álbum I Love Men (1984), da célebre cantora e atriz americana Eartha Kitt (1927-2008), mais conhecida no Brasil por ter sido a Mulher Gato na série de TV Batman, nos anos 1960. A faixa-título é ótima, assim como o clipe (veja aqui).

Após o fim da parceria do Village People com Jacques Morali e Henri Belolo, seis de seus integrantes, entre eles Ray Simpson, criaram em 1987 a produtora Sixuvus. A partir daí, eles passaram a fazer shows pelos quatro cantos do mundo, com o visual da fase clássica.

Conseguiram, dessa forma, manter o nome do grupo ativo, participando de programas de TV e lançando eventuais singles, entre eles um, bizarro, com a seleção da Alemanha que disputou a Copa do Mundo de 1994 nos EUA, Far Away In America (veja o clipe aqui ).

Enquanto isso, seu antigo vocalista, Victor Willis, envolveu-se com drogas e chegou a ser preso e depois internado em uma clínica de reabilitação para se livrar do vício. As coisas começaram a melhorar para ele, curiosamente, a partir de 2012, quando ganhou o primeiro processo na justiça americana pelos direitos sobre as músicas que escreveu com o Village People.

Essa pendenga jurídica acabou em 2017, quando Willis não só conseguiu ficar com a parcela de direitos autorais antes destinados a Henri Belolo como de quebra passou a ser o dono dos direitos da utilização da marca Village People para shows, passando a perna na Sixuvus.

Desde então, o Village People passou a ter Victor Willis como seu vocalista principal novamente e cinco coadjuvantes escolhidos para dar apoio a ele nos shows. O grupo gravou em 2018 um álbum inédito, A Village People Christmas, com músicas natalinas assinadas por Willis.

YMCA (clipe oficial)- The Village People: