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Por Fabian Chacur

Atualmente com 29 anos de idade, Victor Mendes começou a tocar ainda criança. Oriundo da cidade de São José dos Campos (SP), ele integrou durante três anos a banda de rock Ethama, com a qual gravou dois CDs independentes. Depois, foi estudar História na USP, em São Paulo, e ficou um pouco mais distante do mundo musical.

Felizmente, esse distanciamento não durou muito, e ele voltou a tocar e cantar, com o Trio José e agora também em carreira-solo. Seu primeiro trabalho nesse novo formato, Nossa Ciranda, acaba de sair, com uma sonoridade melódica e muito consistente. Leia entrevista com esse promissor nome da nossa música popular:

Mondo Pop- Antes de lançar este trabalho solo, você gravou três CDs, com os grupos Ethama e Trio José. Fale um pouco sobre esses discos, de como foi a sua participação neles e como você as avalia.
Victor Mendes
– Minha primeira experiência em estúdio foi na adolescência, com a banda de rock Ethama. Chegamos a gravar dois discos com canções autorais e, apesar de jovens, já levávamos bastante a sério o que fazíamos. Mas foram discos que não saíram fisicamente e acabaram ficando apenas como um registro. Já com o Trio José, em 2014, tínhamos um projeto muito bem definido, de musicar os poemas de Juca da Angélica. Eu dividi a produção do disco com Danilo Moura. Aprendi muito durante as gravações, a pensar os arranjos, descobri as dificuldades e facilidades que eu tenho dentro do estúdio. Tivemos que pensar na concepção do disco, foi um projeto muito interessante e que rende frutos até hoje. Em ambos, participei como músico, compositor, cantor e produtor.

Mondo Pop- Você pretende a partir de agora se dedicar apenas à carreira-solo ou pensa em fazer isso paralelamente à participação em algum grupo? E o que te levou a optar por lançar um álbum solo, ou a seguir exclusivamente esse rumo, se for a sua opção a partir de agora?
Victor Mendes
: Durante as gravações do disco do Trio José, passei por um processo de amadurecimento dentro do estúdio, e no final das gravações estava bem mais a vontade para gravar. Como eu já tinha um repertório pronto, pois muitas das canções já haviam sido compostas mesmo antes do disco do Trio José, sentia necessidade de gravá-las, poder divulga-las, compartilhar com mais gente aquelas canções que eu fazia. Além dessas canções, outras músicas de parceiros também entraram no disco, e eram canções que eu já cantava há algum tempo, mas nunca tinham sido gravadas.
Quando componho uma música, já penso em quase todo o arranjo, desde o violão até a instrumentação. Isso também contribuiu para que eu fizesse um disco solo, com a minha concepção. Esse trabalho não exclui outros. Ainda continuo com o Trio José, estamos planejando um show em homenagem ao compositor capixaba Sergio Sampaio em breve. Eu acompanho a cantora Karine Telles no violão num show que em breve voltará pros palcos, conheci há pouco tempo a cantora e compositora argentina Gaby Echevarria e estamos montando um show juntos também! E pra mim, quando mais música, melhor! É só administrar o tempo! (risos)

Mondo Pop- Você gravou o álbum durante um período de quase dois anos. Houve algum tipo de modificação de seu projeto inicial em função disso ou você conseguiu manter a linha musical que pretendia seguir? Quais foram as principais dificuldades para viabilizar esse projeto?
Victor Mendes
: Inicialmente, era pra ser um disco de voz, violão e viola. Pensei dessa maneira inclusive para ser mais viável e barato. Mas aos poucos percebi que ficaria bom colocar percussão em uma música. Gostei. Gravamos em seis. E percussão sem baixo não fica muito bom. Aí, entrou o baixo acústico. E percebi que com a participação dos músicos o disco ganhou muito, ficou mais rico, os arranjos que pensei ficaram mais bonitos. No final das contas, o disco teve percussão, baixo, flauta, rabeca, violão slide e participações especiais. Sim, fugiu dos planos iniciais, mas ficou muito melhor do que um trabalho idealizado somente por mim. As maiores dificuldades para se gravar um disco independente, além do dinheiro, acho que é conseguir organizar o tempo de todos que participam. Muitas vezes, as agendas dos músicos não coincidem, pois todos trabalham muito, isso atrasa o processo. Quando se faz um disco com mais estrutura, agenda, prazos, ou com um orçamento maior, fica mais fácil de organizar as agendas. Fora isso, tudo ocorreu muito bem, foi um trabalho muito gostoso de se fazer.

Mondo Pop- Você se manteve distante da música durante um período, dedicando-se exclusivamente aos estudos de história. Quando retomou, mudou alguma coisa em sua concepção musical?
Victor Mendes
: Sim, muito. Durante o curso de história na USP, pude conhecer muita gente importante e que mudou minha concepção musical. Paulo Nunes e Saulo Alves são os mais importantes. Eles me ensinaram muita coisa e despertaram o meu interesse para a música brasileira, da obra de artistas como Milton Nascimento, Guinga, Sérgio Sampaio e Dercio Marques, que me fizeram olhar para minhas origens, a cultura caipira de São José dos Campos, e a beleza da cultura popular que existe em todo lugar. Nessa época em que estudava no curso de história, não me distanciei da música. Na verdade, foi o momento eu que eu descobri a música que queria fazer, que me identifico, e até hoje tento me expressar através dela.

Mondo Pop- O CD Nossa Ciranda traz a participação de três cantoras. Como surgiu essa ideia?
Victor Mendes
: A sugestão inicial foi do Ricardo Vignini, dono do estúdio Bojo Elétrico, onde gravei o disco. Todas as cantoras são grandes amigas e, de alguma maneira, tem uma ligação com a música que cantam. A Karine Telles já vinha cantando Negra Lua nas cantorias que fazemos de vez em quando na casa do Paulo, a música a escolheu. A Roberta Oliveira é uma amiga de longa data. Hoje em dia, nos encontramos pouco, mas convivemos bastante numa época, e a canção Filho de Ogum, da Maria Ó, já fazia parte do nosso repertório, as duas são grandes amigas, e quando decidi gravar a música logo pensei nela, a energia que ela transmite cantando é muito forte. E a Paola Albano é uma grande amiga, ela é professora de canto e me ajudou muito nas gravações. A canção que ela canta comigo é de autoria de Danilo Moura, seu namorado. Eles me mostraram a música em dueto, e não tive dúvidas em “roubá-la” para o meu disco (risos).

Mondo Pop- Como você trabalha como compositor? Sempre faz as melodias? Pega os versos de outros autores e põe música neles ou é o contrário (dá suas melodias para que as letras sejam encaixadas posteriormente)?
Victor Mendes
: Normalmente, o Paulo me manda as letras, primeiro. Aí eu pego uma delas e começo a tocar e cantar algo que me vem na cabeça, às vezes funciona muito bem e a música fica pronta. Mas, muitas vezes, eu vou criando melodias no violão, algumas ideias de harmonia, de levada, e quando tenho algo mais concreto, vou procurar alguma letra que possa se encaixar na música. Já aconteceu de eu fazer uma música inteira (sem letra) e o Paulo me mandar uma letra que se encaixava perfeitamente na harmonia. Foi sorte. Agora, estamos querendo inverter o processo, vou mandar as melodias pro Paulo colocar letra, acho que vão surgir músicas bem diferentes.

Mondo Pop- O disco traz dois temas instrumentais. Você pensa em lançar futuramente um álbum só com esse tipo de composição? E como surgiu a ideia de incluir essas duas neste CD?
Victor Mendes
: A Correria é uma música antiga, foi um dos primeiros temas que fiz na viola e gosto muito dela. Eu fiz quando estava ouvindo muito a música latino-americana. A Rio Manso eu fiz muito lentamente, fiz a primeira parte, e depois de anos terminei, como ideias que foram se juntando até formar uma música. Não pensei em gravar um álbum só de músicas instrumentais, eu gosto de cantar, gosto de me comunicar com as letras. Como nesse disco eu tinha total liberdade para escolher o repertório, decidi incluir esses dois temas. Eu escutei muita música instrumental, o disco do Quarteto Novo, por exemplo, foi crucial para minha formação, os discos instrumentais de viola do Almir Sater, Ivan Vilela. E acho que para o ouvinte, os temas instrumentais ajudam a compreender a concepção sonora do disco, é uma outra maneira de se comunicar.. só com a música.

Mondo Pop- Com a popularização dos MP3 e outros formatos digitais, há quem preveja o fim do formato álbum. No entanto, esse tipo de obra continua sendo lançada, inclusive por músicos jovens como você. O que você pensa sobre isso?
Victor Mendes
: O disco físico ainda é importante, inclusive para conseguirmos trabalhar, vender shows, divulgar o trabalho, ele dá um caráter mais maduro e profissional para a obra. Além disso, acho muito importante o disco ter uma unidade estética, tanto na música quanto na arte gráfica, o disco ainda é um suporte físico para isso. Isso é muito interessante, pois a música não é um objeto material, como um quadro, mas o disco, o encarte, dão um suporte material, visual, para essa arte que se descola no tempo e desaparece. Não há nada melhor, para quem gosta de música, do que ouvir um disco com o encarte na mão, lendo quais músicos tocaram nas faixas, quem produziu, onde foi gravado. O MP3 ajuda muito na divulgação das músicas, mas acaba fragmentando essa unidade da obra, tão importante e tão cuidadosamente pensada pelos músicos.

Mondo Pop- Fale um pouco sobre as suas preferências musicais (autores, gêneros musicais etc), e como isso se refletiu no disco Nossa Ciranda.
Victor Mendes
: Tenho muitas referências musicais e que influenciam muito no meu trabalho, como Milton Nascimento, Gilberto Gil, Dori Caymmi, Vitor Ramil, Jorge Drexler, Jorge Fandermole, Dércio Marques, Renato Braz, Mercedes Sosa, Heraldo Monte… Todas essas influências, creio, têm em comum algo que busco na minha música, que é se inspirar no que há de mais simples, mais popular, e fazer disso algo universal, sem amarras, ser ao mesmo tempo tradicional e inovador. Acompanho muito a carreira de todos, desde a escolha dos repertórios, arranjos, interpretação.

Remo Bom– Victor Mendes: