Mondo Pop

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Category: Discos indiscutíveis (page 2 of 14)

Givin’ It Back- The Isley Brothers (1971-T Neck-Buddah Records)

givin it back the isley brothers

Por Fabian Chacur

Como reler músicas alheias e ser autoral ao mesmo tempo? Eis uma bela questão que só artistas com muito talento conseguem responder a contento. E é essa a marca registrada de Givin’ It Back (1971), álbum lançado pelo grupo americano The Isley Brothers há 50 anos no qual eles mergulham em canções de Neil Young, Jimi Hendrix, James Taylor, Stephen Stills, Bill Withers, Bob Dylan e do grupo War de forma tão sensível e original que parecem ter sido os seus compositores. Um marco em sua brilhante trajetória de mais de 60 anos.

Para situar melhor o leitor em relação à importância deste álbum na carreira do grupo, vale uma pequena viagem na trajetória deles até então. Em 17 de abril de 1956, os irmãos Ronald, Rudolph e O’Kelly Isley saíram de sua cidade natal, Cincinnati, Ohio (EUA) rumo a Nova York, com respectivamente 15, 17 e 18 anos de idade. A ideia era ampliar seus horizontes profissionais, eles que começaram cantando em igrejas acompanhados pela mãe Sally Bernice e ao lado do irmão Vernon, morto em um acidente de carro em 1954.

Após lançamentos de pouco impacto por selos sem expressão, eles conseguiram assinar com a RCA, e por lá lançaram em 1959 seu primeiro hit, Shout, composta por eles a partir de um impolgante improviso que faziam em seus shows na parte final de sua interpretação de Lonely Teardrops, hit na voz do cantor Jackie Wilson. O single, produzido por Hugo Peretti e Luigi Creatore (que trabalharam com Elvis Presley e The Stylistics, entre outros), atingiu a posição de número 47 na parada americana de single.

Logo a seguir, uma curta passagem pela Atlantic Records não lhes rendeu grandes frutos. Eles voltaram aos charts em 1962 ao gravar Twist And Shout, composição de Bert Berns que havia passado batida na gravação original dos Top Notes no ano anterior. Com os irmãos Isley e produzido por Berns para o selo Wand, essa canção atingiu o 17º posto na parada pop e os levou para os quatro cantos do mundo, ao ponto de ser regravada com muita energia pelos Beatles em seu álbum de estreia, Please Please Me (1963).

Em 1964, os Isley Brothers resolveram tentar a sorte por conta própria, lançando o selo T Neck, com distribuição a cargo da Atlantic. O single de estreia, Testify Pts. 1 & 2, teve a participação de um jovem guitarrista que integrava a banda de apoio deles, um certo Jimi Hendrix. A fraca repercussão os levou a novamente arriscar na própria Atlantic, mais uma vez sem sucesso. Até que conseguiram realizar um sonho.

Em 1965, a maior parte dos músicos negros almejava gravar na Motown Records, casa de astros como The Temptations, The Four Tops, The Supremes, The Miracles e tantos outros. No fim daquele ano, os irmãos de Ohio assinaram com aquela gravadora, e viram a sorte brilhar novamente para eles com o matador single This Old Heart Of Mine (Is Weak For You), do consagrado trio de compositores Holland-Dozier-Holland, que os levou ao 12º posto entre os mais vendidos nos EUA. Agora, vai, diriam você. Bem…

Mais uma vez, Ronald e seus manos tiveram de engolir uma grande decepção, pois a gravadora de Berry Gordy não os encarou como prioritários, e, mesmo gravando por lá até meados de 1968, não mais obteve êxitos. Ao sentir que o sonho estava virando pesadelo, o trio resolveu dar uma espécie de cartada final, e reativaram o selo T Neck, com o espírito “antes prioridade no selo próprio do que ser do segundo escalão em uma gravadora major”.

Aposta alta, retorno alto. Em 1969, It’s Your Thing, uma faixa efervescente com ecos do que viria a ser a funk music nos anos 1970, virou um verdadeiro rastilho de pólvora nas programações de rádios e em vendas, atingindo o 2º lugar na parada pop de singles ianque. Essa música traz um marco dos mais importantes: a eletrizante linha de baixo foi executada com maestria por um irmão mais novo, Ernie, de apenas 19 anos.

Ernie já era figurinha carimbada nos ensaios e gravações do grupo, conferindo e aprendendo os macetes, tal qual um verdadeiro estagiário. Ele até trocou figurinhas com Jimi Hendrix nos meses em que o genial músico esteve como músico de apoio da banda. Depois dessa estreia promissora, ele aos poucos foi marcando presença em gravações e shows como guitarrista (ele também toca, e bem, bateria), e abrindo espaços para outro irmão, o baixista Marvin, e um primo, o tecladista Chris Jasper, todos da mesma geração.

Isso foi mudando a estrutura dos Isley, que no início eram um grupo vocal que se valia de músicos de estúdio nas gravações e bandas de apoio que iam mudando de tempos em tempos, nos shows. Com os três garotos se mostrando aptos para novos voos, Ronald, Rudolph e O’Kelly foram abrindo espaços para eles. E o grande marco dessa alteração no coração da banda tem como marco fundamental exatamente o álbum Givin’ It Back.

O time escalado para atuar no álbum reunia os seis irmãos e o baterista e percussionista George Moreland, com participações em algumas faixas de Buck Clarke e Gary Jones (congas), John Mosley (flauta) e Chester Woodward (guitarra base). A produção foi assinada pelos irmãos mais velhos, com os arranjos musicais ficando a cargo do grupo como um todo em parceria com o produtor e multi-instrumentista George Patterson.

A grande sacada de Givin’It Back foi a escolha de repertório. Os Isleys sempre se dividiram entre canções autorais e releituras alheias. Aqui, no entanto, resolveram se concentrar apenas em composições de outros artistas, todas bem recentes (de 1969 a 1971), e de autores que ninguém associaria de imediato a eles, como James Taylor, Neil Young, Bob Dylan e Stephen Stills (duas). O velho amigo Jimi Hendrix, que havia morrido há pouco, o então emergente Bill Withers e o grupo Eric Burdon & War completaram a lista.

Embora grupos e artistas negros regravassem na época canções de compositores brancos, como Lennon & McCartney, por exemplo, uma seleção como essa feita pelos Isleys soou como absolutamente inovadora, pois trazia como objetivo não só quebrar barreiras raciais, como também apostar na integração entre as pessoas e abordar temas importantes. A intenção aqui não era só “regravar sucessos para também fazer sucesso e ganhar um bom dinheiro”, mas divulgar mensagens relevantes de uma forma criativa em termos artísticos.

Com performances brilhantes dos músicos, o disco ganha ares de conceitual em termos de refletir de forma inspirada a época em que foi feito, com a Guerra do Vietnã comendo solta, a violência dando as suas cartas, o sonho hippie de paz, amor e música e as incertezas do dia-a-dia. Essas característica ficarão mais claras em uma análise detalhada de cada uma das faixas de Givin’ It Back.

Givin’ It Back faixa a faixa

Ohio (Neil Young)/ Machine Gun (Jimi Hendrix)Ohio foi lançada pelo grupo Crosby, Stills, Nash & Young em 1970 em um compacto simples, enquanto Machine Gun saiu em 1970 no álbum Band Of Gypsys.

O álbum não poderia ser aberto de forma mais impactante do que com esse brilhante pot-pourry incluindo duas músicas que, sob ângulos diferentes, equivalem a polaroids da violência reinante naquele momento e que tinha os jovens como principais vítimas. A composição de Neil Young foi escrita, gravada e lançada a toque de caixa, dias após tropas governamentais matarem a sangue frio quatro estudantes em Ken State, Ohio (estado natal dos Isleys).

Por sua vez, a canção de Hendrix colocava a metralhadora como protagonista, a terrível arma que estava matando a rodo naquele momento os inexperientes soldados a troco de nada no distante Vietnã.

A forma como os Isleys uniram as duas músicas foi absolutamente genial, pois incorpora elementos musicais de ambas, incluindo a batida marcial que evoca o militarismo, e gera uma unidade avassaladora. Também interessante é a abordagem de Ronald para esse material. Enquanto Neil Young e Jimi Hendrix cantam com nítida raiva seus versos, o cantor do grupo americano investe na compaixão e na empatia. Toda vez que ele solta um “don’t shot!” (não atire em tradução livre) a gente sente na alma a dor desses mortos sem razão.

A curiosidade fica por conta de uma sutil alteração na letra de Ohio que não costuma ser muito comentada. Enquanto o autor vai de “Tin soldiers and Nixon’s comin'” (soldados de lata e Nixon estão chegando), Ronald canta “Tin soldiers, I hear them coming” (soldados de lata, eu os ouço chegando) e também “Tin soldiers with guns are coming” (soldados de lata com armas estão chegando).

Fica a pergunta no ar: teriam os Isley Brothers ficado com medo de confrontar diretamente Richard Nixon, o presidente americano naquele momento e ainda com bastante popularidade? Seja como for, temos aqui um belíssimo libelo contra a violência sem sentido, contra a violência das guerra, e também a favor da paz. Calma, violência!

Também vale destacar a sólida linha de baixo desenvolvida por Marvin, e a bela adaptação feita por Ernie do solo de Neil Young na gravação original do CSN&Y.

Fire And Rain (James Taylor)– Lançada pelo autor no LP Sweet Baby James (1970).

Uma das canções mais impactantes e pessoais da carreira de James Taylor, Fire And Rain fala sobre drogas e problemas mentais, e aqui aparece com um arranjo genial e swingado na melhor tradição das baladas soul-funk. Alguns trechos remetem à psicodelia da fase Norman Whitfield dos Temptations, bela sacada pela costumeira associação do som psicodélico com as drogas. A versão do autor é definitiva, mas esta aqui fica bem próxima. A performance de Chris Jasper nos teclados também merece destaque.

Lay Lady Lay (Bob Dylan)– Lançada pelo autor no álbum Nashville Syline (1969).

A canção romântica estradeira de Dylan ganha aqui contornos de latinidade, envolvendo o ouvinte de forma hipnótica em seus mais de dez minutos de duração, e com direito a vocalizações encantadoras. Sim, Ronald é o líder vocal, mas as intervenções dos irmãos Rudolph e O’Kelly são sempre certeiras. O momento mais slow jam do álbum, aquelas canções black que gostamos de ouvir com o nosso parceiro-parceira ao lado para curtir junto, seja como for.

Spill The Wine (War)– Lançada por Eric Burdon & War em seu álbum de estreia, Eric Burdon Declares War (1970).
O ex-cantor dos Animal (o britânico Eric Burdon), o dinamarquês Lee Oskar e seis geniais músicos negros norte-americanos criaram no final dos anos 1960 Eric Burdon & War, banda integrando raças sem medo de ser feliz e com muita criatividade musical. A versão dos Isley Brothers de seu maior hit é bem semelhante à gravação original, com direito a muita percussão, ritmo envolvente e “salerosidade” latina.

Nothing To Do But Today (Stephen Stills)– Lançada pelo autor no álbum Stephen Stills 2 (1971).
O segundo álbum-solo do integrante do Buffalo Springfield e do Crosby, Stills, Nash & Young havia saído há pouco, e a escolha de uma de suas faixas pelos Isleys demonstra sua ousadia e atenção ao que estava ocorrendo na cena musical naquele momento. Um rock com pegada percussiva cuja letra enfoca a natureza incerta da trajetória dos músicos, sempre enfatizando em seu refrão que “não temos nada para com que nos preocuparmos além do hoje”.

Cold Bologna (Bill Withers)– Canção até então inédita, que o autor só gravaria em 1973 no álbum duplo ao vivo Live At The Carnegie Hall, em pot-pourry com outra canção e o título Harlem/ Cold Baloney.
Bill Withers estava em vias de estourar com canções como Ain’t No Sunshine e Lean On Me, e viu essa sua composição inédita ser gravada pelos Isleys, com ele se incumbindo da guitarra-solo. Com uma levada balançada e percussiva, Cold Bologna traz o relato de uma criança cuja mãe trabalha na casa de uma família rica, mas que ao chegar em casa só tem a oferecer ao filho e família sanduíches frios de mortadela com maionese para o jantar. O filho, em sua ingenuidade, nem reclama, e até comenta que “se os patrões da minha mãe não comessem toda os bifes, ela certamente traria um pouco para nós”. Tocante, uma canção agridoce do mais alto gabarito.

Love The One You’re With (Stephen Stills)– Lançada pelo autor no seu álbum Stephen Stills (1970).
O maior hit do 1º disco-solo do integrante do CSN&Y mantém a sua levada latina-percussiva e a ênfase em um refrão contagiante. A letra é de um pragmatismo absoluto, tendo como mote “se você não está com quem você ama, ame a pessoa com quem você está”. Lançada em single, trouxe de novo os Isley Brothers às posições mais proeminentes dos charts, atingindo o 18º lugar na parada pop americana. Belo final para um álbum impecável.

Lançado em 25 de setembro de 1971 (data de meu aniversário de 10 anos, por sinal), Givin’ It Back atingiu a 71ª posição na parada pop e a de nº 13 na de r&b. A partir deste trabalho, o grupo passaria a mesclar composições próprias com releituras do pop rock daquele momento (Seals & Crofts, Todd Rundgren, The Doobie Brothers) sempre com os seis irmãos no time. Com a mudança da distribuição de seus discos passando da pequena Buddah para a major CBS em 1973, eles invadiriam de vez as paradas de sucesso e enfim viveriam seus anos de ouro em termos comerciais e também artísticos.

Ouça Givin’ It Back na íntegra em streaming:

Christopher Cross (1979), o álbum que marcou uma carreira

christopher cross cd 1979

Por Fabian Chacur

Christopher Cross completou 70 anos há alguns dias. Ele certamente celebrou a data com muita alegria, pois está conseguindo superar os duros efeitos da covid-19, que o levaram inclusive a ficar por algum tempo sem poder se locomover, com as pernas paralisadas. Como forma de homenagear esse grande cantor, compositor e músico americano, Mondo Pop mergulha na história de seu autointitulado álbum de estreia, trabalho que marcou sua trajetória e o eternizou na história do soft rock.

Nascido em San Antonio, Texas (EUA) em 3 de maio de 1951, Christopher Charles Geppert (seu nome de batismo) iniciou sua jornada na música como muitos outros, tocando em bandas covers e se apresentando em bares, festas e quetais. Com o tempo, foi desenvolvend em paralelo um trabalho autoral, e tinha como sonho conseguir um contrato com uma gravadora. Essa busca se intensificou a partir de 1975, inicialmente sem grande retorno.

Enquanto corria atrás de seu sonho, ele montou uma excelente banda de apoio, formada pelo amigo Rob Meurer (1950-2016) nos teclados, Andy Salmon no baixo e Tommy Taylor na bateria. Após muita batalha, ele enfim atraiu as atenções da Warner, com quem assinou em 1978. A coisa começou bem logo na escolha do produtor, o então ainda iniciante na função Michael Omartian, que no entanto já possuía um bom currículo como músico de estúdio.

Além de acrescentar seus préstimos profissionais tocando piano acústico e teclados no álbum, Omartian também foi importante na escolha de outros músicos e vocalistas de apoio que se mostrariam decisivos no sentido de dar ao trabalho uma embalagem absolutamente perfeita. Ele depois trabalharia com nomes do porte de Rod Stewart, Amy Grant, Donna Summer, Peter Cetera, Dolly Partonn e inúmeros outros.

As gravações ocorreram em meados de 1979. O lançamento do álbum, no entanto, foi adiado em alguns meses. A razão: os diretores da gravadora temiam que a sonoridade daquele disco, voltada para o soft rock-bittersweet rock, pudesse levá-lo a não receber a devida atenção por parte da mídia em função do crescimento do interesse em torno da new wave, encarada como a mais provável “bola da vez” naquele momento.

Assim, Christopher Cross (o LP), só chegou às lojas de discos no dia 20 de dezembro de 1979, começando a ser efetivamente trabalhado em termos promocionais a partir de janeiro de 1980. Ride Like The Wind, o primeiro single a ser extraído do álbum, atingiu o 2º lugar na parada da Billboard, provavelmente impulsionado pela presença nos vocais de Michael McDonald, então no auge da fama como integrante dos Doobie Brothers e celebrando o estouro de músicas como What a Fool Believes e Minute By Minute.

Logo a seguir, o single seguinte, a balada romântica Sailing deu a Cross o prazer de atingir o 1º posto no mercado americano. O álbum renderia ainda mais dois hits nesse formato em território americano: Never Be The Same (nº 15) e Say You’ll Be Mine (nº 20), e conquistou o 6º posto na parada de álbuns, contabilizando até hoje a marca de mais de 5 milhões de cópias vendidas nos EUA e pelo menos mais 3 milhões no resto do mundo.

No dia 25 de fevereiro de 1981, na 23ª edição do Grammy, o Oscar da música, Christopher Cross realizou uma façanha então inédita: faturou os quatro troféus considerados os mais importantes da premiação- Álbum do Ano, Single do Ano, Composição do Ano e Artista Revelação. De quebra, ainda levou Melhor Arranjo com Acompanhamento de Vocalistas. Três desses troféus foram partilhados com o produtor Michael Omartian (álbum, single e arranjo).

Vale lembrar que o feito de Cross só seria repetido por um outro artista na 62ª edição do Grammy, em 2020, quando a jovem cantora americana Billie Eilish, então com 19 anos, também saiu com esses quatro cobiçados troféus.

Como explicar tamanho sucesso? Podemos dizer que Christopher Cross foi um dos últimos artistas a estourar de forma efetiva antes da era da MTV e dos videoclipes. Gordinho e sem grande apelo físico, ele deve pura e simplesmente à qualidade da música que ofereceu ao público o seu estrelato. O disco, inclusive, nem traz a sua foto na capa, que é ilustrada pelo desenho de um flamingo, que virou uma espécie de logotipo dele

O álbum é tão bom que vale uma análise de cada uma de suas 9 faixas. Então, vamos a ela, lembrando que todas as composições são dele, sem parceiros.

Say You’ll Be Mine
O álbum começa com um rock com levada latina reforçada pela percussão afiada do grande músico de estúdio Lenny Castro. O espetacular, quase hard rock solo de guitarra é de Jay Graydon, conhecido por seus trabalhos com George Benson e David Foster. O show fica por conta dos vocais de apoio de Nicolette Larson (1952-1997), que interage de forma poderosa com Cross. Ela ficou conhecida graças ao single Lotta Love (1978), composição de Neil Young que ela levou ao 8º posto na parada da Billboard.

I Really Don’t Know Anymore
Esta deliciosa canção r&b foi seriamente cotada para se tornar o 2º single a ser extraído do LP, mas acabou sendo deixada de lado por uma razão empresarial: o manager de Michael McDonald não quis que mais uma faixa com a participação de seu artista fosse divulgada sem estar em um de seus próprios discos. Uma pena, pois ficou escondida no álbum e virou uma espécie de “hit que nunca se materializou”. Além da bela performance de McDonald, outro destaque fica por conta do solo do grande guitarrista de jazz Larry Carlton.

Spinning
Aqui, temos uma canção de tempero bossa com muita delicadeza e nítida influência de Burt Bacharach. Coincidência ou não, em 1981 Cross comporia com o lendário maestro, sua então esposa Carole Bayer Sager e Peter Allen (dos sucessos I Go To Rio e Paris At 21) o megahit Arthur’s Theme (Best That You Can Do), tema do filme Arthur O Milionário Sedutor (com Lisa Minelli e Dudley Moore) e que rendeu a Christopher mais um single nº1 nos EUA e, ainda melhor, um Oscar. Outro ponto alto desta gravação fica por conta dos vocais de Valerie Carter (1953-2017), de arrepiar. Ela gravou discos solo e também participou das bandas de James Taylor, Jackson Browne e Linda Ronstadt, ente outros trabalhos relevantes.

Never Be The Same
Pop rock romântico até a medula, esta gravação traz outro solo preciso de Jay Graydon e vocais de apoio por conta de Stormie Omartian (esposa do produtor do álbum), Myrna Matthews e Marty McCall. Vale lembrar que os teclados nesta e nas outras faixas se dividiram entre Michael Omartian (piano acústico e teclados) e Rob Meurer (sintetizadores e piano elétrico, incluindo efeitos de cordas). Outro destaque é o vibrafone, a cargo do músico inglês de jazz Victor Feldman (1934-1987), que gravou com Marvin Gaye, Olivia Newton-John e Miles Davis, entre muitos outros. Feldman também toca em outras faixas.

Poor Shirley
O lado 1 do vinil se encerra com uma canção introspectiva sobre o sofrimento de uma garota repleta de perdas e à espera de alguém que possa ajudá-la a superar suas dores. A influência aqui é dos Beach Boys em sua fase mais sofisticada a partir de Pet Sounds (1966), e não é de se estranhar que um dos integrantes dessa banda, Carl Wilson (1946-1998), tenha participado do 2º álbum de Cross, Another Page (1983). Curiosidade: os belos vocais de apoio foram todos gravados pelo próprio Christopher.

Ride Like The Wind
Este rockão com percussão latina (por conta de Lenny Castro) iniciou a divulgação deste álbum, e mostra o entrosamento perfeito das vozes de Cross e Michael McDonald, parceria que se repetiria em discos posteriores de Cross, mas sem esse mesmo impacto. O ótimo solo de guitarra ficou por conta do próprio artista, e é uma bela prova de seu talento como músico. A música foi dedicada a Lowell George (1945-1979), ex-The Mothers Of Invention e fundador da banda Little Feat. Em 1988, o grupo inglês de heavy metal Saxon a regravou com muita categoria.

The Light Is On
Um r&b com percussão latina e levada sensual que tem o luxo de trazer, nos vocais de apoio, Don Henley (dos Eagles) e J.D. Souther (artista solo e compositor de hits para inúmeros artistas, incluindo os Eagles). Larry Carlton também se incumbe do solo de guitarra aqui.

Sailing
O momento mais lírico do LP. Uma balada romântica, envolvente, inspirada na navegação como forma de buscar o prazer e a fuga dos problemas do dia a dia. O acompanhamento de guitarra, a cargo do próprio Cross, e as intervenções de piano acústico de Omartian e de sintetizadores de Meurer tornam a gravação simplesmente perfeita. O autor da canção também se incumbe sozinho dos backing vocals.

Ministrel Gigolo
Faixa mais longa do álbum, com 6 minutos de duração, Ministrel Gigolo apresenta uma letra bem-humorada sobre um cantor e compositor cujo grande objetivo é encantar, cativar e porque não, seduzir suas fãs. Em termos sonoros, traz similaridades com os momentos mais introspectivos de Elton John em seus anos iniciais, especialmente da faixa Madman Across The Water.
obs.: a edição japonesa em CD deste álbum traz uma faixa adicional, Mary Ann, que participou em 1980 do Yamaha World Music Festival, no Japão.

A carreira após esse estouro monumental

A fase positiva de Christopher Cross se manteve até 1984. Nesse período pós-lançamento de seu disco de estreia, ele ganhou um Oscar em março de 1982 com Arthur’s Theme (Best That You Can Do). Em 31 de janeiro de 1983, seu 2º álbum, Another Page, chegou às lojas. Se não vendeu tanto, ao menos atingiu uma posição respeitável na parada americana, o 11º lugar, e emplacou dois singles de sucesso, Think Of Laura (nº9), que foi utilizada na popular série de TV General Hospital e All Right (12º lugar), esta última bem tocada nas rádios brasileiras.

Every Turn Of The World (1985), o trabalho seguinte, foi um tremendo fiasco, não passando da posição de número 127 dos EUA, e marcou o fim dos anos de ouro do artista, que desde então lançou discos que passaram longe das paradas de sucesso, embora incluíssem algumas músicas legais, e se manteve fazendo shows pelos quatro cantos do mundo, Brasil incluso.

Ouça Christopher Cross (1979) em streaming:

Mud Slide Slim And The Blue Horizon (Warner-1970), álbum que consagrou James Taylor

james taylor mud slide slim capa

Por Fabian Chacur

Em 1º de março de 1971, a revista americana Time, uma das mais importantes e influentes do mundo, estampou em sua capa um músico, algo não muito comum. O personagem em questão era James Taylor, que com seu álbum Sweet Baby James (1970, leia sobre o mesmo aqui) tornou-se o nome de ponta de um novo estilo musical rotulado por alguns como bittersweet rock (rock agridoce). O título dava bem o tom de como o cantor, compositor e musico era encarado naquele momento: “The Face Of New Rock”.

Logo a seguir, no dia 16 do mesmo mês, Taylor concorreu pela primeira vez ao Grammy, o Oscar da música, e logo em duas categorias, Record Of The Year e Album Of The Year, respectivamente com Fire And Rain e Sweet Baby James, perdendo em ambas para Simon & Garfunkel e seu Bridge Over Trouble Water (single e álbum). Como a dupla havia se separado há pouco, era como se fosse um prêmio de despedida para eles, pois no ano seguinte, seria a vez do perdedor dessa ocasião levar os louros.

Era em torno de uma grande expectativa, portanto, que o mundo musical aguardava pelo 3º álbum de James Taylor. Conseguiria ele confirmar toda essa badalação em torno de suas belas canções de tom melancólico, confessional e ao mesmo tempo encantadoras? Ou estaríamos mais uma vez diante de um artista com pouco fôlego para dar sequência a um sucesso tão contundente nos EUA e no resto do mundo?

A resposta começou a ser dada em abril, quando chegou às lojas Mud Slide Slim And The Blue Horizon. Trata-se de um trabalho que percorre basicamente os mesmos caminhos musicais do anterior, mas investindo em sutilezas, consolidação das sonoridades e uma inspiração no mesmo alto padrão de Sweet Baby James. Há fatores que auxiliaram nesse amadurecimento musical, nessa verdadeira lapidação do diamante que Taylor aparentava ser desde suas primeiras gravações, em 1966-67.

Tudo começa com o elenco de músicos escalados para este disco. Além do velho amigo Danny Kortchmar na guitarra e do extremamente consistente Russel Kunkel na bateria, e também da amiga Carole King no piano e vocais, foi acrescido ao time o baixista Lelank Sklar, que com suas linhas de baixo flutuantes e elegantes deu ao time a peça que lhe faltava. O entrosamento deles deu à voz deliciosa, às composições impecáveis e ao violão dedilhado de forma marcante de Taylor um acompanhamento simplesmente perfeito, sem excessos ou buracos.

Com essa roupagem, as 13 canções incluídas no álbum foram apresentadas ao público da maneira mais atrativa possível. E os fãs que compraram o trabalho anterior passaram imediatamente a consumir com avidez este novo, especialmente impulsionados por um single que é curiosamente uma das únicas duas faixas a não levar a assinatura de Taylor, You’ve Got a Friend, uma das obras-primas dessa incrível e icônica Carole King.

Atraído por essa música logo na primeira vez que a ouviu, ele pediu autorização à amiga para gravá-la também, já que Carole também a havia separado para seu próximo trabalho. Generosa, a moça não criou obstáculos, e obviamente se deu bem, pois deve ganhar uma boa grana até hoje com os direitos autorais provenientes da versão de Taylor. Uma curiosidade: ele toca na gravação dela, mas ela não participa da dele, que não inclui teclados.

Essa bela ode à amizade é um oásis de positividade em um universo de canções que evocam amores não concretizados, paixões sendo encerradas com dor e a constatação de que o mundo do sucesso não é esse doce todo que muitos pensam ser. As melodias encantadores mascaram versos que, por vezes, invocam ironia, amargura e uma nostalgia curiosa para alguém que completou apenas 23 anos no dia 12 de março daquele 1971.

O álbum abre com a incisiva Love Has Brought Me Around, na qual o autor dá a entender que não aguenta mais a pessoa com quem está tendo um relacionamento afetivo e resolve que chegou a hora de o amor o levar para algum outro lugar. Há uma curiosidade em torno dessa canção, pois ela parece uma mensagem quase direta à cantora canadense Joni Mitchell, com quem ele tinha tido um tórrido caso de amor que à época do lançamento deste LP já havia se desfeito, e de forma desagradável, gerando uma inimizade que durou uma década, até que os dois voltassem a ser amigos.

Ele, inclusive, refere-se à personagem da canção como “Miss November”, e Mitchell nasceu nesse mês, no dia 7. No entanto, ela participa desta faixa, fazendo vocais de apoio. Será que Taylor seria indelicado a ponto de convidar a musa dessa verdadeira canção de “passa, moleca!” para marcar presença na mesma? Fica o ponto de interrogação. Outro destaque fica por conta da participação do Memphis Horns, uma das mais quentes sessões de metais de todos os tempos, capitaneada por Wayne Jackson e Andrew Love.

You’ve Got a Friend, também com Mitchell nos vocais de apoio, vem a seguir para amainar um pouco o clima, com seu arranjo acústico calcado em violões (Taylor e Kortchmar), percussão e baixo. Uma delícia sonora!

Com Taylor curiosamente no piano, Places In My Past relembra de forma evocativa antigas paixões que, se não geraram uma esposa (como ele mesmo diz na letra), deixaram marcas que às vezes até geram lágrimas pelas saudades geradas pelos dias preguiçosos com aquelas belas garotas, naqueles “lugares do meu passado”.

Riding On A Railroad é a primeira profissão de fé deste álbum na missão estradeira de um cantor e compositor, levando as canções de cidade a cidade, dia após dia. O clima é de puro country, com destaque para o acompanhamento de fiddle (rabeca) de Richard Greene.

Soldiers registra momentos que Taylor presenciou quando era criança-adolescente, vendo o retorno de soldados (da Guerra da Coreia ou do Vietnã), vários deles feridos, comentando que de um destacamento de 20, por volta de 11 não retornaram, “com 11 tristes histórias a serem contadas”.

Mud Slide Slim (a música tem nome reduzido em relação ao título do álbum) soa como uma curiosa visão do mundo, que ele encara como se fosse uma espécie de cowboy, um “Magrelo Enlameado e Escorregadio”, tendo como pano de fundo uma sonoridade com dna latino e dando mais espaços para os músicos mostrarem suas habilidades, sem no entanto cair em improvisações excessivas ou coisa que o valha. A curiosidade fica por conta dos vocais de apoio de sua irmã Kate, que lançaria depois um álbum produzido por ele.

Hey Mister That’s Me Up On The Jukebox, uma vigorosa balada rock, reveste-se de fina ironia e equivale ao uso de metalinguagem, pois fala do próprio ato de cantar para ganhar a vida. “Ei, senhor, sou eu quem você ouve cantando lá naquela jukebox, sou eu quem está cantando essa canção triste, vou chorar toda vez que você colocar outra moeda na máquina”. Fire And Rain?

Valendo-se só de sua voz e violão, Taylor nos oferece uma bela canção de despedida, You Can Close Your Eyes, na qual ele afirma que “não conheço mais canções de amor, e não posso mais cantar blues, mas posso cantar esta canção, e você pode cantar essa canção quando eu for”. Um belo ode a um momento que ficará na memória, um tempo que não será tirado do casal, e durará para sempre na memória. Poesia pura!

Machine Gun Kelly, a outra canção do disco não escrita por Taylor (é de Danny Kortchmar), é um country rock vigoroso (dentro do contexto dele, obviamente) que novamente flerta com o espírito do velho oeste, seus bandoleiros e seus tristes destinos. Aqui, temos vocais de apoio do grande Peter Asher, produtor do álbum e figura decisiva na carreira de James Taylor, sem o qual provavelmente não teríamos o sucesso de nosso trovador pop.

Long Ago And Far Away é outra daquelas canções que casais brasileiros seriam tentados a dançar juntos, coladinhos, tal a beleza de sua melodia. Se soubessem o conteúdo de sua letra, no entanto, talvez pensassem melhor. Outra música de despedida, com versos cortantes como “porque seus arco-íris dourados acabam, porque essa canção que eu canto é tão triste?” E, ironia suprema, adivinhe quem faz vocais de apoio (belíssimos, por sinal) nesta maravilha? Ela, Joni Mitchell.

O momento soul-blues do álbum fica por conta de Let Me Ride, que traz ecos de canções do disco de estreia de Taylor, com direito a vocais de apoio de Kate Taylor e os matadores Memphis Horns. Mais uma profissão de fé na estrada como a grande necessidade dele. E logo a seguir vem outra canção com esta temática, Highway Song, com Kate e Peter Asher nos vocais. Mas as contradições ditam seus versos.

Se por um lado James se diz fascinado e de certa forma hipnotizado pela estrada, ao mesmo tempo deixa no ar uma vontade de que “um dia essa canção da estrada perca o encanto para mim”. E o álbum fecha com a curta, quase vinheta, Isn’t It Nice To Be Home Again, na qual não fica claro se o lar a que ele se refere é de fato um lar ou apenas mais um quarto de hotel da vida. Um fim aberto, como só poderia ser para alguém com tantas dúvidas e carências naquela época como esse genial James Taylor.

Com o apoio dos shows e também das execuções das músicas em rádios e TVs, o single You’ve Got a Friend atingiu o 1º lugar na parada americana, enquanto Mud Slide Slim And The Blue Horizonchegou ao 2º lugar. E aí entrar uma grande ironia: o LP não conseguiu atingir o topo por causa do estouro do álbum lançado na mesma época pela “sua” pianista. Tapestry, de Carole King, esteve durante 15 longas semanas no 1º lugar nos EUA, enquanto seu single It’s Too LateI Feel The Earth Move liderou entre os singles por 5 semanas.

Na edição do Grammy referente a 1971 cujos prêmios foram entregues em março de 1972, Taylor venceu na categoria melhor performance pop vocal com You’ve Got a Friend, enquanto Carole King faturou outros quatro. Curiosidade: a eleita como artista revelação foi Carly Simon, que há alguns meses havia iniciado uma relação afetiva com James Taylor. Eles se casaram naquele mesmo ano, tiveram dois filhos e se separaram em 1983.

Duas curiosidades finais: o elo entre James Taylor e Carole King foi Danny Kortchmar, que após ter integrado o primeiro grupo de James Taylor, o Flying Machine, criou com a cantora e compositora a banda The City, que também contava com o baixista Charles Larkey, então marido dela. Eles lançaram um álbum em 1968, o ótimo Now That Everything’s Been Said, com pouca repercussão, e em seguida Carole resolveu seguir carreira-solo, mas com os dois a acompanhando.

E, não, James e Carole nunca foram namorados. Eles desde sempre foram grande amigos, sendo que, nessa época decisiva de sua vida, King foi uma espécie de confidente dele, ajudando-o a superar suas dificuldades emocionais. E, não também, You’ve Got a Friend não foi composta para ele.

Na entrevista coletiva concedida por Carole King em 1990 em São Paulo quando esteve por aqui para fazer shows, um reporter desinformado perguntou a ela sobre seu “casamento” com James Taylor, e ela, bem-humorada, disse que “Carly Simon chegou primeiro”.

Ouça Mud Slide Slim And The Blue Horizon em streaming:

If I Could Only Remember My Name…- David Crosby (1971)

david crosby capa cd 1971 400x

Por Fabian Chacur

Quando o álbum If I Could Only Remember My Name… chegou às lojas de discos, mais precisamente no dia 22 de fevereiro de 1971, David Crosby já era um nome consagrado no cenário do rock. Primeiro, integrando de 1965 a 1968 os Byrds, banda que não só consolidou o folk rock como foi muito além, psicodelia e country rock afora. Em seguida, fazendo parte do supergrupo Crosby, Stills & Nash, que ganharia um Young adicional pouco após lançar o seu disco de estreia, em 1969.

A semente deste trabalho surgiu em julho de 1970, após o fim da turnê que o Crosby, Stills, Nash & Young realizou para divulgar seu álbum Déja Vú. O clima beligerante entre ele, Stephen Stills, Graham Nash e Neil Young colocou a banda no freezer por tempo indeterminado, com cada um deles tentando capitalizar para si próprios o imenso sucesso que a banda havia feito naqueles poucos, porém intensos e produtivos meses de existência.

Se o sucesso de sua banda certamente alimentava seu ego e sua alma, Crosby também administrava a imensa tristeza de ter perdido, no dia 30 de setembro de 1969, sua namorada, Christine Gail Hinton (1948-1969), em um fatal acidente automobilístico. Essa dor o levou a intensificar seu contato com o mar, a ponto de morar em seu barco, ancorado no porto de Sausalito, em Marin County.

Uma forma informal de definir o DNA do primeiro álbum individual do cantor, compositor e músico norte-americano nascido em 14 de agosto de 1941 é “solo, porém bem acompanhado”. E a explicação para tal definição vem do local onde o trabalho foi gravado e o clima reinante por aquelas plagas. Estamos falando do Wally Heider Studios, situado em San Francisco, Califórnia, um dos grandes polos do rock americano naquele período.

Com três salas de gravação disponíveis, o local era frequentado pelos mais badalados roqueiros da época. Naquele mesmo período, além do disco de Crosby, estavam sendo registrados outros dois trabalhos, o 1º disco solo de Paul Kantner, do Jefferson Airplane (Blows Against The Empire-1970), e um LP da genial banda psicodélica Grateful Dead (American Beauty-1970).

A informalidade e o bom relacionamento entre os músicos geravam colaborações espontâneas. Quando uma das sessões de gravação era interrompida para algum procedimento técnico, por exemplo, os músicos envolvidos nela de repente se viam no estúdio ao lado, e sem que nada fosse previamente combinado, surgia uma vocalização ali, uma slide guitar acolá, e, pronto, uma faixa clássica tomava forma de um jeito imprevisível.

Stephen Barncard, que se incumbiu da gravação e da mixagem de If I Could Only Remember My Name…, conta que vinha para cada dia de trabalho preparado para tudo o que pudesse rolar, pois os formatos variavam desde Crosby sozinho até um time com dez craques do rock ali, do nada, lado a lado. O legal é que, mesmo com esse clima de improviso constante, o resultado final conseguiu concisão suficiente para gerar um resultado antológico.

O braço direito de Crosby acabou sendo Jerry Garcia, o líder do Grateful Dead, que deu a várias faixas do LP um tempero todo especial com sua guitarra e especialmente com sua slide guitar. Além de integrantes do Dead, do Airplane, do Santana e do Quicksilver Messenger Service, o disco também trouxe os parceiros Graham Nash e Neil Young. Apenas Stephen Stills não marcou presença, dos craques do CSN&Y.

O repertório, selecionado entre canções compostas de 1968 a 1970, vai do clima hard rock da potente Cowboy Movie e da ardida What Are Their Names até a espiritualidade envolvente de Song With No Words (Tree With No Leaves). O álbum conseguiu bom resultado comercial, atingindo o posto de nº 12 na parada americana e vendendo mais de 500 mil cópias por lá, e a mesma posição na parada britânica.

As canções são tão boas que merecem serem detalhadas uma a uma, incluindo a escalação de músicos e cada uma delas, algo que você não encontra nos créditos do álbum, por sinal. Essas informações foram garimpadas de várias fontes, entre as quais os livretos das caixas Voyage– David Crosby (2006) e CSN– Crosby Stills & Nash (1991) e do livro Crosby Stills & Nash- The Biography (2000- Dave Zinner e Henry Diltz).

Music Is Love (David Crosby)- Vocais: David Crosby, Graham Nash e Neil Young. Violões: David Crosby e Neil Young. Congas: Graham Nash.
Esta foi a única faixa do disco gravada no A&M Studios em Los Angeles, California, e também a única produzida por Nash e Young. A gravação foi feita de improviso, e Crosby não pensava em incluí-la no disco, mas seus amigos gostaram tanto do resultado que levaram a fita, acrescentaram outros elementos e a devolveram a Crosby, que, ao conferir o resultado, viu que não poderia deixá-la de fora. O clima é de mantra, envolvendo o ouvinte logo nos primeiros acordes. Um belo pontapé inicial para o LP.

Cowboy Movie (David Crosby)-David Crosby (vocal, guitarra e palmas)- Jerry Garcia (guitarra)- Neil Young (guitarra), Phil Lesh (baixo)- Mickey Hart (bateria, percussão, palmas).
Neste rockão, belo sucessor de Almost Cut My Hair (do álbum Dèja Vú), Crosby conta de forma bem humorada, como se fosse o enredo de um faroeste, a história da separação do CSN&Y. Cada integrante mereceu um codinome. Crosby é o Old Weird Harold, Neil Young, o Young Billy, Stephen Stills, o Eli, Graham Nash, The Dynamiter, e a cantora Rita Coolidge, que gerou uma briga amorosa entre Stills e Nash (ganha por este último) é a Indian Girl. O clima de bangue-bangue também remete à capa de Dèja Vú, na qual os integrantes do CSN&Y aparecem trajados com roupas daquela época. O vocal vibrante de Crosby e o duelo de guitarras entre Young e Garcia são marcantes.

Tamalpais Hight (At About 3) (David Crosby)- David Crosby (guitarra, vocal)- Jerry Garcia (guitarra)- Jorma Kaukonen (guitarra)- Phil Lesh (baixo)- Bill Kreutzmann (bateria).
Sem letra, esta faixa se vale das envolventes vocalizações de Crosby para te levar a um clima contemplativo. A guitarra de timbre e inspiração jazzística é de Kaukonen, do Jefferson Airplane, em uma combinação de músicos que poderíamos apelidar de Jefferson Dead ou Grateful Airplane.

Laughing (David Crosby)- David Crosby (vocal, violão 12 cordas e guitarra)- Jerry Garcia (guitarra e pedal steel)- Phil Lesh (baixo)- Bill Kreutzmann (bateria)- Joni Mitchell (vocais).
Foi Crosby quem apresentou George Harrison ao trabalho de Ravi Shankar, e por tabela, à cultura oriental. Ele de certa forma se preocupava com a obcessão do amigo em descobrir a “verdade sobre a vida”, o que levou o músico britânico a se envolver com o célebre Maharishi. Daí surgiu a inspiração para a letra desta belíssima balada swingada, na qual podemos ouvir uma das grandes performances de steel guitar da história, pilotada pelo saudoso Jerry Garcia. Nos versos, Crosby diz ao amigo que, na verdade, a resposta que ele tanto procurava podia estar no sorriso inocente de uma criança tomando sol.

What Are Their Names (David Crosby-Neil Young-Jerry Garcia-Phil Lesh-Michael Shrieve)- David Crosby (violão e guitarra, vocais)- Jerry Garcia (guitarra)- Neil Young (guitarra)- Michael Shrieve (bateria)- David Frieberg, Jerry Garcia, Paul Kantner, Phil Lesh, Joni Mitchell, Graham Nash, Grace Slick (vocais).
Uma espécie de “quem é quem” no universo do rock americano de então, especialmente o de San Francisco. Balada climática, ardida, com letra cutucando a hipocrisia dos políticos, sempre tentando ocultar seus nomes na execução de fatos escusos e com objetivos corruptos e asquerosos.

Traction In The Rain (David Crosby)- David Crosby (vocal e violão)- Laura Allen (autoharp). Graham Nash (violão e vocais).
Canção acústica e doce, nas quais os acordes jazzísticos típicos da obra de Crosby prevalecem de forma cristalina, além da sutileza das intervenções de Laura Allen. Encantadora é pouco!

Song With No Words (Tree With No Leaves) (David Crosby)- David Crosby (guitarra, violão de 12 cordas e vocal)- Jerry Garcia (guitarra)- Jorma Kaukonen (guitarra)- Gregg Rolie (piano)- Jack Casady (baixo)- Michael Shrieve (bateria).
Em uma combinação que poderia ser apelidada de Jefferson Santana por mesclar músicos de duas bandas seminais do rock americano, Crosby nos encanta com outra faixa sem palavras, na qual a melodia melancólica e introspectiva é ressaltada por vocalizações simplesmente arrepiantes por parte do dono da festa.

Orleans (tradicional, adaptação David Crosby)- David Crosby (violões e vocais).
Doce canção folclórica bem adaptada pelo ex-integrante dos Byrds, na qual ele mais uma vez mostra sua incrível capacidade de fazer arranjos vocais com assinatura própria.

I’d Swear There Was Somebody Here (David Crosby)- David Crosby (vocais).
O título que esta peça com seis partes vocais, todas executadas pelo próprio artista, acabou ganhando (eu juro que tinha alguém aqui, em tradução livre) tem a ver com a impressão que Crosby afirma ter tido na hora em que a gravação estava sendo feita de que o espírito da amada Christine estava no estúdio. O resultado final reflete essa descrição, arrancando arrepios do ouvinte.

Obs.: em 2006, uma edição especial deste álbum trouxe uma faixa-bônus inédita, feita durante as gravações do álbum.
Kids And Dogs (David Crosby)- David Crosby (violão e voz)
Outro desses momentos maravilhosos de que Crosby é capaz se valendo apenas de violão e vocais.

A capa do álbum é uma foto de Robert Hammer registrando um frame de um filme de 16 mm que mescla de forma mágica o rosto de David Crosby e um pôr do sol em pleno mar, captando de forma lírica o espírito de navegador do roqueiro americano. Vale lembrar que David é filho de um cineasta premiado, Floyd Crosby, que ganhou o Oscar de melhor direção de fotografia em 1931 pelo filme Tabu: A History Of The South Seas.

Ouça If I Could Only Remember My Name em streaming:

Three For Love (1980), o álbum que consolidou o trio Shalamar

shalamar three for love-400x

Por Fabian Chacur

Tudo que começa mal, termina mal, afirma uma das inúmeras frases feitas pertencentes ao léxico popular. Nem sempre, no entanto. A história do Shalamar serve como um belo exemplo. O grupo americano que, na verdade, começou como uma mera armação de estúdio destinada a faturar uns trocados, acabou se tornando uma das forças do r&b e da disco music em seus anos de ouro, entre 1977 e 1983. E o álbum que consolidou sua trajetória, Three For Love, completa 40 anos de seu lançamento pela Solar Records nos EUA neste 15 de dezembro de 2020.

Antes de nos concentrarmos nesse icônico trabalho, vamos dar uma geral na trajetória do grupo. Tudo começou quando o produtor e promotor artístico Dick Griffey (1938-2010) resolveu criar, em parceria com o apresentador de TV e criador do seminal programa televisivo americano Soul Train, Don Cornelius (1936-2012), uma gravadora dedicada à música negra, a Soul Train Records. A ideia era apostar no r&b, mais especificamente naquele mais próximo da disco music, então o estilo musical mais popular.

Em 1977, como forma de entrar com força nesse mercado e explorar um veio bem seguido naqueles anos, Griffey arregimentou cantores e músicos de estúdio e gravou um pot-pourry com trechos de vários hits da Motown Records (como Going To a Go-Go e I Can’t Help Myself) e intitulado Uptown Festival. O single, creditado ainda de forma impessoal ao Shalamar, atingiu o 25º posto na parada pop e o 10º na de r&b.

Ficou claro para Griffey que poderia ser interessante criar um grupo de verdade para não só divulgar aquele single em rádios e TVs como também fazer shows e gravar um álbum completo. Dos cantores que participaram de Uptown Festival, Gary Mumford foi considerado o mais adequado a entrar no projeto. Completaram o time dois dançarinos estilosos do cast do Soul Train.

Jody Watley, nascida em 30 de janeiro de 1959, subiu ao palco pela primeira vez na vida aos oito anos de idade, em um show de seu padrinho, ninguém menos do que o lendário soul man Jackie Wilson (1934-1984). Ao participar do Soul Train, logo se tornou um dos destaques do elenco de dançarinos daquela atração televisiva, por dançar bem, ter um belíssimo visual e estilo próprio. De quebra, tinha um belo parceiro de dança.

Jeffrey Daniel, esse “parça”, nasceu em 24 de agosto de 1955, e era estilosíssimo, além de criativo. Reza a lenda que foi ele quem inventou os passos que, depois, se tornaram mundialmente conhecidos através de Michael Jackson, o célebre moonwalk. Quando surgiram as vagas para o Shalamar, e ao ficar claro que eles também cantavam, e bem, Dick Griffey os escalou para gravar o 1º LP.

Intitulado Uptown Festival, o LP saiu em 1977 e teve boa vendagem. Só que surgiu um problema pouco depois de seu lançamento: Don Cornelius quis encerrar as atividades da Soul Train Records, para se dedicar exclusivamente ao programa de TV. Inconformado, Dick Griffey comprou a parte do ex-sócio e mudou o nome da empresa, que passou a se chamar Solar (sigla criada a partir do nome Sound Of Los Angeles, sua solar cidade-sede).

A nova fase da gravadora estreou com o segundo álbum do Shalamar, Disco Gardens (1978), que trouxe o jovem veterano Gerald Brown na vaga de Gary Mumford. Este trabalho marcou o início da parceria do grupo com o produtor, baixista e compositor Leon Sylvers III, integrante do The Sylvers que naquele momento resolveu se concentrar na área da produção e sair daquela bem-sucedida banda de r&b pop.

A parceria rendeu um hit logo de cara, a deliciosa Take That To The Bank (Leon Sylvers III- Kevin Spencer), uma espécie de aperitivo do que viria a seguir. Pouco depois do lançamento do álbum, mais uma alteração no grupo: Gerald Brown saiu de forma intempestiva durante a turnê de divulgação do álbum. Para preencher a vaga, Watley e Daniel se lembraram de um cara talentoso que encontraram em um de seus shows, em Akron, Ohio.

A peça final no quebra-cabeças intitulado Shalamar atende pelo nome de Howard Hewett, nascido em 1º de setembro de 1955 e cujas marcas registradas eram o carisma, a ótima voz, a desenvoltura como dançarino e o mais do que instantâneo entrosamento com seus novos colegas de banda.

O “grupo-armação” ganha identidade própria

O terceiro álbum do trio, Big Fun (1979), trouxe, além da excelente estreia de Hewett no time, a adição de uma série de músicos arregimentados por Leon Sylvers III, que além de forte consistência e identidade sonora, trariam também ótimas composições. A primeira delas foi o primeiro grande hit do Shalamar, Second Time Around, assinada por Sylvers com um desses músicos.

Trata-se do tecladista William Shelby, irmão do cantor Thomas Shelby, do ótimo grupo de r&b Lakeside (conhecido pelo hit massivo na praia da black music Fantastic Voyage, de 1980). Ele, Kevin Spencer (teclados), Richard Randolph (guitarra) e Nidra Beard (cantora, compositora e mulher de Sylvers) também integravam outra banda bem bacana da Solar Records produzida por Sylvers, a Dynasty.

Second Time Around atingiu o 8º posto na parada pop e o topo da parada de r&b americanas, além de ter integrado a trilha da novela global Água Viva em 1980. O álbum, nº 23 na parada pop e nº 4 na de r&b, trouxe outro hit deliciosamente dançante, I Owe You One (Joey Gallo- Leon Sylver III), e criava uma grande expectativa em torno do que viria a seguir. E isso se confirmou com o antológico Three For Love.

Leon Sylvers II pôe seus craques em campo

Para as gravações de Three For Love, Leon Sylvers III arregimentou um timaço. Além dele próprio e do irmão Foster no baixo, temos (entre outros) Kevin Spencer, William Shelby, Ricky Smith e Joey Gallo nos teclados, Wardell Potts Jr. na bateria, Ernest Pepper Reed, Richard Randolph, Stephen Shockley e Ricky Silver na guitarra, boa parte deles do projeto Dynasty.

Como vários desses músicos também eram parceiros nas composições, certamente deram aquele algo a mais para que as suas músicas ficassem com a melhor roupagem e pudessem lhes render um bom dinheiro. Inteligente, Leon soube explorar a versatilidade e o talento de cada um deles.

Ao contrário de outros grupos similares a este, o Shalamar tinha também a participação de seus integrantes como coautores de algumas músicas. Mais: eles também ajudavam nos arranjos vocais, em parceria com William Shelby e Sylvers. E os ótimos arranjos de cordas e metais ficaram a cargo de Gene Dozier, John Stevens e Ben Wright.

E já que falamos nos vocais, vale lembrar que aqui também temos muita qualidade e eficiência. Howard Hewett é o mais destacado no time, mas Jody Watley não ficava muito atrás, com os dois se alternando nos vocais principais e Jeffrey Daniel na maior parte do tempo participando das harmonizações vocais e bolando as coreografias.

Sucesso, mesmo em plena crise da disco music

Se em termos artísticos Three For Love tinha tudo para ser o discaço que acabou sendo, em termos comerciais sofreu um pouco com o contexto da época em que foi lançado. Mesmo tendo ultrapassado um milhão de cópias vendidas e valido ao grupo o seu primeiro disco de platina nos EUA, o álbum atingiu apenas a posição de nº 40 na parada pop, e a 8º na de r&b, com seus ótimos singles atingindo posições bem inferiores a Second Time Around.

E qual era o problema? Simples. No segundo semestre de 1979, teve início nos EUA um odioso movimento de cunho racista e homofóbico intitulado Disco Sucks (disco music “fede”, em tradução livre), liderado por verdadeiros fundamentalistas brancos que não admitiam que a disco tivesse tanta repercussão. Eles chegaram a fazer cerimônias públicas de destruição de LPs e singles de disco music. O horror, o horror!

Essa pressão gerou um clima de medo em importantes setores da mídia, e graças a isso, em 1980 artistas mais fortemente rotulados como de disco music, como Bee Gees, Chic, Village People e muitos outros, viram da noite para o dia seus trabalhos saírem das programações de rádios e TVs e terem muito menos divulgação do que antes.

Embora certamente tenha sido prejudicado por isso, o Shalamar nunca deixou de lado suas raízes no r&b em seus trabalhos, e dessa forma mantinha um público fiel e grande nessa praia musical, o que lhes valeu naquele momento um resultado comercial muito melhor do que outros colegas.

Na época, a posição dos singles nos EUA era tirada a partir de uma média entre vendagens e execução em rádios. Como a disco music teve uma queda grande nas execuções em rádios mais populares, isso explica porque single matadores como Make That Move (nº 60 pop, nº6 no r&b), Full Of Fire (nº 55 pop, nº24 r&b) e This Is For The Lover In You (não entrou na parada pop, nº17 r&b) tiveram um desempenho tão fraco na parada pop.

Three For Love, faixa a faixa

FULL OF FIRE (Jody Watley-Joey Gallo- Richard Randolph)
O primeiro hit single do álbum traz como marcas uma guitarra bem roqueira, um arranjo vocal repleto de nuances, com Jody comandando as ações, um refrão impactante e uma mistura muito bem dosada de r&b e disco. Bela abertura de álbum, dando a medida do que viria a seguir, em termos de qualidade musical. A letra, escrita pela menina do trio, aposta ousadamente, mas de forma polida até, no lado sensual e sexual do amor.

ATTENTION TO MY BABY (William Shelby-Kevin Spencer-Wardelll Potts Jr.)
Mantendo o clima dançante, esta canção traz Hewett no vocal principal, dialogando bem com os backing vocals e as passagens de cordas.

SOMEWHERE THERE’S A LOVE (William Shelby-Ernest Pepper Reed-Otis Stokes)
Chegou a hora de uma slow jam, termo usado para definir canções lentas e sensuais no universo da black music. Aqui, Hewett e Jody se revezam no vocal principal, em uma balada doce, romântica até a medula, com letra idealista e esperançosa (“em algum lugar, existe um amor só pra mim). Fofa até a medula!

SOMETHINGS NEVER CHANGE (William Shelby- Dana Meyers)
O lado A do vinil se encerra com uma canção balançada, com belos riffs de sintetizador e um groove delicioso, com aquelas vocalizações cheias de sutilezas típicas do Shalamar.

MAKE THAT MOVE (Kevin Spencer- William Shelby- Ricky Smith)
Entre as oito faixas de Three For Love, é a mais escancaradamente disco, e provavelmente uma das melhores gravações do trio americano. Timbres instrumentais, variações vocais, elaboração melódica, arranjo de cordas, tudo esta perfeito por aqui, além de uma letra otimista, pra cima e contagiante. Clássico das pistas!

THIS IS FOR THE LOVER IN YOU (Howard Hewett- Dana Meyers)
Depois de um verdadeiro petardo dançante, temos aqui o momento mais soul music do álbum, uma balada arrebatadora na qual Howard Hewett dá um verdadeiro banho de interpretação, apoiado por vocalizações no mínimo arrepiantes. Certamente a melhor balada da carreira do grupo. Em 1996, o cantor, compositor, músico e produtor Babyface, que teve uma passagem pela Solar Records no início de sua premiada carreira, regravou esta belezura para seu álbum The Day, com participações especiais de LL Cool J e também de Jody, Hewett e Daniel, a primeira reunião da formação clássica do grupo desde 1993 e a única desde então. Essa releitura atingiu o nº 6 na parada pop e o nº 2 na de r&b.

WORK IT OUT (Jody Watley-Nidra Beard)
Esta parceria de Jody Watley com a cantora do grupo Dynasty tem semelhanças com o hit Second Time Around, embora sem ser uma cópia descarada. Leve, descontraída, serve como um bom veículo para a cantora, com uma letra otimista do tipo “nós vamos conseguir fazer isso dar certo”.

POP ALONG KID (Jeffrey Daniel-Howard Hewett-Nidra Beard)
O álbum se encerra com a canção de pegada mais eletrônica, com direito a um belo riff de sintetizador. Aqui, quem faz o vocal principal é Jeffrey Daniel, interpretando uma letra feita sob encomenda para ele, o “garoto pop” da banda por excelência. Pode não ser um cantor tão efetivo como seus então colegas de banda, mas consegue um bom desempenho e deixando os fãs com um sabor de quero mais nos ouvidos.

Three For Love ficou na posição de nº 43 no ranking The 80 Greatest Albums of 1980 da edição americana da revista Rolling Stone. O álbum saiu no Brasil no início de 1981 pela gravadora RCA, e nunca saiu por aqui no formato CD.

A formação clássica do Shalamar se manteria unida até 1983, quando, após o lançamento do álbum The Look, Jody e Daniel resolveram sair do grupo. Mas essa história a gente conta em outra ocasião.

Ouça Three For Love em streaming:

Novo Tempo (1980): Ivan Lins consolida e cria outros caminhos

ivan lins novo tempo

Por Fabian Chacur

Em 1980, Ivan Lins encerrou a sua passagem pela EMI-Odeon, período iniciado em 1977. De todas as fases de sua brilhante carreira como cantor, compositor e músico, esta pode ser considerada a de maior brilhantismo e criatividade. O astro carioca lançou por aquela gravadora quatro excelentes álbuns. O que pôs ponto final a esse período, Novo Tempo, traz peculiaridades muito interessantes que dão a este trabalho uma grande importância em sua discografia.

Pra começo de conversa, a fase EMI-Odeon de Ivan serviu para consolidar a parceria entre ele, Vitor Martins e Gilson Peranzzetta. Com o poeta, cujo marco inicial é a maravilhosa Abre Alas (de 1974), firmou-se uma dobradinha de entendimento impecável, com versos inspirados sobre relacionamentos, a condição humana e a situação política daquele momento de trevas no Brasil sempre musicados com melodias deliciosas e originais.

Em termos musicais, Gilson Peranzzetta, que iniciou seu trabalho com Ivan Lins no LP Chama Acesa (1975, lançado pela gravadora RCA), mostrou-se o lugar-tenente perfeito, em uma combinação de dois tecladistas que se completam de forma precisa, cirúrgica mesmo. De quebra, seus arranjos e orquestrações ajudaram a dar a cada canção a moldura adequada, sem amarras ou limitações estilísticas. Valia tudo, desde que fosse bem feito e coerente.

Essa trinca incrível deu seus passos iniciais rumo à perfeição em Somos Todos Iguais Nessa Noite (1977), estreia na EMI, e atingiria seu auge criativo nos sublimes Nos Dias de Hoje (1978, leia a resenha aqui) e A Noite (1979, leia a resenha aqui). Como igualar tanta qualidade e sucesso logo a seguir?

Esse foi provavelmente o principal desafio de Novo Tempo. E Ivan o encarou com garra, e incorporando as características daquele momento. No Brasil, vivíamos o início de uma abertura política, que tinha como marco principal a Lei da Anistia, que permitiu o retorno ao país de diversos exilados políticos. Havia esperança no ar, mesmo que a ditadura militar continuasse, com o General Figueiredo na presidência. Eis a inspiração que gerou a maravilhosa canção que deu nome a este álbum. Esperança permeada por temores.

Novo Tempo, a canção, é quase que um contraponto a Aos Nossos Filhos (1978), uma torcida intensa para que dias melhores estivessem mais perto do que se imaginava há apenas dois anos. “No novo tempo, apesar dos perigos, a gente se encontra, cantando na praça, fazendo pirraça, pra sobreviver”. Bem, seriam mais cinco longos anos de ditadura, mas é melhor seguir no tema música.

Nesse mesmo espírito, surgiu Coragem, Mulher, inspirada no triste Caso Marli, ocorrido em 1979, quando PMs invadiram um barraco em Belford Roxo (RJ) e sequestraram e mataram um rapaz, Paulo Pereira Soares, de 18 anos, que acabou sendo morto com 12 tiros por três policiais militares.

Sua irmã, Marli Pereira Soares, uma empregada doméstica, encarou o desafio de reconhecer os assassinos de Paulo, oriundos do 20º Batalhão de Polícia Militar de Belford Roxo. A moça tinha 25 anos, e virou um símbolo da resistência contra a violência policial afligindo os pobres.

“Como te atreves a mostrar tanta decência, de onde vem tanta ternura e paciência, qual teu segredo, seu mistério, seu bruxedo, pra te manter em pé até o fim”. Uma bela homenagem a uma personagem de nossa história recente que, infelizmente, ainda sofreria muito nos anos seguintes, com direito a ter sua casa saqueada e incendiada, além de perder um filho e um afilhado também vítimas da violência, já nos anos 1990.

Duas das canções do disco poderiam ter feito parte do trabalho anterior em termos temáticos, A Noite, pois são centradas em complicadas relações afetivas. Curiosamente, elas mostram dois caminhos possíveis para um casal em fase complicada. Uma, Bilhete, encerra a partida de vez, com direito a mala na porta, pedido de chave de volta e um adeus sem muita vontade de um novo contato.

Enquanto isso, Virá reflete o ponto de vista de quem não se conformou com o final, e aguarda, paciente, o retorno do parceiro-parceira: “virá, de qualquer jeito virá, virá a contragosto, virá por amizade, virá por desespero, virá por cama e comida, por boa bebida, por dinheiro”.

Também retomando caminhos anteriores, a rural Sertaneja nos traz ecos de Ituverava (1977), bela homenagem de Vitor Martins a sua cidade natal, enquanto Barco Fantasma vem da mesma lavra inspirada na música portuguesa que gerou a inspirada Um Fado (1977).

A única canção de fora do núcleo Ivan-Vitor-Gilson é a inspirada releitura de Coração Vagabundo (1967), de Caetano Veloso, que de certa forma dialoga em termos poéticos com Novo Tempo, com versos como “meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer”.

Desde o início de sua carreira, Ivan Lins sempre se mostrou aberto à mistura da música brasileira com elementos do jazz, soul e r&b. Na fase EMI, pode-se dizer que um novo formato dessa vertente surge em Dinorah Dinorah (1977), com uma levada mais moderna e próxima da sonoridade internacional. Não por acaso, essa música foi regravada por George Benson no álbum Give Me The Night, lançado naquele mesmo 1980 e que também inclui Love Dance (Ivan Lins, Gilson Peranzzetta e Paul Williams).

Há pelo menos duas representantes dessa sonoridade híbrida e genial neste álbum: a faixa-título, que alguns afirmam ter sido cogitada para entrar em um álbum de Michael Jackson (Thriller, para ser mais preciso), e a fantástica Arlequim Desconhecido, que abre o álbum. Ambas seriam regravadas por artistas internacionais posteriormente, e não por acaso, pois se encaixam feito luva na sonoridade jazz-pop então prevalente nas rádios americanas.

Uma faixa é totalmente à parte do resto do material. Trata-se de Setembro, assinada por Ivan e Gilson e dividida em duas partes, Antonio e Fernanda e Caminho de Ituverava. Sem letra, ela traz vocalizações arranjadas pelo genial Tavito, cordas e um clima que em alguns trechos pode nos levar surpreendentemente à fase mais experimental dos Beach Boys.

Outro momento muito significativo é a encantadora Feiticeira, canção leve, romântica e delicada com direito a um arranjo ousado que incorpora elementos de baião. Pode-se considerá-la uma espécie de pioneira de uma veia da obra de Ivan que posteriormente nos renderia sucessos maravilhosos do porte de Vitoriosa (1986) e Iluminados (1987).

Entre os músicos participantes do álbum, todos ótimos, um merece destaque especial. Trata-se de Alex Malheiros, baixista do grupo Azymuth que marca presença em 9 das 10 faixas. Sua forma moderna e swingada de tocar ajudou a dar uma roupagem mais próxima do jazz-funk americano ao som do disco, com direito a alguns momentos absurdamente inspirados. Ouça suas linhas de baixo em Arlequim Desconhecido, Setembro e Novo Tempo e tente não concordar comigo.

Curiosamente, nos créditos do álbum, Malheiros é identificado apenas como “Alexandre”, o que me levou a fazer uma extensa pesquisa para descobrir quem era esse cara, até que consegui a resposta ao ouvir uma entrevista feita por Nelson Faria com o saudoso baixista Arthur Maia, no qual ele relembra que entrou na banda de Ivan Lins para substituir precisamente Alex Malheiros, que gravou Novo Tempo mas não participou da turnê.

A embalagem de Novo Tempo também merece ser elogiada. Na capa, Ivan aparece com a camisa aberta, com jeitão de quem está pronto pra qualquer parada. Na parte interna e na contracapa (a capa é dupla), Ivan está ao lado dos parceiros Martins e Peranzzetta, sendo que em uma foto eles compartilham um jornal com manchetes típicas de um país pressionado por momentos difíceis.

Se não fez tanto sucesso como os trabalhos anteriores pela EMI, Novo Tempo conseguiu manter Ivan Lins nas paradas de sucesso e lotando os seus shows. Típico disco de transição, encerrou com classe uma fase brilhante de sua carreira e, por tabela, deu o pontapé inicial em outra, também das mais ricas. Mas essa é uma outra história, que a gente conta futuramente.

Ouça músicas de Novo Tempo em streaming:

Elton John (1970), quando Reg Dwight começa a virar um astro

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Por Fabian Chacur

Escolher um entre os aproximadamente 40 álbuns de estúdio que Elton John gravou e nomeá-lo o mais importante de todos é uma tarefa um tanto complicada. Mas pode ser mais simples se levarmos em conta um critério determinante: aquele trabalho que significou a ascensão de um até então completo desconhecido cantor, compositor e músico britânico para o primeiro time da música pop. Se esse for o parâmetro, aí fica fácil. O álbum a ser selecionado, ironicamente, é o único que ele lançou que só leva seu nome artístico, Elton John, como título.

Como grande atrativo inicial, o disco traz Your Song, primeira canção do astro britânico a atingir o top 10 nos EUA e no Reino Unido, chegando mais especificamente ao oitavo posto na terra de Elvis Presley e ao sétimo em seu próprio rincão. Essa doce, emotiva e claramente ingênua balada tornou-se o seu cartão de visitas, aquela canção que Elton não consegue excluir de seu set list sem desagradar e muito seu imenso público.

Esse encantador álbum não conseguiu tal feito por acaso. Uma série de fatores possibilitou que tal disco permitisse ao seu autor ombrear com os grandes nomes da música pop. Até chegar a ele, esse artista genial teve de pagar seus tributos, digamos assim, e não foram poucos. Não faria sentido contar a história deste trabalho sem oferecer ao leitor um resumo do que ocorreu antes de seu surgimento, e é isso que começaremos logo a seguir.

Formação erudita, bares, hoteis e Bluesology

Reginald Kenneth Dwight nasceu em 25 de março de 1947. Com apenas quatro anos de idade, surpreendeu os pais e a avó ao mostrar habilidades precoces no piano. Com o tempo, ficou claro que o rapazinho levava jeito para a música, e ele aos 11 anos de idade começou a estudar aos sábados na prestigiada Royal Academy Of Music, onde permaneceu por cinco anos. No entanto, logo ficou claro para ele que ser um concertista erudito não era o seu sonho.

Aos 15 anos, preferiu tocar em hotéis e bares, inicialmente como pianista solo, e logo a seguir integrando um grupo que fundou com seus amigos, o Bluesology, em 1962. Com o tempo, a banda ganhou musculatura, e além dos shows próprios, também acompanhou artistas americanos de soul music que passavam pela Inglaterra, entre eles Major Lance e Patti Labelle And The Blue Belles.

Com Elton como seu vocalista e pianista, o Bluesology lançou em 1965 o seu primeiro single, Come Back Baby. Outros dois singles viriam até 1966, mas sem grande repercussão. Disposto a ficar o mais próximo possível do cenário da música, Reg (seu apelido) chegou a servir chá na editora musical Mills Music, e nessa época conheceu um jovem brincalhão chamado Caleb Quaye, que adorava fazer bullying com ele por causa de seus quilinhos a mais.

Em setembro de 1966, o cantor Long John Baldry convidou a Bluesology para ser a sua banda de apoio, convite que eles aceitaram. Isso fez com que Dwight se tornasse apenas pianista e eventual compositor do grupo, o que de certa forma o frustrou. Em busca de algum outro rumo, ele viu um anúncio nas páginas do jornal especializado em música New Music Express, publicado em 17 de junho de 1967. Mal sabia que sua vida mudaria a partir dali.

Bernie Taupin, contrato com Dick James e muito trabalho

Após se separar do conglomerado EMI na Inglaterra, o selo Liberty resolveu montar o seu próprio cast, e colocou o anúncio no NME buscando cantores, músicos e similares. Reg Dwight ficou animado e mandou uma carta. Para sua surpresa, foi chamado para uma audição, na qual se mostrou nervoso, cantando músicas do astro country americano Jim Reeves. Aparentemente, não era o cara mais adequado para o novo selo, e não foi selecionado.

No entanto, o responsável por seu teste e um dos homens do A&R (artistas e repertório) da Liberty, Ray Williams, sentiu que havia potencial naquele baixinho gordinho. Antes de se despedir de Reg, ele deu ao jovem um pacote com poemas enviados por um certo Bernard Taupin, e sugeriu como exercício que o pianista tentasse musicar alguns deles.

Nascido em 22 de maio de 1950, apaixonado por cultura pop americana e radicado em um pequeno vilarejo interiorano em Lincolnshire, Bernie também estava em busca de um rumo na vida, e se embrenhou em escrever poemas bem afeitos ao ambiente paz e amor daqueles tempos. Mesmo sem cantar ou tocar um instrumento musical, também respondeu o anúncio do NME, e recebeu como resposta um convite para visitar o escritório da Liberty em Londres.

Umas boas semanas se passaram até que Bernie e Reg se conhecessem. Quando isso enfim ocorreu, o músico contou ao novo amigo que já havia musicado uns 20 daqueles textos. A empatia entre eles foi imediata. Feliz ao ver que conseguiu reunir dois jovens talentos promissores, Ray Williams resolveu indicá-los à editora musical Gralto, criada pelos integrantes da consagrada banda The Hollies e ligada à Dick James Music (DJM).

No início, Reg e Bernie compunham suas músicas e o músico e cantor da dupla as registrava de madrugada, no estúdio da DJM, sem o conhecimento do dono. No entanto, o filho desse dono, Steve James, ouviu as demos, ficou bem impressionado e incentivou seu pai famoso a dar uma chance a eles.

Vale o registro: Dick James foi quem apostou em uma desconhecida banda oriunda de Liverpool e os contratou para editarem suas músicas com ele, na editora criada especialmente para tal fim, a Northern Songs. Sim, eles mesmos, os hoje eternizados Fab Four. Ou seja, era um dos caras mais bem-sucedidos da área. Ele confiou no palpite do filho, ouviu as demos, gostou e convidou aqueles dois jovens para uma reunião.

Contrato com a DJM, os primeiros discos e muito trabalho

Reg Dwight e Bernie Taupin foram para a reunião convocada por Dick James meio ressabiados. Eles pensavam que seriam repreendidos por usarem o estúdio. Aliás, sabe quem tomava conta daquele estúdio? Ninguém menos do que Caleb Quaye, que começava também a investir em uma carreira como guitarrista.

No entanto, os amigos saíram felizes daquele encontro, pois Dick os contratou, no dia 17 de novembro de 1967, para serem compositores residentes da DJM, escrevendo canções e gravando demos (agora em horários mais civilizados…) para serem oferecidas a outros intérpretes, ganhando um salário semanal.

Pouco tempo depois, aquele jovem pianista percebeu que seria duro ir adiante como Reg Dwight, e resolveu criar um nome artístico. Dessa forma, pegou “emprestado” o nome do saxofonista do Bluesology, Elton Dean (que depois tocaria com o grupo progressivo Soft Machine), e o do cantor Long John Baldry, que de certa forma o impulsionou rumo à carreira-solo, e voilá, surgia Elton John.

No início, as coisas não correram muito bem. Apesar de trabalharem muito, os dois amigos não conseguiam agradar a ninguém com suas criações musicais. Steve Brown, um dos funcionários da DJM, percebeu onde estava o problema, e deu um conselho ousado aos garotos: “parem de tentar compor canções pré-fabricadas para os cantores da moda, e façam aquilo que tiverem vontade”.

Foi o pontapé inicial para o surgimento de um trabalho original. O primeiro grande fruto dessa nova estratégia foi Lady Samantha, lançada em compacto simples em janeiro de 1969. Brown foi recompensado virando a partir dali o produtor dos discos de Elton John. A canção teve ótima execução nas rádios britânicas, mas o single não vendeu absolutamente nada, para tristeza geral.

A trajetória de Elton poderia ter tomado outros rumos no início daquele mesmo 1969, quando fez testes para ser o cantor de duas bandas novas com grande potencial, King Crimson e Gentle Giant, mas foi reprovado em ambas. Quem será que perdeu mais, ele ou as respectivas bandas? Nunca saberemos, mas é fato que os três conseguiram desenvolver carreiras de muito respeito. Elton, no entanto, vendeu muito mais discos, sem sombra de dúvidas.

Empty Sky, músico de estúdio e covers

Em 6 de junho de 1969, Elton John lançou o seu primeiro álbum pela DJM, Empty Sky. O disco dava pistas do que viria futuramente, mas ainda apresentava um artista em busca de seu estilo próprio. Mesmo tendo músicas boas como a faixa-título e Skyline Pigeon (que ele regravaria em 1973, em versão que estourou no Brasil), não só passou batido nos charts britânicos como nem sequer chegou a ser lançado no mercado americano naquela época.

Vale o registro detalhista: Empty Sky só saiu nos EUA anos depois de seu lançamento original, e chegou ao 6ª lugar na parada americana. Todas as fontes garantem que esse LP só chegou às lojas americanas em 1975. Curiosamente, a edição americana em vinil que eu tenho, que traz na capa (diferente da que saiu na Inglaterra) um desenho que lembra uma pirâmide, temos 1975 na contra-capa e 1973 no selo do disco. Vacilo dos bons…

Como forma de se manter, o artista não só continuou gravando suas demos e oferecendo músicas a outros artistas como também virou músico de estúdio, marcando presença em diversas gravações. A mais famosa é certamente He Ain’t Heavy He’s My Brother, um dos maiores sucessos dos Hollies e lançada em 1969, na qual ele se incumbiu do marcante acompanhamento de piano.

De quebra, ainda participava como cantor e pianista de gravações de álbuns de covers de sucessos do momento, lançados por selos pequenos que usavam o estratagema de juntar alguns dos maiores hit singles em um único LP, pois as grandes gravadoras na época ainda não faziam isso com as gravações originais. Esses discos não traziam os créditos aos músicos participantes, entre eles o cantor David Byron, que depois integraria a banda Uriah Heep.

Outra curiosidade: Elton e Bernie, toda semana, compravam os mais recentes lançamentos da música pop em LPs e compactos simples, e os dissecavam música a música, letra por letra, em uma espécie de curso intensivo de música pop. A paixão era tanta que o cantor chegou a ser balconista da loja de discos Music Land, no Soho, quando já havia lançado o seu primeiro álbum. Nem é preciso dizer que o dinheiro que ganhava lá virava discos e mais discos…

Novos craques entram no time de Reg Dwight

Ninguém vai adiante na vida se não tiver a ajuda decisiva de algumas pessoas. Elton John não foi diferente. Nesse momento crucial de sua carreira, ele ainda contou com a humildade de Steve Brown. Ao ouvir a demo de algumas das canções que o artista preparava para o que viria a ser o seu segundo álbum, Brown se sentiu pouco qualificado para continuar a produzi-lo, e tomou uma atitude de grande generosidade.

Dessa forma, propôs a Dick James algumas coisas básicas: que ele, Brown, passasse a ser coordenador de produção do novo LP de Elton, contratando um produtor mais experiente e também um arranjador, e que uma pequena orquestra fosse arregimentada para participar das gravações. Dick topou, e Steve Brown foi à luta para achar os nomes ideais.

O primeiro a entrar no projeto foi o arranjador Paul Buckmaster, que se incumbiu do brilhante arranjo para Space Oddity, primeiro hit de David Bowie em 1969. Ao tomar contato com as demos das novas canções de Elton e também ao conhecer o artista, sentiu que o convite era irrecusável.

E quem se incumbiria da produção? Brown sonhou alto: ninguém menos do que George Martin, para muitos o quinto beatle. Ao ser contatado, ele topou, possivelmente por sua relação com Dick James, mas com uma condição: também se incumbiria dos arranjos. Colocado na alternativa de ou ficar com o produtor dos Beatles ou manter Paul Buckmaster no jogo, Steve Brown se mostrou ousado ao preferir a segunda opção.

De quebra, para mostrar que punha fé em Buckmaster, Brown pediu a sugestão de um nome para capitanear aquele projeto. E a dica, que hoje pode parecer óbvia mas na época não soou assim, foi chamar exatamente o produtor que trabalhou com Buckmaster em Space Oddity, Gus Dudgeon. Este, ao ouvir as demos, percebeu que aquela era a chance de sua vida, e bateu o martelo.

Time escalado, mãos à obra

Com Steve Brown, Gus Dudgeon e Paul Buckmaster em suas devidas funções, seguiu-se a escalação dos músicos, e apenas o amigo Caleb Quaye, um dos mais promissores guitarristas britânicos na época, foi mantido do 1º LP, somando-se a Barry Morgan e Terry Cox (bateria), Dave Richmond, Les Hurdie e Alan Weighll (baixo), Colin Green, Clive Hicks, Roland Harker, Frank Clark e Alan Parker (guitarra e violão acústico), Skaila Kanga (harpa), Dennis Lopez e Tex Navarra (percussão), Diana Lewis (sintetizador moog) e Brian Dee (órgão).

Nos backing vocals (comandados por Barbara Moore), Madeline Bell, Leslie Duncan, Kay Garner, Tony Burrows, Tony Hazzard e Roger Cook. Este último merece destaque por ter sido um dos primeiros artistas a gravar composições de Elton John e Bernie Taupin, Skyline Pigeon, e ser o autor (em parceria com Roger Greenaway) de hits como You’ve Got Your Troubles (The Fortunes, em 1965) e I’d Like To Teach The World To Sing (The New Seekers, em 1972).

Além dos músicos de orquestra, outro acréscimo bacana ao projeto foi registrá-lo no Trident Studios, em Londres, aparelhado com muito mais recursos técnicos do que o da DJM e que presenciou gravações dos Beatles, David Bowie e muitos outros artistas desse gabarito. Segundo Paul Buckmaster, o álbum levou exatos 12 dias para ser concretizado, das primeiras gravações à mixagem final, com início no dia 19 de janeiro de 1970.

Além das 10 músicas que entraram na versão original do álbum, outras três foram registradas, e saíram em compactos simples nos meses seguintes. A capa hoje pode ser considerada bem simbólica, pois mostra, em um fundo totalmente escuro, apenas uma parte do rosto daquele jovem gordinho, descabelado e usando óculos com lentes grossas, cujo nome, Elton John, aparecia logo acima, em caracteres pomposos. Clima de mistério…

Elton John, o álbum, faixa a faixa

Your Song– Uma encantadora balada de um romantismo ingênuo e idealista, com um arranjo muito feliz que traz como bela sacada o fato de a seção rítmica só entrar após a primeira execução do refrão, o que ajuda a cativar o ouvinte. O primeiro e inesquecível hit desse grande astro.

I Need You To Turn To– A primeira canção com forte influência erudita do LP, com um jeitão meio medieval gerado pela utilização de um teclado do tipo harpsichord (cravo), e versos que retratam uma relação afetiva de dependência entre os integrantes de um casal.

Take Me To The Pilot– Primeiro momento mais swingado do álbum, uma espécie de funky gospel que se tornou um dos pontos altos dos shows dessa fase inicial de sucesso do astro. Tanto Elton quanto Taupin brincam com o teor vago da letra, dizendo que “se alguém descobrir o significado desses versos, por favor, nos avisem, que nós não temos a mínima ideia”.

No Shoe Strings On Louise– Esta canção meio soul, meio country, mostra forte influência dos Rolling Stones quando abordam essa sonoridade, especialmente em termos vocais. Dá para imaginar Mick Jagger cantando esta deliciosa faixa.

First Episode At Hienton– Cativante balada introspectiva com influência clássica na qual temos uma espécie de nostalgia melancólica referente a alguém que conheceu uma garota ainda jovem, mas que agora a vê já como uma mulher adulta. Belas imagens poéticas.

Sixty Years On– A faixa mais introspectiva e intensa do álbum, com direito a um arranjo absolutamente genial de Paul Buckmaster no qual a orquestra dialoga com a melodia e o vocal de Elton John. Outra letra melancólica divagando sobre uma velhice que curiosamente ainda estava muito distante de Elton e Taupin.

Border Song– Balada gospel com direito a um coral encantador e letra pregando a união e a tolerância sem cair no óbvio. Aretha Franklin a regravaria com muita propriedade naquele mesmo 1970.

The Greatest Discovery– Outra canção na qual o arranjo de Buckmaster se sobressai, em letra que investe na relação entre pais e filhos, no sentido da descoberta da paternidade e seus momentos iniciais.

The Cage– Provavelmente o momento mais roqueiro do álbum, com direito a algumas surpreendentes passagens de teclados eletrônicos.

The King Must Die– O álbum original se encerra com uma balada típica do artista, com uma letra libertária e realista ao mesmo tempo.

A versão em CD lançada em 1995 na série The Classic Years traz três faixas adicionais, oriundas das mesmas sessões de gravações do álbum original:

Rock And Roll Madonna e Grey Seal– lançadas em compacto simples em junho de 1970. A primeira é um rock básico com uso de gravações prévias que tentam dar a falsa impressão de que se trata de um registro feito ao vivo. A segunda é uma balada com belas passagens roqueiras, que seria regravada em 1973 para inclusão no álbum Goodbye Yellow Brick Road (1973).

Bad Side Of The Moon– Saiu como lado B do single Border Song, lançado em março de 1970. Muito boa, costumava fazer parte do set list dos shows de Elton naquela época com uma certa frequência.

Um álbum que demorou, mas enfim teve o sucesso que merecia

Como nada na vida de Elton John veio de bandeja, o sucesso de seu 2º LP seguiu a regra. Saiu na Inglaterra em 10 de abril de 1970, com resposta indiferente de público e crítica inicialmente. Como forma de divulgá-lo, o artista resolveu montar uma nova banda de apoio bem compacta, integrada por ele próprio nos vocais e piano, o baixista Dee Murray e o baterista Nigel Olsson (que havia participado da faixa Lady What’s Tomorrow, do álbum Empty Sky).

O primeiro destaque do trio ocorreu em agosto de 1970 após sua participação no tumultuado festival de Krumlin, em Yorkshire, ganhando novos fãs inclusive na imprensa especializada britânica. Dick James, então, percebeu que precisava pensar em alternativas para divulgar seu artista no mercado mais importante do mundo para a música, o americano, e iniciou negociações com a MCA Records.

Depois de muitas conversas, e com o apoio decisivo do amigo Roger Greenway, o executivo Russ Regan resolveu apostar naquele artista britânico, apesar de inicialmente considerá-lo um pouco “exotérico”. Como forma de apresentá-lo de fato ao público americano, planejou uma série de seis shows em Los Angeles, mais precisamente no Troubadour, badalado local de shows que impulsionou as carreiras de nomes como James Taylor, Carole King e inúmeros outros.

No dia 25 de agosto daquele histórico 1970, uma terça-feira, Elton entrou no palco devidamente anunciado por outro astro do elenco da MCA Records, Neil Diamond. Na platéia, nomes do porte de Quincy Jones, David Crosby, Graham Nash, Henry Mancini e Mike Love (dos Beach Boys). Se previamente se mostrava nervoso, deixou isso pra lá ao começar a tocar e cantar, esbanjando desenvoltura, garra e um talento absurdo.

Foram seis noites naquele mesmo local, com direito a outros nomes famosos para vê-lo, incluindo um de seus ídolos, o cantor, compositor e pianista Leon Russell, integrantes do grupo Bread e vários jornalistas. Um deles, o renomado Robert Hilburn, escreveu uma crítica arrebatadora no Los Angeles Times, classificando-o como o “novo astro do rock”, entre outros elogios.

A seguir, Elton fez mais alguns shows em outras cidades, e deixou no público americano um gostinho de quero mais. O cara estava tão aceso que, em sua volta à Inglaterra, finalizou as gravações de dois novos trabalhos, o álbum Tumbleweed Connection (lançado em outubro no Reino Unido e só em 1971 nos EUA) e a trilha do filme Friends. Ele voltou aos EUA em novembro, quando enfim o LP Elton John havia chegado às lojas de lá, e aumentou ainda mais seu impacto naquelas plagas. A América vai caindo de joelhos perante um novo astro.

A coisa ficou tão quente que ele fez um show no dia 17 de novembro no estúdio do produtor Phil Ramone, perante uma platéia de umas cem pessoas, com transmissão ao vivo via rádio no território americano. O sucesso foi tão grande que no ano seguinte as gravações gerariam um LP, 11.17.70 (na Inglaterra, lançado com o título 17.11.70 e, no Brasil, como Honky Tonk Women, canção clássica dos Rolling Stones que Elton releu com categoria neste show).

Para completar a operação “Elton Estrela”, só faltava uma coisa: lançar Your Song em compacto simples, o que ocorreu no início de 1971. A canção não só vendeu bem nesse formato como deu o impulso final para que Elton John, o álbum, enfim concretizasse o potencial de êxito que sempre demonstrou ter, atingindo o quarto lugar na parada americana e o quinto no Reino Unido. Era só o início de um verdadeiro tsunami de sucessos do hoje Sir Elton John.

Ouça Elton John (1970) em streaming:

Veja o clipe de Your Song, de 1970:

Sweet Sensation (1980), um clássico de Stephanie Mills

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Por Fabian Chacur

Em 1980, Stephanie Mills completou 23 anos de idade. Ainda nova, já podia ser considerada uma veterana no show business, com 14 anos de estrada no teatro e na música. Naquele ano, essa incrível cantora e atriz viveu um dos momentos mais importantes de sua trajetória com o lançamento do álbum Sweet Sensation (20th Century Fox, saiu no Brasil via RCA). Com este trabalho, ampliou seu alcance no público black e de quebra emplacou seu maior hit no cenário mainstream, a deliciosa canção Never Knew Love Like This Before.

Nascida em Bed-Stuy-Brooklin-Nova York em 22 de março de 1957, Stephanie Dorthea Mills teve sua iniciação musical semelhante à da maior parte das cantoras negras americanas, cantando em uma igreja ainda pequena. Aos 9 anos, estreou profissionalmente no musical Maggie Flynn. Aos 11, conseguiu vencer uma acirrada competição na Amateur Night no mitológico Apollo Theater, no Harlem, e foi convidada a abrir shows dos lendários Isley Brothers.

Ainda adolescente, lançou dois álbuns-solo, Movin’ In The Right Direction (1974) e For The First Time (1975). Este último, lançado pela gravadora Motown, contou com a produção e composições da dupla Burt Bacharach e Hal David, sendo 8 das 10 faixas inéditas. Infelizmente, ambos passaram batidos.

No teatro, o início do estrelato

No entanto, a carreira no teatro musical lhe proporcionou um primeiro grande momento. Ela foi convidada para viver Dorothy, um dos personagens principais de The Wiz, versão com artistas negros para o teatro do filme O Mágico de Oz.

Ficou em cartaz de 1975 e 1977 com muito sucesso na Broadway, mas sentiu-se frustrada ao não ser convidada para repetir o papel em uma nova versão cinematográfica da história lançada em 1978 e dirigida por Sidney Lummet. Ela perdeu a vaga para Diana Ross.

Sem baixar a cabeça, seguiu em frente, e em 1979 foi contratada pela gravadora 20th Century Fox para um novo álbum. O selo escolheu para produzi-la James Mtume e Reggie Lucas, uma dupla de jovens músicos que haviam tocado com Miles Davis e Roberta Flack, tendo composto para esta última os belíssimos hits The Closer I Get To You e Back Together Again.

A parceria não poderia ter dado mais certo, e já se mostrou certeira logo no primeiro álbum que os reuniu, Wat Cha Gonna Do With My Love (1979), que atingiu o 22º posto na parada pop e o 12º no chart de rhythm and blues (r&b).

A fórmula de mesclar canções disco do tipo uptempo, canções dançantes midtempo (batida intermediária entre as mais agitadas e as mais lentas) e baladas românticas se mostrou matadora, com direito a hits como a faixa-título, a empolgante Put Your Body In It e You And I.

Sucesso e a conquista do público mainstream

Obviamente incentivados pelo sucesso do disco anterior, Mtume e Lucas iniciaram os trabalhos que resultariam em Sweet Sensation com muita garra. De cara, selecionaram um time de músicos e vocalistas de apoio conciso e impecável, no qual se destacavam as cantoras Gwen Guthrie e Tawatha Agee, o tecladista Hubert Eaves III, o guitarrista Edward Moore e o baterista Howard King.

Com essa escalação, e mais os arranjos de cordas e metais a cargo de Wade Marcus, eles investiram nas oito faixas incluídas no disco, sendo cinco assinadas pela dupla de produtores e outras três compostas por integrantes da banda. Como quatro delas duram mais de cinco minutos, algo habitual em trabalhos de funk, r&b e disco music, não havia como ir além desse número, como forma de garantir a qualidade técnica do áudio do LP.

O resultado não poderia ser melhor. Trata-se de um trabalho diversificado, conciso e envolvente, no qual Stephanie teve a chance de exibir a qualidade de sua voz sensual e doce, capaz de encarar com categoria os três tipos básicos de canção incluídas aqui- funk-disco, r&b midtempo e baladas encantadoras.

As faixas que mais se destacaram foram a que deu título ao LP, que atingiu o nº 52 na parada pop e nº 12 na de r&b, e especialmente Never Knew Love Like This Before, que alcançou o 6º lugar na parada pop (única vez que ela conquistou tal feito) e 12º no chart r&b. A música, no Brasil, foi incluída na trilha sonora da novela global Plumas e Paetês, que foi exibida entre 1980 e 1981.

Uma parceria marcante

Sweet Sensation foi o mais bem-sucedido dos quatro álbuns que Mtume e Lucas produziram para Stephanie Mills entre 1979 e 1982, e marcou a carreira de todos os envolvidos. Depois, ela trabalharia com outros grandes produtores e com muito sucesso, como a dupla Ashford & Simpson e Angela Winbush, mas essa parceria ficou como um dos grandes destaques do currículo deles.

Se não conseguiu nada tão expressivo na parada pop após Sweet Sensation, Stephanie Mills se manteve muito bem na cena r&b durante toda a década de 1980, emplacando cinco canções e um álbum no topo da parada de r&b americana entre 1986 e 1989. A partir dos anos 1990, infelizmente gravou quatro discos sem grande repercussão, mas continua fazendo bons shows.

Para os “fofoqueiros” de plantão, vale lembrar que ela teve um rápido namoro com Michael Jackson, e foi casada entre 1980 e 1983 com outro astro do r&b, o cantor Jeffrey Daniels, do grupo Shalamar.

As faixas de Sweet Sensation:

Sweet Sensation (Mtume-Lucas)- Ouça aqui.
O álbum abre com uma faixa-título envolvente, em ritmo midtempo, no qual uma das marcas deste trabalho já se apresenta logo de cara: os diálogos musicais entre Stephanie e as vocalistas de apoio, além da coesão entre os instrumentos de sopros, cordas e teclas. Um clássico do r&b.

Try My Love (Tawatha Agee-Hubert Eanes III)- Ouça aqui.
O pique dançante prossegue com uma faixa irresistível na mesma levada da anterior, mas com mais espaços para a voz de Stephanie mergulhar fundo, gerando uma interação com suas vocalistas que é de arrepiar. E que refrão! E que arranjo de metais! A audição dessas duas músicas já valeria a sua aquisição. Mas vem mais coisa boa por aí!

I Just Wanna Say (Mtume-Lucas)- Ouça aqui.
Temos aqui a primeira canção lenta do disco, com destaque para os teclados e no melhor estilo slow jam, ou seja, aquelas faixas românticas sensuais com duração mais longa típicas da black music dos anos 1970-80.

Wish That You Were Mine (Mtume-Lucas)- Ouça aqui.
Um momento mais disco music para fechar o lado A do vinil com alto astral total, com direito a uma guitarra-rítmica irresistível e um apelo pop certeiro.

D-A-N-C-I-N’ (Edward Moore-Howard King)- Ouça aqui .
O lado B do vinil abre com força total, nesta canção midtempo com refrão forte que aparece logo de cara chamando as pessoas para a pista de dança, com Stephanie endiabrada e soltando a voz. Para bater palmas junto! Outro show das vocalistas de apoio no refrão e nos diálogos com a sua “chefe”. E que groove!

Still Mine (Mtume-Lucas)- Ouça aqui.
Aqui, o momento de uma balada soul romântica por excelência, aquela lentinha que levava os casais para a pista de dança durante os bailinhos dos anos 1970-início dos 1980. A performance de Stephanie é espetacular.

Never Knew Love Like This Before (Mtume-Lucas)- Ouça aqui.
Não é difícil entender o porque esta é a canção que mais se destacou na parada mainstream, ou seja, a “dos brancos”. Embora sem perder a alma, é o momento mais pop do disco, no qual Stephanie canta com tanta doçura e ingenuidade sincera a celebração da descoberta do “amor da sua vida” descrito na letra que pode arrancar lágrimas de alguém mais emotivo, alguém tipo eu, por exemplo… Esta música rendeu o Grammy de melhor performance de r&b para Stephanie, e de melhor canção de r&b para Mtume e Lucas.

Mixture Of Love (Joe Mills-John Simmons)- Ouça aqui.
Uma assumida fã de canções românticas, Stephanie nos mostra aqui, mais uma vez, como usar uma voz potente, doce e versátil de forma absolutamente sensual e impecável em termos técnicos. E os diálogos com o coral de apoio mais uma vez são encantadores. Final feliz para um disco maravilhoso!

Saiba mais sobre o time que gravou Sweet Sensation

James Mtume– Este produtor, percussionista, tecladista e compositor tocou com Miles Davis entre 1971 e 1975, e logo a seguir, na banda de Roberta Flack. Paralelamente, ele tinha a sua própria banda, a Mtume, com Tawatha Agee nos vocais, e com ela emplacou pelo menos um clássico perene dos anos 1980, Juicy Fruit (ouça aqui), que chegou ao topo da parada de r&b. Ele teve músicas gravadas por Stephanie, Roberta Flack e também por Donny Hathaway, Phyllis Hyman, Mary J. Blige, Teddy Pendergrass, Inner City e R. Kelly.

Reggie Lucas-Guitarrista e compositor, tocou junto com Mtume nas bandas de Miles Davis e Roberta Flack. Além do trabalho ao lado do parceiro, ele tem um belo item solo em seu currículo: produziu seis das oito faixas do autointitulado álbum de estreia de Madonna em 1983, e é o autor de duas dessas músicas, os hits Borderline e Physical Attraction. Ele também foi guitarrista da banda de Billy Paul antes de conhecer Mtume.

Gwen Guthrie (1950-1999)- A saudosa cantora e compositora é a coautora de hits deliciosos de r&b como This Time I’ll Be Sweeter (sucesso no Brasil na versão de Linda Lewis), Supernatural Thing (hit com Ben E. King) e Love Don’t You Go Through No Changes On Me (hit com o grupo Sister Sledge). Além de participar de discos de inúmeros outros artistas (entre os quais Madonna, Aretha Franklin, Billy Joel, Stevie Wonder e Peter Tosh) também gravou seis álbuns solo entre 1982 e 1990, com direito a ao menos um grande hit na cena black americana, a irresistível Ain’t Nothing Goin’ On But The Rent (ouça aqui), que atingiu o topo da parada de r&b americana em 1986.

Tawatha Agee– Além de coautora de canções como o hit Two Hearts, que estourou em 1981 em marcante dueto de Stephanie Mills com o seminal Teddy Pendergrass, ela também foi a vocalista principal do grupo Mtume, aquela voz deliciosa que conduz o hit Juicy Fruit.

Hubert Eaves III– O tecladista que assinou Try My Love ao lado de Tawatha Agee também se destacou como integrantes das banda Mtume e D Train, esta última na verdade um duo integrado por ele e o cantor e compositor D-Train Willians e conhecido pelo hit Something’s On Your Mind (regravada depois por Miles Davis em seu álbum You’re Under Arrest, de 1985).

Howard King– Foi baterista da banda Mtume.

Veja Stephanie Mills ao vivo em 1998:

Sweet Baby James (1970) tirou James Taylor do anonimato

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Por Fabian Chacur

Entre os 20 álbuns de estúdio gravados por James Taylor, Sweet Baby James, lançado em fevereiro de 1970, possui uma importância imensa. Trata-se do trabalho que o tirou do anonimato e o impulsionou rumo ao estrelato em termos mundiais, graças especialmente à faixa Fire And Rain, seu primeiro grande hit. De quebra, ainda abriu as portas para o sucesso comercial de uma vertente importante da musica, o bittersweet rock, pontuado por melodias doces e envolventes abrigando letras sobre duras e amargas experiências da vida real de seus autores.

Este álbum atingiu o 3º lugar na parada de sucessos americana, onde se manteve por dois longos anos, e vendeu até hoje naquelas plagas em torno de três milhões de cópias. Também foi bem no Reino Unido, onde ocupou o 6º posto, e no resto do mundo, Brasil incluso. O single Fire And Rain obteve o mesmo nº 3 nos EUA. São números expressivos, que o artista repetiria nos anos seguintes.

O legal é saber que, se levarmos em conta toda a estrada percorrida por Taylor até lançar esse disco, chega a ser um milagre não só esse resultado incrível ter sido obtido em termos comerciais e artísticos, mas o simples fato de o seu autor ter conseguido se manter vivo para gravá-lo.

Aí vai um relato no melhor estilo textão de como foi essa incrível trajetória, repleta de idas e vindas e, felizmente, com um final mais do que feliz.

Um cowboy suave e solitário

James Vernon Taylor nasceu em 12 de março de 1948 em Boston, mas passou boa parte da infância e adolescência no estado da Carolina do Norte, curtindo as férias de verão na Martha’s Vineyard, uma ilha na costa nordeste dos EUA. E foi ali que conheceu um garoto dois anos mais velho do que ele, Danny Kortchmar, morador de Nova York e que se mostraria decisivo em sua vida profissional.

Desde cedo, o interesse pela música levou o segundo de uma família de cinco irmãos a aprender a tocar instrumentos musicais, sendo que o violão se tornou o seu favorito. Ouvindo Woody Guthrie, rock and roll, country, rhythm and blues e folk, aos poucos moldou uma sonoridade própria no violão, marcada por seu dedilhado característico e fluente.

Em 1965, no entanto, obstáculos surgem à sua frente. Logo de cara, uma forte depressão o leva a optar por um tratamento psiquiátrico que durou longos nove meses. Quando esse difícil processo teve fim, ele foi encorajado por Danny Kortchmar a não só se mudar para a efervescente Nova York, como a criarem uma banda. Isso se concretizou em 1966, com o nome The Flying Machine.

O novo grupo, que também incluía Joel O’Brien (bateria) e Zachary Wiesner (baixo), gravou um single para o selo Jubillee com as músicas Night Owl e Brighten Your Night With My Day. Eles registraram outras faixas, mas o insucesso comercial do single levou a gravadora a abdicar de lançá-las, o que precipitou o fim do grupo, algo acelerado por novos problemas de Taylor, agora ligados ao vício em heroína, contraído naquela megalópole.

Como sempre costuma ocorrer nesses casos, as faixas arquivadas pela Jubilee acabaram sendo lançadas em 1971, quando Taylor havia se tornando uma estrela pop, no álbum James Taylor And The Original Flying Machine, que o artista não só repudia como fez questão de escrever “bootleg” (pirata) no autógrafo que me deu em 1994 em sua versão em vinil. Ele não autorizou esse lançamento.

Curiosamente, uma banda britânica também chamada The Flying Machine fez bastante sucesso em 1969, inclusive no Brasil, com a deliciosa balada Smile a Little Smile For Me, o que ainda hoje leva algumas pessoas a pensarem se tratar do mesmo grupo, o que não é verdade.

Nova internação, operação na garganta e Londres

A passagem de James Taylor por Nova York rendeu ao artista não só o vício em heroína como também danos em suas cordas vocais devido à forma inadequada como as usava em shows e gravações. Além do tratamento para tentar se livrar das drogas, ele de quebra teve de operar a garganta para resolver esse problema.

No final de 1967, sentindo-se pronto para continuar a investir na carreira musical, resolveu tentar a sorte em Londres, naquele momento a verdadeira meca do novo rock, graças especialmente aos Beatles. Com um contato feito através do amigo Danny Kortchmar, ele teve a oportunidade de conhecer Peter Asher, que surgiu no meio artístico como integrante da dupla Peter & Gordon, conhecida pelo sucesso com canções compostas por Lennon & McCartney como A World Without Love e Nobody I Know.

Com o fim da dupla, Asher iniciava na época a carreira como produtor, e foi um dos escolhidos para trabalhar na gravadora que os Beatles criaram em 1968, a Apple. Ao ouvir as canções de Taylor, ele se apaixonou de imediato e conseguiu convencer seus patrões a contratá-lo.

Gravado de julho a outubro de 1968, James Taylor (o álbum) recebeu elogios por parte da crítica e possui boas canções e alguns momentos bem interessantes, mas padece dos pomposos arranjos de cordas a cargo de Richard Hewson, com direito a pequenos interlúdios entre uma canção e outra. Os arranjos também não ajudaram, assim como os vocais do artista ainda pareciam buscar seu melhor caminho. Nem a participação de Paul McCartney tocando baixo em Carolina In My Mind deu força significativa ao álbum.

Para piorar ainda mais as coisas, dois fatores adicionais foram decisivos para que o disco de estreia do artista americano fosse um fracasso comercial: a falta de organização da Apple, que só conseguia divulgar bem os trabalhos dos próprios Beatles, pecando em relação a seus contratados, e a novos problemas de saúde de Taylor.

Sim, acredite se quiser. Outra vez as drogas entraram no caminho do cantor e compositor, desta vez aparentemente para tirá-lo de cena de uma vez por todas. Como teve de voltar para os EUA, ele estava internado quando o álbum foi lançado, e isso obviamente também prejudicou e muito seu lançamento, sem shows ou divulgação em rádios e TVs. Pelo visto, era mais um caso perdido na cena musical.

Volta aos EUA, Warner e enfim o sucesso

Se muita gente jogou a toalha para aquele jovem então com 21 anos de idade, dois caras se mostraram decisivos para que a vaca não atolasse de vez no brejo. Um foi Peter Gordon. Mesmo diante de tanta encrenca, ele continuou acreditando no potencial artístico de Taylor, a ponto de pedir as contas na Apple e se mudar para os EUA junto com o artista, tornando-se seu produtor e empresário.

O outro, como você provavelmente já deve ter deduzido, foi Danny Kortchmar, que não só o auxiliou nesse momento tão difícil como de quebra se tornou o guitarrista de sua banda de apoio. Após alguns meses de internação, Taylor volta com o objetivo de dar de vez a volta por cima. E ele consegue uma temporada de seis shows em julho de 1969 no Troubadour, badalada casa de shows em Los Angeles e verdadeiro celeiro da nova geração do rock americano.

Lá, ele conheceu Carole King, uma consagrada compositora que naquele momento iniciava sua trajetória como artista solo, cantando e se acompanhando ao piano. A amizade entre os dois a levou a também ingressar em sua banda de apoio como pianista. A ótima repercussão dos shows no Troubador e também no festival folk de Newport naquele mesmo julho criaram a expectativa de que, enfim, as coisas iriam adiante.

Só que mais um último obstáculo surgiria à frente desse destemido cowboy musical. Um acidente de moto lhe rendeu fraturas nos braços e nas pernas, mais uma vez o tirando de cena. Felizmente, ele não demorou tanto assim para se recuperar, e Asher conseguiu para ele um contrato com a gravadora Warner, que o colocou em estúdio em dezembro de 1969 com o intuito de gravar um novo álbum. Nascia, então, Sweet Baby James.

O disco certo na hora certa

1970 foi um ano de muitas mudanças no cenário musical. De um lado, os Beatles e Simon & Garfunkel chocavam o mundo ao anunciaram suas separações. Jimi Hendrix e James Joplin nos deixaram de forma trágica, ambos com apenas 27 anos de idade. Do outro, novos nomes apareciam com propostas diferenciadas e muitas vezes opostas, como o som pesadíssimo do Black Sabbath, o progressivo de Yes, Genesis, King Crimson e Pink Floyd e um certo David Bowie, intrigando a todos com sua versatilidade.

Em meio a tudo isso, também tínhamos alguns cantores e cantoras que, influenciados por folk, country e rock, propunham uma sonoridade mais introspectiva, centrada nos violões e nas vocalizações, quase um contraponto à psicodelia e ao que viria a se transformar no hard-heavy rock. E coube justamente a James Taylor ser aquele artista a abrir as portas para que os outros seguidores dessa vertente tivessem espaços na mídia e nas gravadoras.

Desta vez, Peter Asher soube dirigir de forma mais eficaz a produção, centrando esforços para que os pontos de maior destaque fossem as canções, devidamente conduzidas pela agora impecável voz de Taylor e por seu violão robusto e até simples, mas de uma assinatura forte e cativante.

Para acompanhá-lo, além de Kortchmar e Carole, um time de músicos talentosos, tarimbados e capazes de seguir as diretrizes daquela sonoridade, entre os quais o baterista Russell Kunkel, que tocaria com Taylor durante muitos anos. Randy Meisner, que em 1971 integraria a formação original dos Eagles, marca presença tocando baixo nas faixas Country Road e Blossom. Outros nomes bacanas são John London (baixo) e Red Rhodes (steel guitar).

Com o repertório bem ensaiado, as gravações não demoraram muito, tendo sido realizadas entre os dias 8 e 17 de dezembro de 1969 no estúdio Sunset Sound, em Los Angeles.

Fire and Rain, um desabafo repleto de dor e emoção

Fire And Rain, a canção mais conhecida deste álbum, equivale a um retrato doído do momento difícil pelo qual James passava naquele 1968. Começa com a notícia tardia do suicídio de uma amiga de infância, Suzanne Schnerr. A morte ocorreu durante as gravações de James Taylor (o álbum), mas a notícia só foi revelada a ele após os trabalhos terem sido encerrados, o que o desagradou bastante.

“Just yesterday morning they let me know you were gone, Susan the plans they made put an end to you” (apenas na manhã de ontem eles me deixaram saber que você se foi, Susan, os planos que eles fizeram puseram um fim em você).

A seguir, ele deixa clara sua intenção, e também suas próprias aflições: “I walked out this morning and I wrote down this song, I just can’t remember who to send it to” (eu levantei essa manhã e escrevi esta canção, eu só não consigo me lembrar de para quem eu a irei enviar).

O relato fica ainda mais forte quando ele relembra simbolicamente que viu fogo e viu chuva, dias de sol que nunca passavam. Ou seja, muita dor. E completa: “I’ve Seen Lonely Times When I Could Not Find a Friend” (vi tempos solitários, quando não pude encontrar um amigo).

Outro trecho marcante é “Sweet dreams and flying machines in pieces on the ground” (sonhos suaves e flying machines em pedaços no chão), sendo que aí a citação ao fim precoce de seu grupo The Flying Machine é direta.

Acompanhados por uma melodia impecável e um acompanhamento instrumental na medida certa, Fire And Rain é até hoje uma das canções mais pedidas nos shows de James Taylor. Ele até brincou com isso na letra de uma canção que lançou em 1985, That’s Why I’m Here: “fortune and fame’s such a curious game, perfect strangers can call you by name, pay good money to hear Fire And Rain, again and again and again” (fortuna e fama é um jogo curioso, pessoas que você certamente não conhece podem te chamar pelo nome, pagar um bom dinheiro para ouvir Fire And Rain mais uma vez, e outra, e outra)

As outras canções de Sweet Baby James

As onze canções incluídas Sweet Baby James trazem como temas gerais a solidão, o sofrimento, a esperança, o amor, a estrada percorrida e os diversos caminhos da vida, como ilustra bem a já analisada Fire And Rain. Apenas uma não é de autoria de James Taylor. Trata-se de Oh! Susanna, composição de Stephen Foster lançada no longínquo 1847 e provavelmente a mais conhecida e popular canção folclórica americana de todos os tempos, aqui em uma releitura descontraída e personalizada.

A faixa que dá nome ao disco, constante nos set lists de Taylor desde então, é uma valsa country na qual ele se descreve como uma espécie de cowboy solitário, que sonha com garotas e copos e mais copos de cerveja e vive na estrada, nas montanhas e sem rumo. Bem um retrato dele naquela época, pois se revesava em casas de amigos, sem ter um lar fixo.

Lo And Behold é um blues a la James Taylor que questiona de forma bem-humorada os dogmas da religião. Singela, Sunny Skies divaga em torno de montanhas ensolaradas e alguma garota com esse nome-apelido.

Steamroller (também conhecida como Steamroller Blues) também frequenta os shows de Mr. Taylor até hoje, e é um blues mais ardido e também mais próximo dos parâmetros tradicionais deste gênero musical.

Outro momento mais conhecido do álbum, Country Road é um soft rock estradeiro, outra com Jesus no meio (ele é citado em várias das canções, por sinal, prova do aparente conflito do artista naquela fase de sua vida com as religiões). Blossom investe em delicadeza e louva uma garota, enquanto Anywhere Like Heaven também nos coloca de frente a divagações existenciais de um estradeiro.

Oh, Baby, Don’t You Loose Your Lip On Me é outro blues, bem curto e de teor bem sacana, por sinal.

A faixa que encerra o álbum, Suite For 20 G, tem uma origem bem divertida. Taylor estava na fase final do álbum, e ficou acordado com a gravadora que ele receberia 20 mil dólares (hoje equivalente a algo em torno de 140 mil dólares) logo que completasse o disco.

Como forma de acelerar o processo e por rapidamente a mão nessa grana toda, ele reuniu três canções inacabadas que tinha em mãos e fez essa suite, que no fim das contas ficou bem legal, com direito a citação de títulos de clássicos do rock and roll como Bonnie Moronie, Peggy Sue e Rockin’ Pneumonia And The Boogie Woogie Flu.

Um modelo para os próximos álbuns

Pode-se dizer sem susto que Sweet Baby James criou os parâmetros a partir dos quais os próximos álbuns de James Taylor seriam concebidos. Não só os dele, por sinal, mas os de muitos outros seguidores do bittersweet rock. Ele achou seu timbre de voz e o som ideal do seu violão neste álbum.

Em 16 de março de 1971, James Taylor concorreu na 13ª edição do Grammy nas categorias Record Of The Year (com Fire And Rain) e Album Of The Year (com Sweet Baby James), mas perdeu em ambas para Simon & Garfunkel com seu icônico Bridge Over Troubled Water (single e álbum).

No futuro, ele ganharia cinco desses troféus, venderia milhões de cópias de seus discos, tocaria para plateias lotadas nos quatro cantos de mundo, emocionaria as plateias de um certo festival realizado em janeiro de 1985 e muito mais, mas isso a gente conta em outra ocasião. Nada mal para alguém que ficou tão perto da morte ainda muito cedo, e que viu tanto fogo e tanta chuva. Um sobrevivente dos bons!

Ouça Sweet Baby James em streaming:

Freedom (1989), o álbum que trouxe Neil Young de volta ao lar

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Por Fabian Chacur

Neil Young sempre teve como marca registrada a imprevisibilidade. Em seus mais de 50 anos de trajetória artística, este cantor, compositor e músico canadense nunca teve medo de arriscar mudanças repentinas nos rumos de sua música. Muito produtivo e com uma quantidade enorme de itens em sua discografia, ele tem alguns trabalhos que se sobressaem por sua importância artística e estilística, e um deles, Freedom, está celebrando 30 anos de seu lançamento.

A década de 1980 foi certamente o período mais conturbado e menos popular da carreira do astro canadense. Ele iniciou essa era com um álbum bastante irregular, Re-Ac-Tor (1981). Logo após, saiu da gravadora Reprise para entrar na Geffen Records, onde ficou até 1987. Logo na estreia, assustou a todos ao apresentar Trans (1982), um mergulho inusitado na música eletrônica que não atraiu a atenção do público e não entusiasmou a crítica.

A partir daí, Young atirou para diferentes direções musicais. Rockabilly em Everybody’s Rockin’ (1983), country tradicional em Old Ways (1985) e rock básico com sonoridade modernosa em Landing On Water (1986) e Life (1987). O resultado comercial piorou de disco pra disco, o que gerou uma reação absolutamente absurda por parte da gravadora criada e dirigida pelo polêmico e bem-sucedido empresário David Geffen.

Ele simplesmente resolveu processar Neil Young, alegando que o artista estaria lançando discos totalmente fora de sua sonoridade habitual simplesmente para prejudicar a Geffen Records. O executivo perdeu a disputa, mas ficou nítido que não havia mais clima para que o criador de Harvest (1972) ficasse por lá.

Em 1987, de volta à Reprise (parte do conglomerado Warner), Neil reestreia na gravadora com outro disco improvável, This Note’s For You, no qual é acompanhado por uma banda de sonoridade blues/rhythm and blues com direito a sessão de metais e tudo. A faixa-título, ironizando o mundo da música e da relação com seus patrocinadores, consegue alguma repercussão, mas mantém o artista na parte mais baixa das paradas de sucesso.

Volta às raízes e bom resultado comercial

É neste cenário que Neil Young começa a trabalhar em um novo álbum. Em entrevistas dadas na época de lançamento, ele explicou suas intenções com esse lançamento: “Eu quis fazer um álbum Neil Young per se, sem assumir nenhum outro personagem que não eu mesmo; o produto final é quase como ouvir o rádio, que se mantém mudando e indo de uma coisa para outra”.

E foi exatamente isso o que ele fez. Trata-se do primeiro álbum de Neil Young evidentemente concebido especialmente para o formato CD, pois ultrapassa os 60 minutos de duração em suas 12 faixas. Nele, nada de incursões em sonoridades nunca antes experimentadas pelo artista.

No entanto, a diversidade de sons e de climas prevalece, assim como a inspiração das composições, prova de que valeu a pena ficar um tempão longe de sua “casa musical”, pois quando enfim voltou, o cara sentia saudades…

Fórmulas são reutilizadas em todo o álbum, sendo a mais evidente usar a mesma música na abertura e no encerramento, em versões acústica e elétrica, tal qual havia feito em Rust Never Sleeps (1979). Só que, desta vez, Rockin’ In The Free World se mostra mais maleável para a tarefa do que Hey Hey My My/My My Hey Hey, ficando ótima tanto na leitura voz e violão (gravada ao vivo em show em Long Island, EUA) quanto na elétrica e visceral que fecha o disco.

Rockin’ in The Free World tem uma letra que flagra o horror do mundo moderno em cenas como a de uma jovem mãe, que odeia o que fez com sua própria vida, abandonando o filho recém-nascido em uma lata de lixo, “mais uma criança que nunca irá à escola, nunca se apaixonará, nunca será cool”.

Rapidamente, tornou-se um verdadeiro hino do rock, e provavelmente a canção mais popular da carreira de Neil Young, sendo tocada ao vivo por artistas tão distintos como Pearl Jam, Bon Jovi, Suzy Quatro e G3.

Do folk romântico ao rock ardido

Duas das faixas incluídas em Freedom haviam sido gravadas para This Note’s For You, mas ficaram de fora. A hipnótica e longa Crime In The City (Sixty To Zero Part I) equivale a outra polaroide urbana, com direito a uma visão irônica de um produtor de discos que pede a seu assistente que lhe arrume um compositor “que tenha fome e seja solitário, e também me traga um cheeseburger e a nova edição da revista Rolling Stone”.

A outra dessa origem é a maravilhosa Someday, uma balada com tempero r&b cuja letra explora as várias possibilidades de finalizar uma situação que seu título (algum dia, em tradução livre) sugere, sendo o mais belo o da estrofe final: “abrace-me, querida, ponha seus braços em volta de mim, dê-me todo o amor que você tiver para me dar, amanhã poderá ser tarde, nós não temos de esperar por algum dia, não temos que esperar por algum dia”.

Vale registrar que mesmo em uma faixa tão bela e lírica, Young guarda lugar para pequenas passagens irônicas, como em uma estrofe sobre pregadores religiosos de TV e outra refente a trabalhadores em gasodutos, ambas com direito a corais, um reproduzindo a alucinada pregação dos pastores e outro o canto dos trabalhadores. O efeito é delicioso. A rádio Eldorado FM, em São Paulo, tocava Someday em sua programação, naquela época.

Ecos de Harvest e Comes a Time

Freedom oferece aos fãs de Neil Young algumas canções com ecos do trabalho mais melódico do artista em álbuns clássicos como Harvest (1972) e Comes a Time (1978). A estrela Linda Ronstadt, que participou dos megahits Heart Of Gold e Old Man, marca presença em duas maravilhas deste álbum.

No melhor esquema vozes e violão, Young e Ronstadt nos oferecem harmonizações vocais deliciosas e muita delicadeza na puramente folk Hangin’ on a Limb. Com outros músicos no acompanhamento, The Ways Of Love tem uma pegada mais country e traz como marca genial o arranjo baseado no Bolero de Ravel para o refrão, além da pedal steel guitar do iluminado Ben Keith.

Músicos que fizeram toda a diferença

Para acompanhá-lo neste álbum seminal, Neil Young convocou gente do mais alto gabarito. A cozinha rítmica é integrada por Chad Cronwell (bateria) e o saudoso Rick The Bass Player Rosas (baixo-1949-2014), que se mostram uma parceria sólida, consistente e versátil, encarando com categoria as diferenças rítmicas existentes durante todo o álbum.

Quando precisou de um segundo guitarrista, Young se valeu do talentoso Frank Poncho Sampedro, do grupo Crazy Horse, que também se incumbiu dos teclados. E temos também outro cara saudoso, Ben Keith (1937-2010), que além de sua marca registrada, a pedal steel guitar, também se incumbe do sax alto.

Completa o time o produtor e técnico de som Niko Bolas, que ao lado de Neil Young forma uma dobradinha batizada por eles como The Volume Dealers, com direito a logotipo próprio e tudo, parceria que rendeu muita coisa boa.

Faixas longas, homenagem a Jimi Hendrix…

Uma das grandes virtudes de Freedom é não entediar o ouvinte em momento algum. Na pesadíssima Don’t Cry, por exemplo, temos uma intencional ou não homenagem a Jimi Hendrix, pelo fato de o andamento e o arranjo lembrarem o de Voodoo Chile (Slight Return), do genial guitarrista. Uma porrada!

Longa e elaborada, Eldorado demonstra influência flamenca e traz ecos de faixas do artista dos anos 1970 como Cortez The Killer. Aliás, Eldorado saiu inicialmente em um EP que leva seu nome lançado apenas no Japão e na Austrália em abril de 1989, que trazia as faixas Don’t Cry, On Broadway e Eldorado e duas que não entraram em Freedom, Heavy Love e Cocaine Eyes.

No More também possui longa duração, por volta de seis minutos, e uma sonoridade intrigante, algo como um rock levemente ardido com um delicioso e cristalino riff de guitarra. A letra envolve a questão das drogas e da dificuldade não só de abandoná-las como também de substituir o lado bom de seu efeito por algo mais saudável e melhor.

Um belo cover e o momento mais rural

A única faixa que não leva a assinatura de Neil Young é a clássica On Broadway, obra dos lendários compositores Jerry Leiber, Mike Stoller, Barry Man e Cynthia Weil, lançada com sucesso pelo grupo vocal The Drifters em 1963 e cuja melhor gravação foi feita por George Benson no ao vivo Weekend In L.A. (1978).

A versão de Young é pesadíssima, com o apoio preciso de Rosas e Sampedro na cozinha e ele soltando o verbo na guitarra, em uma das melhores performances dele nesse instrumento durante todo o álbum.

A delicada Wrecking Ball, em tom menor, equivale a um momento no qual o astro canadense de certa forma investe em uma levada próxima da bossa nova, com um resultado incrível. E o lado mais caipira do álbum fica por conta de Too Far Gone, com todo aquele jeitão de country de Nashville dos tempos mais antigos.

Um disco de ouro após dez longos anos

Em termos de posição na parada de sucessos Freedom não voou tão alto, atingindo apenas o 35º lugar na lista apurada pela revista Billboard. Mas sua vendagem foi sólida, proporcionando ao roqueiro o seu primeiro disco de ouro em dez anos. O último havia sido em 1979, com o álbum ao vivo Live Rust.

Um grande e influente retorno à forma

Se as experiências que fez com outros ritmos e sons no período entre 1981 e 1988 foram extremamente válidas e com alguns momentos interessantes, elas também lhe renderam um certo descaso por parte de crítica e público. Com Freedom, ele ganhou novamente o coração desses dois setores, e iniciou uma nova fase dourada em sua carreira.

Não é de se estranhar que ele logo a seguir tenha sido considerado uma espécie de precursor do grunge, e novamente reverenciado em shows e na compra de discos por uma nova geração. Um reconhecimento merecido.

Nada melhor do que quando o artista consegue ser fiel a seus princípios artísticos e ao mesmo tempo obter um bom resultado comercial, e este é o grande mérito de Freedom, um dos melhores trabalhos da carreira desse nome indiscutível da história do rock and roll.

Faixas de Freedom:

Rockin’ In The Free World
Crime In The City (Sixty To Zero Part 1)
Don’t Cry
Hangin’ On a Limb
Eldorado
The Ways Of Love
Someday
On Broadway
Wrecking Ball
No More
Too Far Gone
Rockin’ In The Free World

Ouça Freedom na íntegra em streaming:

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