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Por Fabian Chacur

Dean Ford, cujo nome de batismo era Thomas McAleese, nos deixou no dia 31 de dezembro, aos 72 anos de idade. Embora com um pouco de atraso, Mondo Pop irá fazer justiça ao trabalho deste ótimo cantor, compositor e músico escocês, que entre 1966 a 1974 foi vocalista e compositor do Marmalade, uma banda que alguns só lembram pelo megahit Reflections Of My Life (ouça aqui). O “textão” a seguir provará que ele fez muito mais do que “apenas” essa belíssima balada roqueira lançada em 1969 e que teve mais de dois milhões de cópias vendidas em todo o mundo, no formato single.

Thomas McAleese nasceu na Escócia em 5 de setembro de 1946. Seu nome artístico une os de dois ídolos do músico, o ator e cantor Dean Martin e o cantor Tennessee Ernie Ford (do hit Sixteen Tones, aquele que em português virou 16 Toneladas, com Noriel Vilela). Seu envolvimento com a música começou quando ainda era criança. Em 1963, foi convidado a entrar em uma nova banda, que com sua presença passou a também ser conhecida como Dean Ford And The Gaylords. Integravam o time, além dele próprio no vocal e gaita, o guitarrista e tecladista Willian Junior Campbell (que virou seu parceiro de composições), Patrick Fairley (guitarra), Graham Knight (baixo) e Raymond Duffy (bateria).

O grupo aos poucos se tornou o mais famoso do rock escocês, ao ponto de animá-los a se mudar para Londres em meados de 1965. Duffy preferiu não ir, e o baterista Alan Whitehead entrou em seu lugar. O quinteto, agora rebatizado The Marmalade, foi cavando seu espaço aos poucos, tocando em lugares como o célebre Marquee e abrindo apresentações de Pink Floyd, Traffic, The Who etc.

Em 1967, lançaram o single I See The Rain (ouça aqui), composição de Campbell e McAleese que foi considerada a melhor daquele ano por ninguém menos do que Jimi Hendrix, e regravadas anos depois por Suzanna Hoffs (do grupo Bangles) e Matthew Sweet. Mas o sucesso comercial teimava em não aparecer.

Pressionados pela gravadora CBS, eles deixaram momentaneamente de lado as composições próprias e gravaram Lovin’ Things (de Artie Schroeck and Jet Loring), que atingiu o sexto posto na parada britânica em 1968. Mas a coisa engrenou mesmo para eles quando resolveram reler Ob-la Di Ob-la Da (ouça aqui) em versão muito parecida com a dos autores, os Beatles. Bingo! Com esse single, atingiram o primeiro lugar na parada britânica, e pouco depois o seu contrato com a CBS acabou.

Com a moral alta, eles receberam um convite irrecusável para assinar com o Deram, o selo progressivo da gravadora Decca. Além de ganhar um belo adiantamento, tiveram total liberdade artística. A aposta da nova gravadora se mostrou acertada logo no primeiro lançamento, o antológico single Reflections Of My Life (de Campbell e McAleese), que saiu no finalzinho de 1969 e logo invadiu as paradas britânicas e de inúmeros outros países, inclusive os EUA, onde chegou ao décimo lugar. Essa música recebeu, em 1998, um prêmio da BMI americana por ter tido mais de um milhão de execuções em rádios americanas.

No início de 1970, sai Reflections Of Marmalade (denominado Reflections Of My Life nos EUA), um álbum no qual a mistura de rock, pop, folk e country da banda se mostrava simplesmente envolvente, com direito a Reflections Of My Life e outras maravilhas, entre as quais Carolina In My Mind (de James Taylor e em arranjo parecido com o do álbum de estreia do astro americano- ouça aqui ) e a psicodélica Kadeidoscope (de Campbell e McAleese) ouça aqui).

No embalo do sucesso do álbum, eles lançaram em 1970 outro single matador, a canção folk-country Rainbow (de Campbell-McAleese, ouça aqui), seguido em 1971 por outra maravilha de Ford e seu parceiro, a delicada balada My Little One (ouça aqui). Aí, Willian Junior Campbell, cansado das turnês, resolveu sair da banda para estudar música. Ele depois teria uma breve carreira-solo e a seguir se tornaria compositor para trilhas de cinema, TV e teatro.

Para substituir Campbell, entrou em cena o cantor e guitarrista Hugh Nicholson, que entrou com moral no time, a ponto de se tornar o principal compositor da banda. Ele é o autor de Back On The Road (de volta à estrada, ouça aqui), um título que refletia a atitude da banda de seguir em frente. Por sinal, eles vieram ao Brasil (onde emplacaram vários hits) naquele mesmo 1971, para defender essa canção no Festival Internacional da Canção, sem conseguir a vitória.

Vale o registro, baseado em post publicado pelo blog de Maria Weber, o ótimo Festivais da Canção (acesse aqui), que traz a reprodução de matéria de uma revista da época que relata as estrepolias do quinteto em nossas plagas, com direito a quebrar copos, passear mascarados para assustar os hóspedes do Hotel da Glória e tentar jogar uma cantora na piscina. Uau!

A partir de 1972, o Marmalade viu sua popularidade cair bastante. Dean Ford ainda comporia algumas músicas com um novo parceiro, Mike Japp, como Our House Is Rocking e Come Back So, mas nenhuma delas emplacou. Curiosidade: Japp, posteriormente, seria parceiro de Gene Simmons e Paul Stanley, do Kiss, e também de Bryan Adams. E em 1975, Ford resolveu dar adeus à banda que o revelou, lançando no mesmo ano o LP solo Dean Ford, produzido pelo então ainda iniciante na função Alan Parsons. Em 1978, ele participaria de um álbum do Alan Parsons Project, Pyramid.

Com a pouca repercussão da carreira-solo, Ford mudou-se em 1979 para Los Angeles, e mergulhou de cabeça no alcoolismo, sumindo de cena por vários anos. Apenas em 1986 ele conseguiu se livrar do vício, graças ao apoio do grupo Alcoólicos Anônimos. Em 2014, com produção a cargo do músico Joe Tansin, conhecido por sua breve participação no grupo Badfinger (apenas no álbum Airwaves, de 1979), ele fez uma interessante releitura de Reflections Of My Life, com direito a clipe e tudo (veja e ouça aqui).

Curiosamente, os últimos anos de vida de Dean Ford foram provavelmente alguns dos mais produtivos. Ele lançou dois álbuns, Feel My Heartbeat (2017) e My Scottish Heart, este último poucas semanas antes de sua morte, que teria ocorrido por complicações ligadas ao mal de Parkinson.

Uma curiosidade: o Marmalade seguiu em frente após a saída de Dean Ford, em 1975, e foi apenas em 2010 que perdeu seu último integrante da formação clássica, o baixista Graham Knight. Eles tocam em eventos nostálgicos, e equivalem a uma banda cover de luxo. Saiba qual é a sua escalação atual, e desde quando seus integrantes estão por ali. Alguns, por sinal, integram o Marmalade por muito mais tempo do que os integrantes originais sequer imaginavam se manter. Mas, vale o registro, sem criar um único hit:

Sandy Newman – vocal principal, guitarra solo, teclados (de 1975 até hoje)
Alan Holmes – vocais, guitarra,e violão, teclados (de 1980 até hoje)
Jan Robinson – vocais, baixo (de 2015 até hoje)
Chris North – bateria, percussão (de 2015 até hoje)
John James Newman – vocais, violão (de 2011 até hoje)

Rainbow (clipe)- Marmalade: