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Tag: rock brasileiro anos 1970

Guilherme Arantes chega aos 70 anos pleno e muito intenso

guilherme arantes- 400x

Por Fabian Chacur

O meu amigo Guilherme Arantes completa 70 anos de idade nesta sexta-feira (28). Sete décadas! Sendo que desde 1976, quando Meu Mundo e Nada Mais estourou nacionalmente, ele se mantém firme e forte nos corações dos brasileiros de bom gosto musical. O que falar para esse grande cantor, compositor e tecladista paulistano? Pra começo de conversa, votos de muita saúde, paz e tudo de bom, hoje e sempre, pois ele merece e muito!

Bem, vamos divagar um pouco sobre ele. Já fiz isso várias vezes aqui no blog e também em outros espaços, mas nunca é demais ressaltar algumas coisas acerca desse artista incrível. Que é romântico, mas não é o Fábio Jr., é roqueiro mas não é o Cazuza, é pop mas não é o Elton John, e é sofisticado, mas não é o Tom Jobim. Ele é uma soma de muitas coisas, resultando dessa forma em um artista único e inconfundível.

Mr. Arantes consegue ser popular sem cair no rasteiro, e sofisticado sem dar uma de metido a besta. Mergulha com categoria em todos os aspectos do amor, desde a descoberta até o fim e à sua permanência, sempre com aquela intensidade típica de quem certamente amou, ama e amará demais, com o peito aberto e sem medo de ser feliz e de fazer feliz.

Uma das vertentes da música deste grande criador vai por um lado visionário e de fé extrema, do qual a maravilhosa Amanhã é provavelmente seu fruto mais belo e delicioso. Não é por acaso que esta canção sempre volta à tona em situações em que precisamos de uma forte dose de esperança e força para seguirmos adiante, em quaisquer circunstâncias.

A generosidade e a simplicidade de Guilherme são marcas registradas de sua personalidade. Ele também é cara que não tem medo de expor os seus pontos de vista, independentemente de agradar ou não. E conversar com esse cidadão é uma delícia, um verdadeiro privilégio que ele não restringe, mostrando-se sempre acessível quando devidamente solicitado.

Se nos últimos tempos perdemos muitas pessoas incríveis no cenário musical brasileiro e mundial, temos a obrigação de valorizar cada vez mais quem permanece entre nós, pois se há algo lindo de se fazer é dar as flores em vida a quem as merece. E o autor de Êxtase, Cheia de Charme, Lindo Balão Azul, Cuide-se Bem (a minha favorita), Uma Espécie de Irmão e tantas músicas encantadoras merece um jardim inteiro delas.

A obra de Guilherme Arantes é ampla e recheada de bons momentos. Recomendo com entusiasmo a todos um mergulho nela, pois você certamente sairá melhor e muito energizado dessa experiência. Que este artista incrível e ser humano adorável conviva conosco por muitos e muitos anos, sempre com saúde, paz e se mantendo ativo e disposto a brincar de viver. Que ele sabe fazer como poucos.

Amanhã– Guilherme Arantes:

Zé Brasil inclui o tempero rural no seu som em Viola Paulistana

viola paulistana capa 400x

Por Fabian Chacur

Aos 73 anos de idade, o cantor, compositor e multi-instrumentista paulistano Zé Brasil continua esbanjando energia e criatividade. Na estrada do rock desde os anos 1970 (leia mais sobre ele aqui), esse grande e inquieto artista nos traz uma novidade interessante no seu trabalho que já se revela logo no título de seu novo álbum, lançado pelo selo Natural Records: Viola Paulistana.

Sim, este roqueiro de fé incorporou ao seu coquetel sonoro os acordes da viola caipira, uma espécie de resgate das origens interioranas de seus familiares. Ele se incumbe desse instrumento, além de cantar, tocar teclados e assinar os arranjos e programações.

A viola aparece nas 12 faixas de formas bem diversificadas,indo das convenções mais próximas da música caipira paulista influenciando as melodias até a mistura com rock, folk e psicodelia. Temos 3 instrumentais (Folia de Reis, Pingo D’Água e Para Andrea), colocadas estrategicamente após blocos de três canções cada uma, como se fossem interlúdios.

O álbum abre com as três composições que Brasil divide com outros parceiros. Gente Decente foi escrita com Gerson Conrad (ex-Secos & Molhados), e é um lindo e poderoso libelo a favor do povo brasileiro, que é visto como “simples objetos” pelos poderosos de plantão.

Das Terras do Sem Fim é parceria com Cezar de Mercês (ex-O Terço) e Silvia Helena, esta última a parceira de vida e trabalho do Zé, que se incumbe também de vocais principais e de apoio durante todo o álbum, e traz como destaque a guitarra psicodélica de Fábio Golfetti (Violeta de Outono).

Desvario fecha o bloco das parcerias, com letra assinada pelo jornalista e poeta Nico Queiróz, e traz uma melodia bem mais próxima das canções rurais mais tradicionais, sem cair na mera repetição do já feito, vale ressaltar.

Após a delicada e encantadora instrumental Folia de Reis, temos Rio da Vida, rock com uma letra filosófica mergulhando no que seria a vida, de onde vem e pra onde vai, com tiradas bem profundas.

Monte Verde homenageia a encantadora localidade mineira mesclando o clima folk rural de sua letra e estrutura com sonoridades de tons indianos executadas pela cabacítara do sempre afiadíssimo Ricargo Vignini. Pura Intenção, bela balada folk-rock, fecha bem este bloco.

A instrumental Pingo D’Água, bem curtinha e linda, antecede Viola Sertaneja, provavelmente o momento mais caipira raiz do álbum. A seguir, vem o rockão Naturalmente, aberto por um lindo solo de guitarra de Fernando Alge.

Terra dos Bem-Te-Vis, com estrutura também extraída do formato da música rural, é uma linda e emocionante homenagem a São Paulo, cidade que até o início do século XX era muito provinciana e próxima do espírito caipira. E é exatamente essa mistura com o urbano e o progresso acelerado que esta linda canção exalta, com todos os seus paradoxos.

Para Andrea (homenagem a uma das filhas de Zé e Silvia Helena) é faixa instrumental que encerra Viola Paulistana, com participação especial do celebrado guitarrista André Christovam. Vale destacar a participação de outros ótimos músicos no álbum, como Edu Gomes (guitarra e violão), Nivaldo Campopiano (guitarra, da banda Muzak) e Fred Barley (bateria).

Neste seu lindo mergulho por suas origens rurais que dura aproximadamente meia hora, Zé Brasil nos oferece um trabalho que é ao mesmo tempo fiel à sua sonoridade rock delicada e a suas temáticas fiéis à filosofia paz e amor dos anos 1960-70 e inovadora em seus nuances e misturas. Prova de que o cara que leva o nome do nosso país no sobrenome artístico ainda tem muita lenha pra queimar. Gente muito decente mesmo!

Veja vídeo do Zé Brasil ao vivo mostrando músicas do Viola Paulistana aqui.

Ouça o álbum Viola Paulistana em streaming aqui.

Terra dos Bem-te-vis– Zé Brasil:

Rita Lee tem o álbum clássico Fruto Proibido relançado em LP

rita lee fruto proibido 400x

Por Fabian Chacur

Duas notícias, uma boa e a outra nem tanto. Comecemos pela legal. A Universal Music acaba de relançar um dos melhores álbuns da carreira de Rita Lee, o seminal Fruto Proibido (1975), em luxuosa edição no formato LP de vinil rosa e com capa dupla reproduzindo com fidelidade a arte da edição original. O lado negativo, só pra variar: o preço. São R$ 169,90 no site oficial de vendas da gravadora (saiba de mais detalhes e também de como comprar aqui).

Fruto Proibido foi o primeiro álbum que Rita Lee lançou na gravadora Som Livre, e é creditado a ela e ao seu grupo na época, o Tutti Frutti, verdadeira entidade roqueira que tinha como destaque o excepcional guitarrista Luis Sérgio Carlini, um dos grandes nomes da historia do rock brasileiro.

Este disco marca o estouro de Rita após sua conturbada saída dos Mutantes, e assumindo de uma vez por todas o trono de rainha do rock brasileiro. O repertório é repleto de clássicos de seu repertório, entre os quais Ovelha Negra, Agora Só Falta Você, Esse Tal de Roque Enrow, Cartão Postal e Luz Del Fuego, só para citar as mais impactantes.

Agora Só Falta Você-Rita Lee & Tutti Frutti:

Zé Brasil chega aos 71 anos mais ativo e criativo do que nunca

crédito: Dean Cláudio

crédito: Dean Cláudio

Por Fabian Chacur

O rock brasileiro possui algumas figuras incríveis que, por uma razão ou outra (ou por várias delas), não são reconhecidas como deveriam. Zé Brasil é certamente uma desses caras que você precisa conhecer para aprender detalhes importantes da história do nosso amado rock and roll brazuca.

Com 71 anos de idade e cinco décadas de estrada como cantor, compositor e músico, ele acaba de lançar um álbum espetacular, DoisMilEVinteUm, disponível em formato físico e também nas plataformas digitais. O disco traz participações especiais de nomes do porte de André Christovan, Fabio Golfetti (Violeta de Outono), Rolando Castello Júnior e Roberto Lazzarini, entre outros.

Vale lembrar que ele é parceiro de Arnaldo Baptista, gravou com Edgard Scandurra (Ira!) e Billy Forghieri (Blitz) e participou em 1975 do lendário Festival de Águas Claras, só para citar mais alguns feitos desse talentoso roqueiro paulistano. Em deliciosa entrevista a Mondo Pop, ele dá uma geral em sua trajetória e fala sobre este novo CD.

Mondo Pop- Fale um pouco do conceito por trás de DoisMilEVinteUm. Você lançou previamente quatro das 11 faixas em 2020 em um EP digital. Desde aquele momento já existia a ideia de criar este álbum completo que saiu agora ou isso veio depois?
Zé Brasil
– Você usou a palavra certa: conceito. “DoisMilEVinteUm” é um CD conceitual, para levantar a moral em meio à tragédia. Lancei online em 2020 o EP com quatro músicas e no final do ano o álbum completo com 11 músicas finalizadas durante esse tempo que marcou nossa geração pelo perigo e pela dor. Agora, no início de 2021 lancei a versão física. Todas as músicas já tinham sido lançadas como singles na maioria das plataformas através da distribuição da Tratore. Foi a primeira vez que usei essa estratégia de lançamento e o resultado está sendo muito interessante.

Mondo Pop- Em termos musicais, o seu novo álbum é bem diversificado, com vários estilos sendo desenvolvidos. Mas quem ouve certamente perceberá uma unidade, um sotaque próprio, que liga tudo. Fale um pouco sobre isso.
Zé Brasil
– Uma das minhas características como compositor é o ecletismo emoldurado pela linguagem do rock. Acho que isso decorre da minha formação como baterista, pois a bateria é um instrumento que propicia a execução de diversos gêneros musicais através dos diferentes ritmos. A unidade intencional transparece nos temas e nas letras das músicas. Pelas canções, busco transmitir uma mensagem com energia, alegria e esperança.

Mondo Pop- Como pintaram as participações especiais? Essa, digamos assim, troca de figurinhas com outros músicos é um elemento fundamental na sua criação, uma espécie de modus operandi seu?
Zé Brasil
– Tenho o privilégio de conviver e partilhar da amizade de grandes artistas e músicos de diversas gerações. Sempre quando me proponho a uma nova tarefa musical, tanto nos palcos como nos estúdios, convido e peço a colaboração dessa elite transgeracional. Atualmente, na minha carreira solo, isso tem se intensificado e enriquecido todas as canções, em geral a partir de guias e arranjos de base que eu forneço. Acostumado ao trabalho coletivo nas bandas, essa situação traz novas possibilidades e mais liberdade de criação artística.

Mondo Pop- Uma de suas músicas do novo álbum intitula-se Povo Brasileiro. Fale um pouco sobre a mesma, e sobre o seu recado.
Zé Brasil
Povo Brasileiro é um testemunho poético/musical da visão mágica e psicodélica da nossa gente que compartilho com meu parceiro/letrista Nico Queiroz. Nossa atual realidade, careta e preocupante, ainda nos permite sonhar com um mundo novo regido pela paz, amor e compaixão.

Mondo Pop- Quando surgiu o nome artístico Zé Brasil? Como você se sente levando o nome de seu país nas costas? Rsrsrsrs
Zé Brasil
– Antes de tudo, é uma prova de fé e amor pela nossa terra. No final dos anos 1960 e começo dos 1970, na sala de visitas da minha casa da rua Padre João Manuel, no bairro Cerqueira César da capital paulista, os músicos ensaiavam e improvisavam (principalmente) com nossas namoradas e amigas. Era uma atividade amadora, mas que nos ajudou muito nas futuras atividades profissionais. Chegamos inclusive a nos apresentar no Colégio Equipe e na Fundacão das Artes de São Caetano do Sul, levando de trem a banda e os instrumentos até aquela cidade da Grande São Paulo. Eu nomeei essa turma de Grupo Brasil, e desde então fiquei conhecido como Zé Brasil. No ano de 1972 me apresentei pela primeira vez como Zé Brasil e a nata dos músicos que tocavam comigo no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Já em 1973, em Arembepe, na Bahia, o espírito do Zé Brasil se incorporou definitivamente em mim através de uma viagem de ácido e viola caipira.

Mondo Pop- Como a música surgiu na sua vida, e como foi o seu início na carreira de músico?
Zé Brasil
– Acho que eu fui predestinado: meu primeiro presente, que ganhei da minha mãe quando nasci, foi um pandeirinho… hehehe. Sou descendente de músicos e políticos. Meu tataravô paterno fundou a banda Aurora Aparecidense em 1886 na cidade de Aparecida do Norte (SP), e o pai dele já era músico. Meu avô materno liderou a independência de Aparecida e foi seu primeiro prefeito. Meu tio foi ministro no governo Sarney. No meu caso, desde cedo ouvia todo tipo de música na vitrola de casa: brasileira, erudita, orquestras americanas etc. Também me maravilhava com os saraus na casa das minhas tias em Aparecida, onde meus parentes demonstravam toda a sua maestria cantando e tocando as peças do repertório erudito no piano, violino e cello. Aí veio o rock and roll e me abduziu. Estamos falando dos meados da década de 1950 e a bela professora de piano surge como mais um estímulo para me jogar de corpo e alma nessa estrada. No início da adolescência me aventurei no violão com os cadernos de aulas do meu irmão. Também comecei a compor, mas aos quinze anos a bateria, que já me seduzia, me conquistou definitivamente. De lá para cá muita água passou debaixo dessa ponte: estudei, viajei, conheci muita gente incrível e pratiquei muito para me apresentar e gravar da melhor forma possível, sempre respeitando a música como arte, missão e o ouvinte como prioridade.

Mondo Pop- O documentário O Barato de Iacanga trouxe para as novas gerações o trabalho do seu grupo Apokalypsis. Fale um pouco sobre ele, sobre como foi a participação no Festival de Águas Claras em 1975, e do porque o grupo acabou. Pensa em voltar com ele um dia?
Zé Brasil
– Saí da Space Patrol em meados de 1974 para fundar o Apokalypsis. O Prandini (guitarra, sax, flauta e viola caipira) já tinha tocado comigo e trouxe o Tuca Camargo (piano). O Edú Parada (in memoriam, baixo) me foi indicado pelo Rolando Castello Junior (n da r. :fundador e líder do grupo Patrulha do Espaço) que era meu amigo e vizinho. Ensaiávamos todos os dias e logo fomos contratados pela Trinka Produções Brasileiras, do empresário Fernando Tibiriçá. Nossa estréia oficial foi no TUCA, que era o templo dos grandes shows musicais da época. Depois, nos apresentamos no Teatro Aquarius, ainda em 1974, num show memorável, gravado e depois lançado pelo meu selo Natural Records em 2009 no CD “1974”. No início de 1975, fomos contratados pelo empresário Gabriel Neto e participamos do Festival de Águas Claras tocando duas horas e meia para um público acordando num domingo de sol. Não queriam nos deixar sair do palco. Fomos até Londres em 1978 e o nosso farewell show da fase setentista foi em fevereiro de 1979. O Apokalypsis voltou aos palcos em 2006 e continua hibernando nos shows ao vivo por causa da pandemia, mas contando com novos integrantes para apresentar seu repertório progressivo setentista e novas músicas compostas no Século XXI. Também lançou novos álbuns, CDs e se apresenta com grandes artistas convidados nos shows do Movimento 70 De Novo que fundei com meu parceiro Nico Queiroz em 2006.

Mondo Pop- Como foi a sua parceria com o Arnaldo Baptista, especialmente na criação do Space Patrol, e porque você não seguiu adiante com aquele grupo? Fale um pouco sobre a canção que vocês compuseram juntos.
Zé Brasil
– Antes de viajar para os Estados Unidos, participei do Festival de São Lourenço, Minas Gerais, em meados de 1973. O Arnaldo Baptista tinha acabado de sair dos Mutantes e também se apresentou lá. Já o conhecia desde 1968 no Tropicalismo, mas foi então que ficamos amigos. Em seguida fui para os EUA onde, além de viajar de carona pela costa leste de Miami a Nova York e depois cruzar o país até a Califórnia, toquei bastante em San Francisco, tanto na rua quanto em coffee houses e nightclubs. Na volta, reencontrei o Arnaldo e, com o Alan Kraus que era técnico dos Mutantes e guitarrista, fundamos a Space Patrol no final de 1973. Depois o Alan, que deu o nome à banda, saiu, e entrou o guitarrista Marcelo Aranha (in memoriam). A Space Patrol ensaiava sempre na casa do Arnaldo na Mutantolândia da Serra da Cantareira, assim como os Mutantes do Sergio Dias e o Tutti Frutti da Rita Lee na casa do Sergio. Jams memoráveis aconteciam frequentemente com os músicos das três bandas. Ensaiávamos, desde novembro de 1973, o repertório do disco Loki? que o Arnaldo iria gravar no segundo semestre de 1974. Tivemos o privilégio de participar dessa gestação e da formatação dos arranjos das músicas. Apresentamos esse repertório em dois grandes festivais no Parque do Ibirapuera: no final de 1973 e em janeiro de 1974. A curiosidade do Show do Cometa, como ficou conhecido o primeiro em 1973, é que foi a única apresentação em que os três Mutantes originais se apresentaram com suas bandas: Arnaldo Baptista (Space Patrol), Sergio Dias (Mutantes) e Rita Lee (Tutti Frutti). O segundo festival, comemorando o aniversário de São Paulo, foi nossa melhor performance, com grandes bandas paulistanas (Som Nosso, Made in Brazil, Mutantes), quando apresentamos na íntegra o repertório do que viria a ser o Loki? para um público estimado em 25 mil pessoas. Depois, continuei ensaiando com a Space Patrol até meados de 1974, quando amigavelmente saí para fundar o Apokalypsis, minha banda do coração até hoje. O único integrante da Space Patrol que gravou no Loky? foi o saudoso baixista Sergio Kaffa, que entrou em 1974 e nunca se apresentou ao vivo com a gente. Minhas melhores lembranças desse tempo estão em imagens em Super 8 mm do Mario Luiz Thompson da nossa presença no Festival da Saúde Perfeita, de novo em São Lourenço, em 1974. O legado da Space Patrol está também registrado na música Cabelos Dourados, que compus em 2005 com uma letra que o Arnaldo me deu nas manhãs setentistas da Cantareira em 1974. É um rock and roll que contagia as plateias e ouvintes nos shows do Apokalypsis.

Mondo Pop- Porque você demorou tanto para lançar trabalhos como artista solo?
Zé Brasil
– Desde 1965 sou independente, mas preocupado com o presente e o futuro da humanidade. Talvez, aliado ao sonho das bandas inspiradas pelos Beatles, essa característica tenha me conduzido a um trabalho coletivo na música. Com a Silvia Helena, comecei a ensaiar e me apresentar em duo também. Mas nunca deixei de compor, estudar e praticar. Isso naturalmente me levou a uma atitude e comportamento de liderança na música. Ao mesmo tempo sempre desenvolvi um trabalho solo que só dependesse de mim. Em algumas ocasiões cheguei a me apresentar ao vivo e consegui concretizar essa situação em 2017, quando lancei o primeiro EP como Zé Brasil. De lá para cá, venho me apresentando nessas condições: artista solo, duo, convidado, com bandas (Apokalypsis, Delinquentes de Saturno, UHF) e no Movimento 70 De Novo.

Mondo Pop- Fale um pouco sobre a sua duradoura e consistente parceria musical e afetiva com a Silvia Helena.
Zé Brasil
– Em 17 de novembro de 1975, conheci a cantora Silvia Helena num show do Gilberto Gil no Teatro Aquarius em São Paulo. Desde então, estamos juntos na vida e na música. Casamos em 1977, lançamos nosso primeiro disco em 1976, viajamos para Europa em 1978 e constituímos, desde 1981, uma família maravilhosa com nossos filhos Alexandre e Andréa. Minha satisfação maior é quando subimos, os quatro, no palco juntos. Já com a Silvia Helena, cantamos, compomos e tocamos em duo ou com banda. O sentido da minha vida é buscar e propagar paz, amor e compaixão. Isso só foi possível a partir do nosso encontro. Acho que é o que nos define, inspira e fortalece.

Mondo Pop- Bicho Grilo, uma das faixas do seu novo CD, brinca com um certo preconceito existente contra o espírito hippie no Brasil. Fale um pouco de como é lutar contra isso, contra os estereótipos negativos.
Zé Brasil
– Acho que o humor é arte e, quando integrado positivamente na música, agrega interesse e diversidade. Procuro compor canções que lidam com os diversos sentimentos e emoções, incluindo o bom humor. Bicho Grilo, parceria com o Edu Viola, que é meu amigo desde 1968, é uma brincadeira com o estereótipo do hippie/bicho grilo, que surgiu na transição dos anos 1960 para os anos 1970 no Brasil. Éramos, de uma certa maneira, todos bichos grilos na nossa ingenuidade e esperança por um mundo melhor, apostando no rock e na Era de Aquarius.

Mondo Pop- Você foi um dos criadores do projeto 70 de Novo, em 2006. A quantas anda, e como avalia os frutos colhidos com o mesmo?
Zé Brasil
– O Movimento 70 De Novo resgatou uma década complexa da história do Rock Brasileiro. Para muitos foi o ápice da criatividade e qualidade musical dessa vertente. Por causa das condições sócio-políticas decorrentes da repressão da ditadura militar, a maioria dos artistas e músicos permanece praticamente desconhecida do grande público atual. Tínhamos dezenas de milhares, pelo menos, de seguidores naquele período, mas hoje em dia somos conhecidos por um nicho de aficionados que conhecem nosso trabalho através dos discos e registros que sobreviveram até aqui. O Apokalypsis, ao contrário das grandes bandas da época, não chegou a gravar por um capricho do destino. Apesar de ser considerado a revelação de 1975, está sendo reconhecido e apreciado por um maior número de pessoas através dos shows, discos gravados no século XXI e do documentário O Barato de Iacanga. O mesmo acontece com os grandes artistas e músicos que participam dos nossos shows/celebrações. Meu parceiro Nico Queiroz, que batizou o Movimento 70 De Novo, e eu vivemos intensamente esse tempo inesquecível do underground paulistano e brasileiro.

Mondo Pop – O seu show celebrando 70 anos de vida foi um dos últimos realizados antes da pandemia. A festa musical ocorreu poucos dias antes disso. Como você encara essa feliz coincidência?
Zé Brasil
– Chegar aos 70 anos não é fácil, mas é gratificante. Resolvi celebrar da melhor forma possível e, ao mesmo tempo, agradecer pela minha vida. Todos que compareceram receberam um CD Zé Brasil de presente. O show contou com caros e talentosos amigos que proporcionaram um belo espetáculo. Minha família compareceu em peso e a casa estava cheia de gente feliz. Foi o meu melhor aniversário até hoje.

Mondo Pop- Vivemos atualmente no Brasil um clima de muito retrocesso, com extremismos e reacionarismo no ar o tempo todo. Você iniciou sua trajetória musical na época da ditadura militar. Como compara essas duas épocas? Tem esperança de que isso mude em um futuro próximo?
Zé Brasil
– Houve um tempo em que eu evitava comparações, dualismos, dialética, essas coisas. Buscava a unidade espiritual e intelectual. Hoje, mais experiente, procuro ser tolerante e compreensivo. Meu radicalismo me forçou a dois exílios voluntários: em 1975 nos Estados Unidos e em 1978 na Europa. Fui torturado no pau-de-arara, levei choques e porradas. Não penso mais em me mudar do Brasil. Uma das principais diferenças entre os dias de hoje e os da ditadura militar é a quantidade e a facilidade de informação. É muito mais difícil, quase impossível, esconder algum fato verídico da população. Ao mesmo tempo é muito mais fácil disseminar mentiras, fake news, etc. Sempre fui progressista, a favor das mudanças, da evolução, da diversidade, da democracia… Enfim, agradeço pela minha criação e formação de caráter para enfrentar e resistir ao arbítrio, negacionismo, ignorância e fanatismo.

Mondo Pop- Aos 71 anos de idade, você se mantém mais ativo do que nunca. Qual a receita para chegar a esse momento da vida nesse pique todo?
Zé Brasil
– Paz, amor e compaixão, babe!

Mondo Pop- Bem, era “só” isso, por enquanto rsrsrsrrs Desde já, agradeço pelas respostas e um grande abraço!
Zé Brasil
– Sou eu é quem agradece, jovem e talentoso amigo.

Povo Brasileiro– Zé Brasil:

Zé Brasil esbanja categoria em seu novo EP, o estiloso 2020

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Por Fabian Chacur

Zé Brasil celebrou seus 70 anos de vida em março, em um dos últimos shows realizados em São Paulo antes da paralisação por causa da pandemia do novo coronavírus (leia mais sobre ele e o show aqui). Dando provas de que energia é o que não lhe falta, o roqueiro paulistano nos oferece um novo EP, 2020, lançado pelo selo Natural Records em parceria com a Tratore e já disponível nas plataformas digitais.

O trabalho traz para a era digital o formato do compacto duplo, disco de vinil do tamanho do compacto simples e que habitualmente nos oferecia quatro músicas. Aqui, o cantor, compositor e músico mantém esse padrão. Duas das músicas são parcerias com o jornalista Nico Queiroz, o ótimo rock básico com ecos de Creedence Clearwater Revival e Beatles de 1963 intitulado Povo Brasileiro e a quase psicodélica Beautiful People.

Festim do Fim, que Zé compôs sozinho, mescla a levada do reggae com vigorosos riffs de guitarra executados por Marcello Schevano. Aqui, como nas outras faixas, destaca-se o vocal sussurrado, quase declamado do artista, que sua parceira musical e de vida Silvia Helena harmoniza com um registro ao mesmo tempo delicado e potente, em uma combinação charmosa e envolvente.

O grande momento do EP é Desterrado no Cerrado, parceria de Zé com o lendário Rolando Castello Jr., da banda Patrulha do Espaço, que aqui também se incumbe (com maestria, como de praxe) da bateria. São quase seis minutos de uma balada hard, intensa, com bela presença dos músicos.

Aliás, além de Rolando, temos também participações de feras do calibre de André Christovam, Gerson Tatini, Tuca Camargo e o escocês Dylan Webster. 2020 é rock brazuca de primeira linha, para conhecedores e não conhecedores, com letras certeiras que equivalem a um jato de esperança em um dos anos mais difíceis vividos pela humanidade em tempos recentes.

Desterrado no Cerrado– Zé Brasil:

Edy Star mostra sua incrível carreira em documentário

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Por Fabian Chacur

O Brasil tem como uma de suas marcas a capacidade de gerar grandes talentos nas mais distintas áreas, mesmo sem dar o devido apoio ou valor a essas pessoas. Edy Star é um bom exemplo. Este incrível cantor, compositor, ator, dançarino, produtor teatral, apresentador de TV e artística plástico baiano tem uma carreira com mais de 60 anos de estrada e repleta de grandes momentos. O documentário Antes Que Me Esqueçam Meu Nome é Edy Star (2018), que está na programação do canal a cabo Music Box Brasil, faz jus a esse artista de talento absurdo.

Nascido em Juazeiro (BA) em 10 de janeiro de 1938, Edy se embrenhou pelo meio artístico ainda criança, no teatro, e rapidamente foi ampliando seus horizontes profissionais. Após anos como apresentador de um programa de TV na Bahia, ele se uniu ao amigo Raul Seixas e, junto com Miriam Batucada e Sérgio Sampaio, gravou em 1971 o mitológico álbum Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, que vendeu pouco mas com o tempo se tornou cultuado e posteriormente relançado em vinil e CD.

Com o insucesso do álbum, ele teve de se virar fazendo apresentações em boates em região barra pesada do Rio de Janeiro, e seu talento como show man o levou a ser a estrela na boate Number One, onde João Araújo, da gravadora Som Livre, o convidou para gravar o que seria Sweet Edy (1974). Este álbum traz canções feitas especialmente para ele por astros do alto calibre de Gilberto Gil, Roberto e Erasmo Carlos, Moraes Moreira e Galvão, Caetano Veloso, Renato Piau, Jorge Mautner e Getúlio Cortês.

Embora com um repertório ótimo e interpretações marcantes, o disco foi outro retumbante fracasso, e seguiu o mesmo rumo do anterior, tornando-se uma raridade disputada a murros nos sebos da vida, com relançamento ocorrido apenas em 2012 no formato CD e há pouco em vinil. O disco traz uma mistura de rock e outros ritmos, em retrato bem fiel do que Edy chama de “cabaretear”, ou seja, seu estilo versátil e criativo.

Sem baixar a cabeça, ele seguiu adiante, estrelando a montagem brasileira do espetáculo Rocky Horror Show e depois espetáculos de teatro de revista. Neles, esbanjava talento, cantando, dançando, atuando e cativando o público com seu carisma. Durante os anos 1980, no entanto, especialmente devido à disseminação do vírus HIV no Brasil, os espaços diminuíram bastante por aqui.

Em 1992, resolveu mudar para a Espanha, onde viveu durante longos 18 anos, firmando-se na cena teatral de lá e conseguindo até mesmo a cidadania espanhola, que se mostrou fundamental para que pudesse combater um câncer que o acometeu e que ele superou após três meses de tratamento.

Um convite para participar da Virada Cultural em São Paulo em 2009, no qual interpretou com muito sucesso de público e crítica e na íntegra o álbum que gravou com Raul Seixas, Miriam Batucada e Sergio Sampaio, serviu como incentivo para voltar ao Brasil, o que se concretizou em 2010.

Em 2016, recebeu o convite de Zeca Baleiro para gravar um novo álbum pela gravadora do artista maranhense, a Saravá Discos. O trabalho, simplesmente excelente, saiu em 2017, Cabaré Edy, e é outro evento, com músicas de Caetano Veloso (que também participa do álbum), Gilberto Gil, Sergio Sampaio, Zé Rodrix, Odair José, Herivelto Martins e outros, e participações de Ney Matogrosso, Angela Maria, Zeca Baleiro, Felipe Catto e gravações inseridas de forma póstumas de Raul Seixas e Emilio Santiago.

As gravações de Cabaré Edy são o mote para o documentário dirigido por Fernando Moraes. Entre ensaios e sessões, o artista dá deliciosos depoimentos contando suas incríveis histórias dessas décadas de carreira. A forma como, por exemplo, conheceu Caetano Veloso quando o hoje monstro sagrado da MPB era apenas um adolescente com vagas ambições artísticas.

O fato de ter assumido desde sempre a homossexualidade e o preço que pagou por isso também permeia o filme, assim como sua eterna disposição em superar as dificuldades e de não se glamurizar demais. Por exemplo, ele vai direto ao ponto sobre o porque foi para a Espanha: “eu estava morrendo de fome, não tinha trabalho no Brasil, então fui para lá para tentar sobreviver, não teve badalação nenhuma!”, registra.

Além dessas cenas atuais, o diretor nos oferece um maravilhoso material de arquivo que registra todas essas fases vividas pelo artista baiano, e também entrevistas recentes com Caetano, Zeca Baleiro e outros artistas que conviveram e trabalharam com ele. Tudo de forma bem-humorada e com uma edição que torna o documentário delicioso de se conferir.

Antes Que Me Esqueçam Meu Nome é Edy Star vale como necessário e maravilhoso registro da trajetória de um artista completo que com seu talento e persistência não só sobreviveu em um meio tão selvagem e difícil como o artístico como de quebra construiu trajetória exemplar e digna de aplausos. Que essa obra nunca seja esquecida, e que sirva de referência para as novas gerações.

Veja o trailer do documentário de Edy Star:

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