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Tuesday Night Music Club- Sheryl Crow (1993-A&M)

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Por Fabian Chacur

Em 3 de agosto de 1993, Sheryl Crow lançava Tuesday Night Music Club, o seu álbum de estréia. Aos 31 anos de idade, a cantora, compositora e musicista norte-americana era uma jovem veterana, com um currículo repleto de trabalhos interessantes. Faltava, no entanto, aquele algo mais para se tornar uma artista do primeiro escalão. E este trabalho proporcionou isso a ela, mas não sem uns belos percalços antes.

Nascida em Kenneth, Missouri (EUA) em 11 de fevereiro de 1962, filha de uma professora de piano e de um advogado que tocava trompete nas horas vagas, Sheryl se formou em educação musical na Universidade do Missouri em 1984 e logo começou a trabalhar como professora de música. Nos finais de semana, cantava em bandas e sonhava com uma carreira artística.

O produtor e músico Jay Oliver deu a ela suas primeiras oportunidades profissionais, escalando-a para gravar jingles para McDonald’s e Toyota. Após juntar um dinheiro, Sheryl resolveu mergulhar de vez no seu sonho e se mudou para Los Angeles em 1986. No ano seguinte, conseguiu uma oportunidade de ouro: ser backing vocals da turnê Bad, de Michael Jackson.

Até o início de 1989, a jovem cantora esteve com o Rei do Pop, com direito a um momento de destaque nos shows, quando interpretava I Just Can’t Stop Loving You ao lado do patrão, papel representado no álbum Bad pela cantora Siedah Garrett (também coautora do hit Man in The Mirror, do mesmo CD).

Fazer shows pelo mundo com Michael Jackson foi uma vitrine bastante útil para Sheryl. Naquele período, ela fez gravações ao lado de nomes importantes como Don Henley (dos Eagles), Belinda Carlisle (das Go-Go’s), Jimmy Buffett, Kenny Loggins e Neal Schon (do Journey e Santana).

O passo seguinte foi ter gravações próprias incluídas em trilhas de filmes, entre os quais Bright Angel, de 1990 (com a canção Heal Somebody), e Stone Cold, de 1991 (com a faixa Welcome To The Real Life).

Nessa época, entrou em cena na vida da futura estrela do rock um personagem que se mostraria decisivo. Era o cantor, compositor e músico Kevin Gilbert (1966-1996), que se tornou seu namorado e parceiro musical. Ele integrava a banda Toy Matinee e fazia trabalhos para gravadoras.

Ainda em 1991, graças à boa repercussão que sua canção Hundreds Of Tears (escrita por Sheryl em parceria com Bob Marlette- ouça aqui) teve ao ser incluída na trilha do filme Point Break (estrelado por Keanu Reeves e Patrick Swayze), ela foi contratada pela A&M para enfim gravar o seu primeiro álbum. Mas não seria assim tão fácil.

A gravadora escolheu um nome do primeiro escalão para se incumbir da produção, o britânico Hugh Padgham, conhecido por seus bem-sucedidos trabalhos com Phil Collins, Peter Gabriel, The Police e Sting.

O time de músicos envolvidos para a gravação desse álbum provavelmente incluiu músicos do gabarito de Dominic Miller (guitarra), Pino Palladino (baixo), Todd Wolfe (dobro e guitarra) e Vinnie Colaiuta. Não existe uma ficha técnica oficial disponível que possa confirmar 100% tal informação.

Programado para sair em setembro de 1992, o álbum teria as seguintes faixas (com os nomes dos autores quando essa informação for possível):

All Kinds Of People (Sheryl Crow- Eric Pressley-Kevin Gilbert), Father Sun, What Does It Matter, Indian Summer, Will Walk With You, Love You Blind. Near Me, When Love Is Over, You Want It All, Hundreds Of Tears (Sheryl Crow- Bob Marlette), The Last Time e Borrowed Time. O amigo Jay Oliver teria sido parceiro de Sheryl em algumas dessas composições.

Pouco antes de seu lançamento, no entanto, este álbum acabou sendo abortado em comum acordo entre a artista e a A&M. Aparentemente, ambas chegaram à conclusão de que aquele trabalho não conseguiria cumprir a missão de tornar Sheryl Crow uma grande estrela do pop rock.

Uma das razões pode ter sido a produção de Padgham, de alta qualidade técnica mas bastante impessoal nesta ocasião específica. Muitos teclados, bateria bombástica e solos um pouco exagerados são a marca registrada de uma sonoridade ainda muito ligada ao que se fazia na década de 1980.

No fim das contas, Sheryl também acabou deixando de lado as 12 composições, entre elas a única lançada anteriormente (Hundreds Of Tears), o ótimo rock Indian Summer (ouça aqui) e a balançada All Kinds Of People (ouça aqui), embora esta última lembre bastante Crazy, hit de Seal em 1991.

Duas dessas músicas acabaram sendo aproveitadas por outros artistas. All Kinds Of People foi gravada pela cantora country/contemporary christian Susan Ashton em seu álbum A Distant Call (1996), mesmo trabalho em que também gravou Hundreds Of Tears.

All Kinds Of People também seria regravada por Anita Hegerland (em 1994), Jill Johnson (1995), o grupo Big Mountain (1997) e Cherwin (1998), enquanto Hundreds Of Tears teria um registro do cantor Daryl Braithwaite em seu álbum Taste The Salt (1993).

Graças à pirataria, este álbum descartado pela A&M sairia em 1997 (ouça aqui) e hoje está disponível no Youtube, mas nunca teve uma versão oficial. Ouça e tire suas próprias conclusões.

Com um contrato a cumprir e uma primeira tentativa fracassada, Sheryl resolveu apelar para o namorado Kevin Gilbert, que a apresentou ao produtor e técnico de som Bill Botrell, dono de um pequeno estúdio em Los Angeles e que se reunia todas as terças-feiras com um time de músicos para jam sessions, parceria apelidada por eles de Tuesday Night Club.

De quebra, Botrell trazia como ótimas referências ser o coautor e coprodutor de Black Or White, megahit de Michael Jackson em 1991, e ter trabalhado na parte técnica para artistas como Thomas Dolby, Madonna, Tom Petty, Electric Light Orchestra e Travelling Wilburys.

Com essa turma, Sheryl mergulhou de cabeça na criação de um material que soasse mais personalizado e com a cara dela. E dessa forma nasceu o material contido em Tuesday Night Music Club, sem músicos badalados mas todos muito talentosos e capazes de oferecer um consistente som de grupo com uma assinatura própria para a candidata a estrela.

O time trazia, além da própria Sheryl Crow (vocal, guitarra e teclados), os músicos Kevin Gilbert (teclados, guitarra, bateria nas faixas Run Baby Run e All By Myself e baixo em All I Wanna Do), David Baerwald (guitarra), Bill Botrell (produção, guitarra, pedal steel), David Ricketts (baixo em Leaving Las Vegas), Dan Schwartz (baixo e assistente de produção) e Brian MacLeod (bateria, integrante das bandas Wire Train e Toy Matinee).

Tuesday Night Music Club é um trabalho coeso, com muita personalidade e centrado no pop rock com elementos de folk, country e jazz. Tinha tudo para dar certo, No entanto, não foi o que ocorreu inicialmente. Run Baby Run, o 1º single extraído do álbum, sequer entrou nos charts em setembro de 1993. What Can I Do For You bateu na trave em fevereiro de 1994. E Leaving Las Vegas, o 3º, não passou do nº 60 em abril de 1994.

Como forma de ser apresentada ao grande público, Sheryl começou a abrir shows de grupos e artistas como Big Head Todd & The Monsters, Crowded House e John Hyatt. Entre 7 de julho e 13 de setembro de 1994, abriu os shows da badaladíssima turnê Hell Freezes Over, que marcou o retorno dos Eagles do amigo Don Henley. Aí, as coisas começaram a andar.

Em outubro de 1994, All I Wanna Do, a faixa mais pop do álbum, atingiu o 2º posto nos EUA, e abriu caminho para que Sheryl Crow fosse uma das grandes vencedoras da 37ª edição do Grammy, em março de 1995, rendendo a ela três troféus- Record of The Year, Best New Artist e Best Female Pop Vocal Performance, todas graças a All I Wanna Do.

Aí, em 25 de março de 1995, Tuesday Night Music Club atingiu a sua posição máxima na parada ianque, um excelente 3º lugar, longos um ano e sete meses após o seu lançamento. O CD vendeu mais de 7 milhões de cópias no mercado americano e teve ótimas vendagens em vários países, tendo atingido o 8º posto nas paradas do Reino Unido.

Análise das faixas de Tuesday Night Music Club:

Run Baby Run (Sheryl Crow- Bill Botrell- David Baerwald- ouça aqui)

A marca registrada das canções deste álbum são histórias de personagens estradeiras, literalmente sem lenço e sem documento e em busca de suas identidades, destinos e sucesso. Mais ou menos a mesma situação de Sheryl e seus colegas, embora não dê para dizer com toda a certeza que se tratem de canções totalmente autobiográficas. Certamente tem ficção no meio, como deixa clara a abertura desta linda canção de tempero blues, que abre com um “ela nasceu em 1963 no dia que Aldous Huxley (o autor do livro Admirável Mundo Novo) morreu”, sendo que a cantora nasceu em fevereiro de 1962. Aqui, a garota, filha de hippies, aprendeu que o importante é “correr, baby, correr” em meio às dificuldades.

Leaving Las Vegas (Sheryl Crow- Bill Botrell- David Baerwald- Kevin Gilbert- David Ricketts- ouça aqui):

Neste folk rock compassado, temos Sheryl incorporando uma mulher saindo de Las Vegas após se cansar de tentar o sucesso na terra da jogatina insana e romantizada, dos shows bregas e das luzes brilhantes à noite e do clima de solidão no meio do deserto de dia. E se mandando de uma vez por todas, como ela ressalta. Outro momento bem ficcional com elementos reais, já que ela se mandou do Missouri rumo a Los Angeles, uma cidade totalmente envolvida com a música e o cinema.

Strong Enough (Sheryl Crow- Bill Botrell- David Baerwald- Kevin Gilbert- David Ricketts- Brian MacLeod- ouça aqui):

Aqui, a garota ficcional conta ao parceiro de momento os principais aspectos de sua trajetória, entre eles seus medos, desejos e carências. e sempre ressaltando a pergunta “seria você forte o suficiente para ser o meu homem?”. Destaques para a linda melodia, a slide guitar no melhor estilo country e uma interpretação apaixonada e contida na medida certa de Sheryl. Na parte final da canção, versos que denotam fragilidade e surgiriam novamente em outra composição incluída neste álbum: “minta pra mim, eu prometo que acreditarei, mas por favor não se vá”.

Can’t Cry Anymore (Sheryl Crow- Bill Botrell- ouça aqui):

Neste rockão com riff poderoso de guitarra que demonstra fortes influências de Lou Reed, a cantora mostra sua coragem para novamente sair de uma situação difícil pela razão mais simples: “não posso mais chorar”. O lamento pela má sorte e pelas situações difíceis recorrentes também surgem nos versos de uma pessoa que certamente não aguenta mais encrencas.

Solidify (Sheryl Crow- Bill Botrell- David Baerwald- Kevin Gilbert- David Ricketts- Brian MacLeod- Kevin Hunter- ouça aqui):

As canções de Tuesday Night Music Club saíram basicamente de jam sessions entre os músicos envolvidos, e esta funkeada e poderosa faixa é um dos exemplos mais evidentes, especialmente pelo fato de incluir uma letra bem vaga acerca de um relacionamento afetivo não muito estável e a questão básica de “porque eu deveria solidificá-lo?” Teria algo a ver com o namoro de Sheryl com Kevin Gilbert? Boa pergunta…

The Na-Na Song (Sheryl Crow- Bill Botrell- David Baerwald- Kevin Gilbert- David Ricketts- Brian MacLeod- ouça aqui):

Faixa simplesmente sensacional e contagiante, obviamente inspirada em I Am The Walrus, dos Beatles, que inclusive são citados ironicamente pelo fato de uma de suas canções (Revolution) ter sido usada em um comercial da Nike (sem autorização direta da banda, vale ressaltar). Um dos seus versos: “quero ser a Madonna, mas o preço é muito alto”. Mas quem acompanhou sua trajetória sabe que o preço para ser Sheryl Crow também não foi nada baixo. Essa canção teve uma versão anterior (e bem inferior), Volvo Cowgirl 99, que só viria à tona em 2009.

No One Say It Would Be Easy (Sheryl Crow- Bill Botrell- Kevin Gilbert- Dan Schwartz- ouça aqui):

Em outro momento introspectivo do álbum, temos aqui um rock mais lento com tempero bluesy no qual novamente o tema é uma situação de impasse perante dificuldades sérias vividas pelo personagem, com o refrão deixando tudo claro: “ninguém disse que seria fácil, mas também ninguém disse que seria tão duro, e que chegaríamos a esse ponto”.

What Can I Do For You (Sheryl Crow- David Baerwald- ouça aqui):

Entra em cena um rock balançado com uma letra na qual Sheryl faz uma ácida crítica ao cenário machista da música, no qual muitos esperam que a mulher seja obrigada a fazer “favores” aos executivos e produtores musicais para poder atingir os seus objetivos profissionais. “O que eu posso fazer por você ninguém no mundo de Deus pode fazer”, diz em um dos versos.

All I Wanna Do (Sheryl Crow- Wyn Cooper- Bill Botrell- David Baerwald- Kevin Gilbert- ouça aqui):

Em 1987, o poeta norte-americano Wyn Cooper escreveu o poema Fun, no qual dizia a frase “Tudo o que eu quero é ter um pouco de diversão antes de morrer”. E esse foi o mote utilizado por Sheryl na canção mais pop e dançante do álbum, que acabou se tornando o seu maior hit. O cenário é o de um barzinho no qual desconhecidos se divertem tomando todas as cervejas possíveis enquanto observam o mundo cotidiano lá fora, sem grandes perspectivas. E dessa forma desencanada ela não só divertiu os fãs de música pop e de rock como também se tornou enfim uma estrela da música.

We Do What We Can (Sheryl Crow- Bill Botrell- Kevin Gilbert- Dan Schwartz- ouça aqui):

Após o momento mais descontraído do álbum, surge uma canção intimista e com forte inspiração jazzística no qual um músico de jazz relembra dos tempos de outrora e de como as coisas atualmente não estariam mais tão animadoras. Mas, apesar desse clima levemente deprê, a esperança surge em versos como “mas é bom estar vivo, e essas são as escolhas que você faz pra sobreviver, você faz o que pode”. Levemente conformista, é fato, mas confortante. Sheryl convidou para fazer um lindo solo de trompete nesta gravação ninguém menos do que o seu pai, Wendell.

I Shall Believe (Sheryl Crow- Bill Botrell-ouça aqui):

A versão original de Tuesday Night Music Club era encerrada com essa canção comovente, na qual a personagem vai fundo naquele verso de Strong Enough e ressalta “venha para mim agora, mesmo que seja mentira, diga que tudo ficará bem, e eu acreditarei”. Para não deixar margem a dúvidas da sua necessidade em acreditar, ela usa a expressão “I shall”, que vai além da simples “I will”, como que ressaltando uma crença dogmática naquilo em que acredita. Neste caso, no amor de que ela tanto necessita. Se bem que temos uma pequena ressalva: “Por favor, diga honestamente que você não desistirá de mim, e eu acreditarei”. Belo fim para um belíssimo álbum.

All By Myself (Eric Carmen- Sergei Rachmanonoff- ouça aqui):

Uma das marcas registradas da carreira de Sheryl Crow é a sua participação em inúmeras trilhas de filmes e séries televisivas, álbuns celebrando obras de outros artistas e projetos desse tipo. Sua regravação de All By Myself, grande sucesso de Eric Carmen em 1975 surgiu dessa forma, e acabou sendo incluída na trilha sonora da novela global Pátria Minha, exibida entre julho de 1994 e março de 1995.

A gravadora Polygram, que na época distribuía os lançamentos da A&M Records no Brasil, resolveu então incluir All By Myself na tardiamente lançada edição nacional de Tuesday Night Music Club, com direito a uma chamada na capa do CD. A releitura ficou bem simpática, mas abaixo do resto do repertório deste grande álbum.

Tuesday Night Music Club ganhou em 2009 uma Deluxe Edition via Universal Music, com direito a um CD adicional e a um DVD com clipes e um pequeno documentário sobre a gravação deste trabalho (saiba mais sobre o seu conteúdo aqui).

Uma informação final: Sheryl Crow faria seus primeiros shows no Brasil em novembro de 1995, abrindo as apresentações de Elton John, que também fazia a sua estreia em palcos brasileiros. Tive a sorte de ver sua ótima apresentação em São Paulo, perdida por muitos fãs por causa do trânsito nas imediações da Arena montada na região do Ibirapuera.

Ouça Tuesday Night Music Club, de Sheryl Crow, em streaming:

Luiz Gonzaga Jr.- Luiz Gonzaga Jr. (EMI-Odeon-1973)

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Por Fabian Chacur

Quando lançou o seu 1º álbum, Luiz Gonzaga Jr. (1973), no ano em que completou 28 anos, Gonzaguinha já tinha uma trajetória com boas realizações em seu currículo. Não é de se estranhar que soe como um trabalho bastante maduro e bem formatado. Ele entrou em estúdio com experiência suficiente para dar conta do recado com categoria. Para situar bem o leitor, vamos fazer uma viagem por essa fase inicial da carreira deste grande cantor, compositor e músico.

Gonzaguinha foi fruto de um relacionamento de menos de dois anos entre seu pai, Luiz Gonzaga (1912-1989) e a cantora, dançarina e compositora Odaléia Guedes dos Santos. Eles se conheceram quando ela fez vocais de apoio em gravações do Rei do Baião, como integrante do coro de Erasmo Silva. Foi ele quem sugeriu a Gonzaga que hospedasse a jovem artista, que há pouco havia sido expulsa de casa.

Odaléia também atuava no Rio de Janeiro em dancings, salões de baile nos quais os frequentadores pagavam para dançar com as meninas disponíveis, que tinham cartões nos quais marcavam suas atividades. O músico pernambucano não aceitava o jeito mais independente e rebelde da parceira. Mesmo assim, tiveram um filho, que nasceu no dia 22 de setembro de 1945.

Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. teve pouca convivência com a mãe. Por volta de dois meses após o nascimento de Luizinho (como ele era chamado quando era criança), Odaléia foi diagnosticada com tuberculose, e precisou ser internada em Minas Gerais. Gonzagão, então, pediu aos padrinhos da criança, seus amigos desde que chegou ao Rio, em 1939, que cuidassem dele.

Entre idas e vindas, Odaléia acabou falecendo por volta dos 23 anos, quando o filho não tinha nem 4 aninhos. O pai se casou com Helena em 1948, e ela não aceitou que o sanfoneiro levasse o garoto para morar com eles. Aí, os padrinhos, Leopoldina (Dina) de Castro Xavier e Henrique Xavier Pinheiro, o Baiano do Violão, passaram a criar de forma efetiva Luizinho.

Dina sempre fez de tudo para manter o menino próximo do pai, levando-o para visitá-lo de forma regular. Morando no Morro do São Carlos, no célebre bairro do Estácio, um dos berços do samba carioca, Luizinho aprendeu as malandragens na rua e também se apaixonou pela música, inspirado no pai, no padrinho e naquilo que ouvia nas programações das rádios de então- boleros, sambas-canção, baião, som de orquestras etc.

Rebelde e introspectivo, Gonzaguinha resolveu aos 16 anos tentar se aproximar do pai de uma forma mais efetiva, indo morar com ele. A madrasta desta vez aceitou, mesmo a contragosto, e dessa forma duas pessoas com personalidades muito distintas foram aprendendo a se entender aos poucos, mesmo que aos trancos e barrancos.

O autor de Asa Branca queria que o filho tivesse um curso superior, “virasse doutor”, como se dizia na época. Luizinho estudava, mas a música sempre se mostrou uma opção profissional que cresceu cada vez mais na sua vida. E, ao contrário do que alguns pensam, foi exatamente o pai quem lhe abriu as portas na carreira que viria a exercer.

Em 1964, Gonzagão gravou pela primeira vez uma música de seu filho, Lembrança de Primavera (ouça aqui), incluída no seu álbum A Triste Partida e canção que Luizinho escreveu quando tinha apenas 14 anos.

Papai mostrou que tinha fé no seu rebento, pois em seu álbum seguinte, Quadrilhas e Marchinhas Juninas (1965), registrou mais duas canções dele, Matuto de Opinião (ouça aqui) e Boi Bumbá (ouça aqui).

O álbum Canaã (1968), de Gonzagão, marcou o auge desse período, pois inclui nada menos do que quatro composições assinadas por Luiz Gonzaga Jr.: Pobreza por Pobreza (ouça aqui ), Erva Rasteira (ouça aqui), Festa (ouça aqui) e Diz Que Vai Virar (ouça aqui).

Quando resolveu gravar um álbum com canções de novos valores da música brasileira, O Canto Jovem de Luiz Gonzaga (1971), o Rei do Baião obviamente não iria deixar seu filho de fora, e não só registrou Morena (ouça aqui) como convidou-o para um dueto na releitura de Asa Branca (ouça aqui).

Completa essa sequência a música From U.S. Of Piaui (ouça aqui), composição de Gonzaguinha que Gonzagão gravou em seu álbum Aquilo Bom (1972). Vale registrar que o jovem compositor, que raramente pedia dinheiro ao pai, teve como ganhos iniciais no mundo musical exatamente os direitos autorais provenientes dessas gravações.

Entre 1964 e 1972, portanto, Luiz Gonzaga gravou nada menos do que 9 composições do filho em seus discos. De quebra, ainda foi o padrinho de casamento do seu herdeiro em 1971, com Angela Porto Carreiro. Ou seja, aquela história de que eles só se entenderam a partir de 1979, quando gravaram juntos A Vida do Viajante, é pura balela.

Uma das razões pelas quais Gonzaguinha passou a morar com o pai foi para poder ingressar em uma universidade, algo que seus padrinhos não tinham como ajudá-lo a fazer em termos financeiros. E isso ocorreu em 1967, quando ele entrou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes com o intuito de se tornar economista.

A entrada no meio universitário o ajudou a se aproximar de outros talentos musicais. O primeiro trabalho de Gonzaga Jr. fora do universo do pai ocorreu quando compôs a trilha sonora da peça teatral Joana em Flor, do grupo teatral Arena da Ilha (no caso, a do Governador). Nessa mesma época, foi levado pela amiga Angela Leal (que depois se tornaria uma famosa atriz) a uma certa casa situada na rua Jaceguai nº 27, no bairro da Tijuca.

Naquela residência simples de classe média, o médico Aluizio Porto Carrero, que também era músico, fazia reuniões musicais no melhor espírito dos saraus de antigamente. Ele, a esposa Maria Ruth e as filhas Angela e Regina recebiam jovens amigos, geralmente estudantes universitários, para tocar música e conversar. Gonzaguinha se sentiu à vontade logo na primeira visita.

Em 1968, Gonzaguinha lançou o seu primeiro disco, um compacto simples produzido por conta própria incluindo Tema Joana em Flor (ouça aqui), da trilha da peça teatral Joana em Flor, e Pobreza por Pobreza (ouça aqui).

Esta última, além de ter sido posteriormente gravada pelo pai, participou do I Festival Universitário da Música Brasileira, realizado pela TV Tupi. A composição ficou entre as finalistas, e acabou incluída no LP do evento em interpretação do cantor Jorge Nery (ouça aqui ). E foi ali que ele conheceu um de seus melhores amigos na cena musical, Ivan Lins.

Vale dizer que, a partir de 1965, os festivais de música se tornaram a grande plataforma através dos quais os novos nomes chegavam ao grande público. Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jair Rodrigues, entre outros, ganharam fama participando dessas competições organizadas pelas emissoras de TV.

Interagindo na casa da rua Jaceguai com Ivan Lins (que também se tornou figura assídua por lá), Aldir Blanc, Cesar Costa Filho, Guinga e outros jovens talentos, Gonzaguinha foi mergulhando cada vez mais na cena dos festivais, e em 1969 foi o vencedor do II Festival Universitário, da TV Tupi, com a música O Trem (Você se Lembra Daquela Nega Maluca Que Desfilou Nua Pelas Ruas de Madureira?) (ouça aqui).

Com elaborado arranjo fortemente influenciado pelo jazz de artistas como Miles Davis e escrito pelo consagrado músico Luizinho Eça, O Trem recebeu vaias intensas do público, obviamente não preparado para ouvir algo tão refinado, e com uma letra profunda e inspirada na fugacidade e dificuldade da vida de uma pessoa comum.

A vitória valeu a Luiz Gonzaga Jr. um contrato com o selo Forma, da gravadora Philips. Naquele mesmo 1969, outro resultado expressivo: venceu na categoria melhor letra com Moleque (ouça aqui) no 5º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.

Em 1970, a turma da Rua Jaceguai resolve participar do 5º Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela Rede Globo. Embora apresentem suas músicas de forma individual, os integrantes usam coletes da mesma cor e se definem como MAU (Movimento Artístico Universitário).

Ivan Lins atinge o 2º lugar, com O Amor é o Meu País, e Gonzaguinha fica com o 4º posto com Um Abraço Terno em Você, Viu, Mãe? (ouça aqui), canção que cita Asa Branca e é claramente inspirada em Tropicália, também aproveitando elementos de versos da mesma.

No III Festival Universitário da Canção, Gonzaguinha participa com Parada Obrigatória Para Pensar (ouça aqui), que seguia a mesma fórmula elaborada de O Trem e lhe valeu um honroso 4º lugar na classificação geral.

O bom desempenho dos integrantes do MAU no 5º FIC chamou a atenção de sua organizadora, a TV Globo, que pensava em fazer um programa musical dedicado aos jovens. Surgiu, dessa forma, o Som Livre Exportação, que no início de 1971 trazia como apresentadores Ivan Lins e Elis Regina e a turma de universitários participando, entre eles Gonzaguinha.

Após o contrato inicial, de dois meses, a Globo ofereceu renovação a apenas três integrantes do MAU: Ivan, Gonzaguinha e Cesar Costa Filho. Eles aceitaram, e assim tivemos o fim do movimento. O programa durou aquele ano de 1971, e teve boa repercussão perante o público.

Gerou o lançamento de dois LPs com performances dos convidados e dos apresentadores, com duas músicas inéditas de Gonzaguinha: Eu Quero (ouça aqui), bastante inspirada em Batmacumba, de Gilberto Gil, e Raça Superior (ouça aqui), ironizando o brasileiro naquele momento.

Mesmo com a presença expressiva de Luiz Gonzaga Jr. nos festivais e na mídia, o selo Forma não se mostrava animado em investir em um LP dele. Naquele ano efervescente, lançaram apenas um compacto simples (com Afriasiamérica) e um compacto duplo que destacava a faixa Por Um Segundo.

Por Um Segundo (ouça aqui), com sua roupagem meio soul pop que caberia feito luva na voz de Wilson Simonal, foi a que mais tocou em rádios, e é excelente, embora à parte do estilo habitual do cantor e compositor carioca.

A experimental e roqueira Afriasiamérica (ouça aqui), a lírica e no melhor estilo voz e violão Felícia (ouça aqui) e a deliciosa Plano Sensacional (ouça aqui), com inspiração no estilo de Milton Nascimento, são provas da qualidade da sua produção na época.

O compacto duplo era completado por Sanfona de Prata (ouça aqui), uma tocante homenagem ao pai que ressalta sua proximidade com o povo e as viagens pelo país inteiro divulgando a cultura popular. Embora ainda em processo de amadurecimento, ele já merecia a deferência de lançar um LP.

Com o fim do Som Livre Exportação e o aparente desinteresse da Forma/Philips em investir mais forte na sua carreira, Gonzaguinha assinou em 1972 um contrato com a EMI-Odeon.

Sua estréia na nova casa fonográfica foi no formato compacto, trazendo uma nova e bem melhor versão de Pobreza Por Pobreza (ouça aqui) e Mundo Novo Vida Nova (ouça aqui), linda canção que em 1969 foi interpretada por Claudete Soares no 2º Festival Universitário da Música Brasileira e em 1980 seria gravada por Elis Regina no álbum Saudade do Brasil.

O último lançamento daquele 1972 foi Depois do Trovão (ouça aqui), que concorreu no 5º Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora e foi incluída no LP com músicas daquele evento em versão ao vivo voz e violão, na qual Gonzaguinha cita novamente Asa Branca.

As músicas lançadas pelo autor de Explode Coração no selo Forma foram reunidas e lançadas no CD Gonzaguinha (2001), em ótimo trabalho do pesquisador Marcelo Fróes. Só ficou de fora Raça Superior, lembrando que as versões originais de Tema Joana em Flor e Pobreza por Pobreza são de um compacto independente. Esta última entrou no CD com Jorge Nery.

Em 1973, portanto, Luiz Gonzaga Jr. estava mais do que pronto para lançar um consistente álbum de estreia. E foi exatamente isso o que ele fez. A direção musical ficou a cargo do então já veterano Maestro Lindolfo Gaya (1921-1981). Para atuar como assistente de produção, orquestrador e regente, entrou em cena o brilhante J.T. Meirelles (1940-2008), conhecido por sua atuação com o grupo Copa 5.

O principal mérito dos arranjos neste álbum é não se perder em climas rebuscados que eventualmente frequentavam algumas gravações na época. As roupagens sonoras procuravam enfatizar as letras e os vocais.

O disco não traz ficha técnica completa, mas é possível deduzir que o guitarrista e violonista Sidney Mattos(que é citado nos agradecimentos especiais) tenha tocado nele, pois o músico tinha sido colega de Gonzaguinha no MAU e está na ficha técnica do segundo álbum do artista, de 1974.

A capa é enigmática. De forma apressada, pode parecer uma foto do artista em um porta-retratos cujo vidro estaria rachado. No entanto, se olharmos mais atentamente, podemos imaginar que seja, na verdade, o reflexo de Gonzaguinha em uma janela ou espelho, que estava refletindo também uma árvore. Como a outra foto do álbum traz o cantor atrás de plantas, esta segunda hipótese se mostra a mais pertinente.

As 10 faixas deste trabalho giram em torno de estilos musicais que seriam constantes nos álbuns de Gonzaguinha. Basicamente, bolero, baião, samba e rock sob o viés de Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Vamos a uma análise música a música deste LP.

Sempre Em Teu Coração (ouça aqui)

O álbum abre com uma canção lírica, com um delicado arranjo de cordas ao fundo e violão conduzindo tudo. A influência do Clube da Esquina se mostra nítida. A letra é ambientada em um salão de danças, certamente inspirada na atuação da mãe Odaléia, e cita a Orquestra de Waldir Calmon (1919-1982), que viveu o seu auge na década de 1950, ou seja, na infância-adolescência de Gonzaguinha. Ele exploraria esse mesmo universo futuramente.

Minha Amada Doidivanas (ouça aqui)

Neste bolero estilizado, o ouvinte desavisado pode achar que se trata de alguém lamentando um amor persistente por uma pessoa que o despreza em nome de outra pessoa-paixão. No entanto, a citação de trecho do Hino Nacional Brasileiro (para ser mais preciso, “No Teu Seio Mais Amores”) e os versos “dói saber, amada tropicana, somente eu não estou a fim de te explorar, doidivana” deixam claro se tratar de lamentações contra a ditadura militar que deitava e rolava naquele cinzento Brasil de 1973.

Página 13 (ouça aqui)

Em sua carreira, Gonzaguinha sempre se mostrou um ácido cronista do cotidiano brasileiro. Aqui, em uma mistura de samba-canção e jazz rock (com passagens de metais e guitarra simplesmente matadoras), narra a tragédia ocorrida com um vizinho que ele tinha em grande conta por razões absolutamente superficiais, e que acabou virando estrela macabra de matéria em um jornal popular. Ele tira conclusões acerca de um cara que viveu por 10 anos na vizinhança, e que ele só encontrava no elevador e de quem nem sabia o nome, “ele nunca falou”. Obra-prima, raramente citada.

Românticos do Caribe (ouça aqui)

Essa faixa é mais uma prova concreta de como o romantismo sempre fez parte da obra deste artista, taxado por alguns apressados como “cantor-rancor” nessa sua fase inicial. Com direito a uma guitarra jazzística e musicalidade envolvente, o tema aqui é uma relação afetiva que de certa forma entrou no piloto automático, longe da paixão dos tempos iniciais. E o que Gonzaguinha propõe é exatamente isso, a retomada do prazer da dança ao som de um bom bolero à meia luz. O romance resiste!

Sim, Quero Ver (ouça aqui)

Com tempero de samba-canção e acompanhamento em ritmo meio marcial, o tema aqui é o desejo de ver a festa de volta, “sem máscaras negras e com o pierrot vencendo o arlequim”. Lógico que o assunto aqui é o repúdio à ditadura militar e o sonho do retorno à democracia. A interpretação sutil e delicada em termos vocais mostra o quanto o Gonzaguinha cantor havia amadurecido em relação aos anos anteriores.

A Felicidade Bate à Sua Porta (ouça aqui)

Um dos temas recorrentes de Gonzaguinha é o retorno da festa, da alegria, de um tempo mais alegre e pra cima, em meio àqueles anos de chumbo vividos durante a ditadura militar. Aqui a abordagem é do tipo vamos voltar aos bons tempos da felicidade com a ajuda de um certo trem da alegria, “e que importa a mula manca, se eu quero…”. O arranjo pende para o rock latino percussivo. Com uma roupagem disco music, esta canção se tornaria o primeiro hit das Frenéticas, em 1977.

Palavras (ouça aqui )

Este samba-canção com um certo tempero de fado é explícito ao condenar quem fala muito e não faz nada para minorar ou mesmo acabar com o sofrimento e a tristeza. O ouvinte mais atento pode identificar ecos melódicos de Negue (Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos), clássico da nossa música que fez sucesso nas vozes de Nelson Gonçalves, Maria Bethânia e até do Camisa de Vênus.

Moleque (ouça aqui)

Esta canção equivale a um auto-retrato do autor, lembrando de suas origens como moleque nas ruas do Morro do São Carlos, onde aprendeu muito sobre a vida e firmou sua personalidade irreverente, contestatória e inconformista. A gravação original de 1969 trazia um arranjo orquestral um pouco rebuscado demais. Aqui, o acompanhamento é exato, com ênfase na parte rítmica (bem nordestina), uma flauta precisa e o vocal de Gonzaguinha mandando uma de suas melhores letras. Ele a regravaria em 1977, em pot-pourry com Festa, no álbum intitulado, não por acaso Moleque Gonzaguinha. Uma das canções essenciais do songbook gonzaguiano.

Comportamento Geral (ouça aqui)

Se em outras canções tínhamos críticas feitas de forma um pouco mais sutil, aqui o filho do Rei do Baião vai direto ao assunto, ironizando o conformismo das pessoas ao aceitar as imposições dos patrões e dos ditadores de plantão. “Você merece, você merece, tudo vai bem, tudo legal, cerveja, samba e amanhã, seu Zé, se acabarem com o teu carnaval?”, diz o ácido refrão. Este samba fantástico foi lançado em compacto simples que rapidamente vendeu mais de 20 mil cópias, especialmente após ter sido apresentado no Programa Flávio Cavalcanti, uma das maiores audiências da TV de então. Outro momento estelar da obra de Gonzaguinha.

Insônia (ouça aqui)

O momento mais introspectivo e tenso do álbum, e que o encerra, começa com o tic-tac de um relógio e flagra alguém na cama, de madrugada, tenso e obviamente inseguro com aqueles dias cinzentos, com versos agudos como “e esse lençol gelado,e esse sono que não vem”.

A versão em CD de Luiz Gonzaga Jr. saiu em 1997 incluindo como faixa-bônus Depois do Trovão (ouça aqui).

Com a grande repercussão obtida por Comportamento Geral, a censura se mostrou implacável e determinou não só o recolhimento do compacto simples como também do álbum, que só seriam liberados novamente em 1980, quando vivíamos a abertura.

Embora reflita aquele tempo tão difícil, trata-se de um trabalho repleto de musicalidade, esperança e fé em um futuro melhor, e que seria uma espécie de template (molde) para os trabalhos posteriores de Gonzaguinha, artista que se valeu com rara habilidade da autorreferência e do desenvolvimento de um mesmo tema em várias canções diferentes, marca também de Belchior, vale registrar.

Ouça Luiz Gonzaga Jr. (1973) em streaming na íntegra:

Synchronicity- The Police (A&M Records, 1983): o adeus no auge

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Por Fabian Chacur

Na semana que se encerrou no dia 23 de julho de 1983, o álbum Synchronicity assumiu o 1º lugar na parada de sucessos dos EUA. Seriam 17 semanas não consecutivas de liderança no mercado mais disputado do mundo e também em vários outros países, encarando de frente adversários como Thriller, de Michael Jackson. O 5º álbum da carreira do The Police marcaria o seu auge em termos comerciais e criativos.

Duas faixas dele (Synchronicity I e Synchronicity II) tiveram como inspiração a teoria da sincronicidade, do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), que a grosso modo trata do que ele definia como “coincidências significativas”. E, de certa forma, foi uma coincidência significativa que deu início a este seminal trio.

Em 1976, o baterista norte-americano Stewart Copeland, filho de um funcionário da temida CIA e que viveu em vários países, incluindo Líbano e Egito, estava então radicado na Inglaterra e integrava o grupo progressivo britânico Curved Air. Após um show na cidade de Newcastle, aceitou o convite de um amigo jornalista e foi conferir o som de uma banda local.

O jazz rock do Last Exit não o entusiasmou muito, mas ele não teve como não notar a ótima voz e o inegável carisma de seu baixista, um certo Gordon Matthew Sumner. Como naquele momento ele pensava em sair do Curved Air para investir em um trabalho próprio, deu o seu telefone para o tal músico, dizendo para visitá-lo quando por ventura fosse a Londres, onde Copeland morava naquela época.

Gordon, que então já era mais conhecido pelo apelido Sting, por sua vez estava cansado da rotina na sua cidade, e pretendia se mudar para Londres com seu grupo para tentar a sorte grande. Após um show de despedida de Newcastle no final de 1976, ele fez as malas e partiu, com a esposa Frances e o filho, esperando que os colegas de banda o seguissem, o que não ocorreu.

Enquanto morava na casa de uma amiga e buscava alternativas para sobreviver, Sting um dia se viu próximo do endereço de Copeland, e resolveu ligar para ele. Em uma “coincidência significativa”, descobriu que o orelhão de onde falava (estamos no início de 1977) ficava a apenas alguns metros da casa do baterista. Em questão de minutos, estavam frente a frente.

Não demorou para se enfiarem em uma jam session que demorou muito tempo. Logo, Copeland expôs seu plano de largar mão do rock progressivo para tentar alguma coisa com o espírito do punk rock, que vivia um momento efervescente na cena britânica. De quebra, imaginava incluir elementos de outro gênero musical então em ascensão, o reggae. Sting, também meio entediado com o jazz rock, curtiu a ideia. Nascia o The Police.

O baterista queria que a banda investisse no formato trio, e então chamaram pro time o guitarrista corso Henri Padovani, que tinha toda a panca de músico punk. No entanto, após algumas apresentações e a gravação de um single indie, com as músicas Fall Out e Nothing Achieving, ficou claro que o grupo não iria adiante com um músico tão limitado na guitarra.

Aí, outra “coincidência significativa” se incumbiu de trazer pro time o cara que faltava. Mike Howlett, ex-integrante da banda franco-britânica Gong, buscava um novo rumo pra sua carreira.

Ele convidou Sting, que também havia conhecido ao ver um show da Last Exit, para participar de uma nova formação que estava criando, intitulada Strontium 90, que marcaria presença em um show na França que reuniria os ex-integrantes do Gong, cada um com seus novos trabalhos e depois todos tocando juntos, no final do evento, que contou com mais de 6 mil fãs.

Sting conseguiu incluir Copeland na oportunidade. Howlett precisava de um guitarrista, e se lembrou de um certo Andy Summers, músico já veterano que havia tocado com Eric Burdon & The Animals, Soft Machine e Mike Oldfield, entre outros, e que voltara para a Inglaterra após alguns anos radicado nos EUA. Ele adorou a chance de se enturmar novamente em Londres.

Rapidamente, Sting e Copeland perceberam, após poucos ensaios com o Strontium 90, que Summers era o cara ideal para o The Police, embora cerca de 10 anos mais velho do que eles. Mas como se livrar do simpático Padovani? No início, convidaram o novo amigo para entrar no grupo, que então virou um quarteto durante algumas semanas.

Como o Strontium 90 logo saiu de pauta, Summers resolveu a parada com um ultimato: ou Henry saía, ou seria ele quem pularia fora. E como Copeland era apaixonado pelo formato trio, a decisão se tornou inevitável. E coube a Sting dar a triste notícia a Padovani, que depois tocaria com Wayne County e posteriormente montaria sua própria banda, The Flying Padovanis.

Desde o começo, o The Police teve como marcas a ambição e a ousadia. Embora tenham se valido do espírito e da energia do punk, nunca compartilharam do niilismo dos seus seguidores mais irados. A musicalidade sempre deu as cartas na banda, e isso ficou claro logo em seu álbum de estreia, Outlandos D’Amour (1978), com os hits Roxanne e So Lonely.

Em função da bagagem musical anterior e do extremo talento de seus integrantes, fica difícil dizer que o trio britânico evoluiu de disco para disco. Na verdade, eles já começaram em um patamar bem alto, e apenas foram ampliando horizontes em cada novo trabalho, acrescentando sonoridades e temas em suas letras, tendo Sting como principal compositor, mas com os outros dois vivendo bons momentos neste setor.

Por sua vez, com o apoio do irmão de Stewart, o empresário Miles Copeland III, a banda arregaçou as mangas e se mandou pra estrada. Sua primeira turnê foi bancada por eles próprios, sem o apoio da gravadora que os havia contratado, a A&M Records, que ficou espantada com a ousadia dos rapazes. E valeu a raça, pois do começo em clubes suspeitos eles foram evoluindo a cada novo ano e novo lançamento.

Após o grande sucesso de Ghost In The Machine (1981), que acrescentou teclados e metais à sonoridade da banda (tudo tocado por eles mesmos- all noises by The Police, como escreviam na contracapa de seus álbuns), ficou no ar o clima de que seu próximo lançamento os alçaria ao topo do mundo pop. E foi precisamento o que ocorreu.

Em 1982, o The Police não lançou um novo álbum, tendo apenas participado, com dois temas instrumentais, da trilha do filme Brimstone And Treacle (1982), que também trouxe faixas individuais de Sting, entre as quais I Burn For You e Spread a Little Happiness, esta última seu primeiro hit solo na Inglaterra no formato single.

Sting também atuou como ator em Brimstone And Treacle , e marcou presença na trilha de Party Party (1982). Stewart Copeland compôs as trilhas sonoras para o filme Rumble Fish (1983), de Francis Ford Copolla e o espetáculo de dança King Lear, do San Francisco Ballet. E Andy Summers gravou I Advance Masked (1982) com Robert Fripp, do King Crimson.

Após tantos trabalhos paralelos, o trio voltou a se reunir em dezembro daquele mesmo ano para as gravações de seu novo álbum, mais uma vez contando com a coprodução de Hugh Padgham (ele estreou no álbum anterior) e realizadas no Air Studios em Montserrat, no Caribe, e no Le Studio, em Quebec, Canadá. Foram seis semanas de trabalhos, período até curto para um trabalho com tanta expectativa.

Vale registrar que naquele 1982, em função de o The Police ter momentaneamente sumido de cena, outros grupos influenciados pela sua sonoridade aproveitaram o vácuo momentâneo e se deram bem, especialmente os australianos do Men At Work, que com seu álbum Business As Usual ficaram durante 15 semanas no topo da parada americana entre novembro daquele ano e fevereiro de 1983.

Antes das gravações, Sting tirou uns dias e foi para a Jamaica, onde ficou em uma casa que pertenceu ao escritor britânico Ian Fleming (1908-1964), o criador do célebre personagem James Bond. A ideia era poder se concentrar na composição de canções para o novo álbum. E ele precisava mesmo se isolar um pouco, pois vivia um momento dos mais conturbados em sua vida.

Por um lado, conseguiu finalizar uma longa e desgastante disputa com a editora Virgin referente aos direitos autorais de suas canções, devido a um contrato draconiano assinado ainda nos tempos de vacas magras. Do outro, encarou uma dolorosa separação de Francis, com quem teve dois filhos, para ficar com a também atriz Trudie Styler, vizinha e melhor amiga de Francis.

Sting também começou a ler muitos livros, o que o inspirou a fazer letras mais profundas. A soma disso tudo levou o artista a criar um conteúdo um pouco mais intelectualizado, algo que se consolidaria ainda mais na sua carreira-solo a partir de 1985.

Synchronicity foi concebido para o formato LP, e suas 10 faixas foram distribuídas em duas metades bem distintas.

O lado A abre e fecha com canções baseadas na teoria da sincronicidade. Synchroniticy I (ouça aqui) investe em fúria e muita energia, como uma espécie de introdução a tudo o que viria a seguir no disco.

Walking in your Footsteps (ouça aqui) dá início às surpresas do álbum, com uma sonoridade tribal e percussiva, com direito a sopros certeiros e uma letra na qual Sting ironiza o ser humano, analisando a extinção dos dinossauros e insinuando que esse poderá se tornar o mesmo caminho da destruição da raça humana, apesar de nossa evidente arrogância.

Oh My God (ouça aqui), outro belo exemplar da fusão reggae-rock do grupo, traz versos de Sting que não só questionam a relação com Deus como exigem algum tipo de ação do mesmo, atitude que certamente pode ter horrorizado os mais carolas. O ritmo é envolvente e dançante.

Mother(ouça aqui), composição de Andy Summers, traz o guitarrista gritando, digo, cantando de forma desesperada, como se estivesse no divã de um psiquiatra, tendo como tema a obsessão pela mãe, claramente inspirada no filme Psicose (1960), de Alfred Hitchcock. Experimentalismo dos bons.

A insegurança gerada pela Guerra Fria entre os EUA e a então União Soviética é abordada de forma bem-humorada e sarcástica em Miss Gradenko (ouça aqui), composição de Stewart Copeland com forte influência da música africana, vertente que o baterista exploraria de forma ainda mais intensa em seu ótimo álbum solo The Rhythmatist (1985).

A primeira parte do álbum é encerrada com Synchronicity II (ouça aqui), que aborda o tema da sincronicidade de uma forma mais apocalíptica, clima muito bem explorado em seu clipe, que flagra os três músicos em um navio típico dos piratas conduzido em plena tempestade. O single foi nº 16 nos EUA e nº 17 no Reino Unido.

Propositadamente ou não, o lado B de Synchroniticy traz quatro canções de Sting que, analisadas a posteriori, equivalem às primeiras amostras do que seria a carreira-solo dele, com um material mais próximo do soft rock.

O início fica por conta do maior hit da história do The Police, Every Breath You Take (ouça aqui), que no formato single se manteve por 8 semanas no topo da parada americana. Um clássico do rock, que merece uma análise mais apurada em torno de suas contradições.

A estrutura desta canção é muito simples, e lembra a do rock balada do finalzinho dos anos 1950, que gerou hits como Diana (Paul Anka) e Oh Carol (Neil Sedaka). Essa similaridade é marcada pelo brilhante e ao mesmo tempo simples arranjo de guitarra de Andy Summers, que dá um charme todo especial, assim como a batida quase marcial da bateria de Copeland.

A bela melodia e a interpretação empolgada de Sting explicam o porque o público nos quatro cantos do mundo abraçou esta como uma linda canção de amor apaixonado, sendo tocada em bailinhos e mesmo em casamentos. No entanto, se notarmos bem sua letra, veremos que não é bem assim.

Na verdade, Sting assume nesses versos o papel de um cara obcecado por uma mulher que o deixou, dando verdadeiros recados levemente sinistros nos versos, como se fosse um stalker que vigiaria até o fim dos tempos a ex-parceira. Ele garante que não se inspirou em fatos reais, mas quem não acreditar nele não pode ser ironizado ou avacalhado…

Acredito não ter sido uma “coincidência significativa” o fato de Sting ter composto e gravado no seu álbum solo The Dream Of The Blue Turtles (1985) a sensacional If You Love Somebody Set Them Free (ouça aqui), cuja letra defende exatamente o contrário do hit anterior.

A forte carga emocional gerada pela sua separação certamente inspirou a faixa mais forte nesse aspecto do álbum, King Of Pain (ouça aqui). Ela se alterna entre um clima ora tenso e lento, ora de verdadeiro desabafo.

No formato single, King Of Pain foi o 2º maior hit do álbum, atingindo o 3º lugar nos EUA e um mais humilde 17º posto no Reino Unido. Um dos momentos mais aguardados dos shows da turnê Synchronicity era quando Stewart Copeland iniciava a música tocando vibrafone e saía correndo rumo à bateria, sem perder um único compasso e arrancando aplausos do público.

Wrapped Around Your Finger (ouça aqui), com seu clima sonoro introspectivo e reflexivo, traz como tema um tenso e cerebral duelo entre um mestre e seu discípulo, inspirada no pacto com o diabo do personagem mitológico alemão Fausto, celebrizado pela peça de Goethe. O clipe, com suas inúmeras velas, dá uma ambientação excelente para tal canção, que foi nº 8 nos EUA e nº 7 no Reino Unido, no formato single.

A versão original de Synchronicity é encerrada por Tea In The Sahara (ouça aqui), com seu espírito minimalista, andamento hipnótico e letra baseada no livro The Sheltering Sky (1949), de Paul Bowles. Essencialmente, fala sobre promessas não cumpridas. O livro foi adaptado para o cinema em 1990 por Bernardo Bertolucci e exibido no Brasil como O Céu Que Nos Protege.

As sessões de gravação de Synchronicity geraram mais três faixas muito boas, que vieram à tona inicialmente como lados B de singles e depois foram incluídas na espetacular e essencial caixa com 4 CDs Message in a Box- The Complete Recordings (1993).

Murder By Numbers (ouça aqui), belíssima e com sofisticada estrutura jazzística escrita em parceria por Sting e Andy Summers, foi incluída na versão em CD do álbum como a faixa de nº 11.

Someone To Talk To (ouça aqui) é de Andy Summers e traz como curiosidade o fato de Sting ter se recusado a cantá-la por não curtir a letra, algo que deixou o guitarrista (que teve de se incumbir da tarefa, com categoria, vale ressaltar) um pouco ressentido. Outra parceria de Sting com Andy Summers, Once Upon a Daydream (ouça aqui) envolve com sua linda melodia e uma interpretação doce e sutil do baixista.

A turnê de divulgação de Synchronicity foi até o início de 1984 e se tornou a mais bem-sucedida daquele período, com direito a um show em 18 de agosto de 1983 no Shea Stadium para cerca de 70 mil pessoas, quase 20 mil a mais do que o mitológico show dos Beatles no mesmo local em 1965. Foram 105 apresentações, realizadas de 23 de julho de 1983 a 4 de março de 1984 nos EUA, Europa, Austrália e Ásia.

O espetacular show em Atlanta foi registrado e lançado em VHS em 1984 com o título Synchronicity Live Atlanta 1983 (1984) e em versão remasterizada em DVD e com faixas adicionais em 2005, como Synchronicity Concert. No palco, a banda teve para auxiliá-los as backing vocalists Michelle Cobb, Tessa Niles e Dolette McDonald.

Quem poderia imaginar que Synchronicity seria o último disco de estúdio do The Police? Desde o seu lançamento, a banda fez em 1986 um pocket show para a Anistia Internacional e uma regravação de Don’t Stand So Close To Me. Em 2006 e 2007, realizaram uma turnê mundial, mas sequer foi cogitado gravar um novo álbum. Bem, ao menos acabaram no auge.

Ouça Synchronicity na íntegra em streaming:

The Captain and Me- The Doobie Brothers (1973)

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Por Fabian Chacur

Quando chegou à cidade de San Jose, na Califórnia, em 1968, Tom Johnston tinha como projeto desenvolver uma carreira como cantor, compositor e guitarrista de rock. Cinco anos depois, ele podia se considerar um vencedor. Após lançar dois álbuns, sua banda, The Doobie Brothers, despontava como uma das mais bem-sucedidas formações do rock americano naquela época (leia mais sobre eles aqui).

Naquele 1973, o novo desafio dos Doobies era manter a onda de sucesso gerada pelo icônico single Listen To The Music e pelo álbum Toulouse Street (1972). Isso, em meio a inúmeros shows e apresentações em TVs e rádios. Diante de tal cenário, Johnston e seu principal colega de banda, o também cantor, compositor e guitarrista Patrick Simmons, tiveram de mostrar muito jogo de cintura para conseguir material à altura de tal missão.

Para felicidade geral de todos, o entrosamento da formação que estreou no LP anterior se mostrou excelente. Tiran Porter (baixo e vocais) deu imensa consistência musical à banda, assim como os dois ótimos bateristas/percussionistas Michael Hossack e John Hartman, seguindo uma tendência de dois bateras em uma mesma banda criada inicialmente pelos Allman Brothers e mesmo Santana.

Como armas secretas adicionais, a banda trouxe como músicos de apoio para este álbum o tecladista Bill Payne, integrante da cultuada banda Little Feat, e o guitarrista Jeff Skunk Baxter, então tocando com o Steely Dan. De quebra, contaram com a programação de sintetizadores de Malcolm Cecil e Robert Margouleff, os mesmos que trabalhavam na época com Stevie Wonder.

Com essa escalação e também com a produção de Ted Templeman, que estreou com tudo na profissão em Toulouse Street e acabaria se tornando um dos grandes do setor, o grupo soube solidificar suas marcas registradas: vocalizações personalizadas, diversificação rítmica e o perfeito encaixe entre os riffs e a guitarra rítmica de Johnston com o dedilhado delicado de Simmons no violão e guitarra.

Resultado: The Captain and Me, o 3º LP dos Doobies, levou a banda pela primeira vez ao top 10 americano entre os álbuns mais vendidos, atingindo a posição de nº 7. Trata-se do ponto mais alto dessa fase inicial do grupo, e até hoje é considerado por muitos como o seu melhor trabalho. Vale uma análise faixa a faixa deste disco antológico.

Natural Thing (Tom Johnston) (ouça aqui)

Os timbres originais de teclados gerados pela programação de Cecil e Margouleff aparecem com muito destaque nesta faixa, com os sintetizadores Arp tocados por Johnston e Simmons. Com um refrão matador e uma levada um pouco mais pop, esta canção traz uma das marcas dos Doobies, que são letras positivas e pra cima, com versos do tipo “todos buscam ser amados, é a coisa natural”. Bela abertura de álbum!

Long Train Runnin’ (Tom Johnston) (ouça aqui)

Precisando de material urgente para o disco, Johnston resgatou um rascunho de música que ele havia apelidado de Osborn. Ouvindo sugestões de Ted Templeman, ele criou uma letra fazendo uma espécie de metáfora da vida como uma “longa viagem de trem”, com o refrão perguntado “sem amor, onde estaríamos agora?”. De quebra, foi criado um clima de rock latino, com ênfase em percussão e guitarra rítmica. Resultado final: um dos maiores hits da banda, que atingiu o nº8 nos EUA no formato single.

China Grove (Tom Johnston) (ouça aqui)

Mostrando mais uma vez seu grande talento em escrever rocks energéticos e diretos, Tom Johnston aumenta o peso na sua guitarra, com um efeito saturado inconfundível. De quebra, aproveita o enorme talento de Bill Payne para uma presença de destaque do piano, aliado a mais um daqueles refrões contagiantes. Resultado: outro single de sucesso, que chegou ao 15º lugar na parada ianque e entrou pra sempre no set list dos shows da banda.

Dark Eyed Cajun Woman (Tom Johnston) (ouça aqui)
Como forma de diversificar um pouco o clima sonoro, Johnston desta vez investe no blues homenageando B.B.King (especialmente o seu marcante hit The Thrill Is Gone). A roupagem ficou linda graças ao inspirado arranjo de cordas assinado por Nick De Caro, que trabalhou com James Taylor, Arlo Guthrie e Fleetwood Mac, entre outros.

Clear As The Driven Snow (Patrick Simmons) (ouça aqui)

Em sua primeira composição neste álbum, Patrick Simmons assume o vocal principal e fala, na letra, sobre o perigo do consumo de drogas, especialmente a cocaína. A canção começa com um clima folk, e depois investe em variações rítmicas energéticas que abrem espaço para solos e demonstram a extrema qualidade dos músicos desta grande banda. Esta faixa encerra de forma marcante o lado A do vinil.

Without You (The Doobie Brothers) (ouça aqui)

Creditada aos cinco integrantes do grupo naquela época, trata-se de um rockão pesado que faz uma homenagem ao The Who, e é outro momento daqueles em que a banda se permite improvisar de forma sólida e criativa. Bill Payne se incumbe do órgão e o produtor Ted Templeman também participa nos vocais de apoio. Os solos são simplesmente maravilhosos, de uma simplicidade e contundência exemplares.

South City Midnight Lady (Patrick Simmons) (ouça aqui)

Depois da virulência da faixa anterior, Patrick Simmons nos oferece essa linda canção folk-rock romântica, com direito a outro arranjo inspirado de cordas de Nick Caro e o piano de Bill Payne, além dos sintetizadores arp dando um tempero. Outro ponto arrepiante é a slide guitar a cargo de Jeff Skunk Baxter, que no ano seguinte seria oficializado como integrante dos Doobies, onde ficaria até o início de 1979.

Evil Woman (Patrick Simmons) (ouça aqui)

Patrick Simmons mostra que também sabe escrever rocks pesados, embora o vocal principal aqui traga Tom Johnston como protagonista. Temos não creditados vocais femininos no refrão, bem adequados se levarmos em conta que a letra fala sobre uma mulher muito, muito má mesmo!

Busted Down Around O’Connelly Corners (James Earl Luft) (ouça aqui)

A única faixa não escrita por um dos integrantes da banda é na verdade um curto e delicado (além de lindo) tema de violão acústico executado com maestria por Patrick Simmons e seus dedilhados inspirados.

Ukiah (Tom Johnston) (ouça aqui)

Com uma levada shuffle, a mesma usada pelo grupo brasileiro Capital Inicial em seu hit Música Urbana, de 1986 (ouça aqui), esta canção balançada traz lindos solos de Tom Johnston e inspiradas passagens de piano de Bill Payne.

The Captain and Me (Tom Johnston) (ouça aqui)

Um álbum tão bom não poderia ser encerrado de qualquer jeito, e a faixa-título se incumbe da tarefa com perfeição, trazendo um início folk e uma progressão que a impulsiona rumo a uma pegada percussiva final de tirar o fôlego. Outra performance magistral de Johnston e também dos vocais de apoio, uma das marcas registradas do som dos Doobies.

Toulouse Street e The Captain And Me marcaram tanto a trajetória dos Doobies que foram executados na íntegra no icônico Beacon Theatre, em Nova York, em 15 e 16 de novembro de 2018, performances que geraram em 2019 o álbum/DVD Live From The Beacon Theatre (leia a resenha aqui).

The Captain and Me– The Doobie Brothers (ouça o álbum em streaming):

The Beatles 1962-66 e The Beatles 1967-70 (Apple-1973)

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Por Fabian Chacur

Em abril de 1973, quando as coletâneas duplas The Beatles 1962-1966 (ouça aqui) e The Beatles 1967-1970 foram lançadas, vivíamos tempos muito diferentes dos atuais. Portanto, para falar dessas compilações e de sua importância na história da banda mais bem-sucedida de todos os tempos em termos comerciais e criativos, é inevitável uma boa análise do cenário da época em termos de indústria fonográfica e do próprio Fab Four.

A traumática separação dos Beatles havia ocorrido há apenas três anos, mas muita coisa ocorreu naquele curto período de tempo.

Para começo de conversa, tivemos o início da conscientização por parte do público e crítica de que aqueles menos de dez anos de trajetória da banda tinham sido absolutamente sensacionais, com direito a um legado incrível em termos musicais e comportamentais.

A força daqueles quatro filhos de Liverpool, Inglaterra, que viraram cidadãos do mundo, repetiu-se em suas performances nas carreiras individuais. Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e até mesmo o subestimado por alguns Ringo Starr logo emplacaram grandes sucessos sem a banda, algo extremamente incomum no universo da música pop. Único, até.

Nesse curto período entre 1970 e 1973, hits como Maybe I’m Amazed, My Sweet Lord, Another Day, Mother, Imagine, It Don’t Come Easy, Uncle Albert/Admiral Halsey, Back Off Boogaloo e Give Me Love (Give Me Peace on Earth), só para citar alguns dos gravados pelos quatro em suas vidas musicais pós-separação, os mantiveram no topo do universo pop.

Tal fato criou uma situação curiosa. Para fãs mais jovens, era difícil acreditar que aqueles caras já tinham um extenso currículo de sucessos prévios, antes de lançarem as músicas que os conquistaram. E surgiu a frase que era atribuída a fãs de McCartney e de seu grupo dos anos 1970: “você quer me dizer que o Paul McCartney fez parte de outra banda antes dos Wings?”.

E a explicação para esse aparente desconhecimento era relativamente simples. Até aquele momento, não existiam coletâneas de sucessos que dessem uma geral na carreira dos Beatles.

As coisas mais parecidas com isso tinham sido a compilação britânica (saiu no Brasil) A Collection Of Beatles Oldies But Goldies (1966), e a americana (também saiu por aqui) Hey Jude (1970), interessantes, mas incompletas e sem muito critério em suas seleções de faixas.

Como os álbuns dos Beatles foram lançados em versões muito diferentes pelos quatro cantos do mundo até 1967, quando Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band iniciou os lançamentos unificados em termos globais, também era difícil encontrar esses discos nas lojas, naquele período pós-separação da banda. Isso, mesmo com suas canções ainda tocando muito nas rádios.

A gravadora Apple só caiu na real de que estava perdendo dinheiro quando um selo pirata lançou em 1972 nos EUA Alpha Ômega, box com 4 LPs e 60 músicas dos Beatles (com direito a algumas das carreiras solo) que, acredite se quiser, era divulgada em comerciais na TV. Naquele momento, ficou claro que algo precisava ser feito para atender essa demanda.

E o projeto não poderia ter sido melhor desenvolvido. Ao invés de lançar um único álbum, eles se renderam ao fato de que o ideal seria fazer algo o mais abrangente possível, que pudesse ser uma boa porta de entrada no universo da obra dos Beatles. Separar as coletâneas em duas fases foi brilhante, a inicial, de 1962 a 1966, e a pós-fim das turnês, de 1967 a 1970.

The Beatles 1962-1966 traz 26 faixas, enquanto The Beatles 1967-1970 ofereceu ao público 28 canções. Os dois álbuns, lançados no formato de LPs duplos, traziam como atrativo adicional envelopes protegendo os discos com as letras de todas as canções, algo que os discos dos Beatles só passaram a ter também a partir do Sgt. Pepper’s (e nem todos!).

Para as capas, outra tirada brilhante. Eles aproveitaram uma ideia surgida para o que seria o álbum Get Back (que acabou virando Let It Be). Na capa do 1962-66, usaram um outro take da sessão de fotos da capa do LP Please Please Me (1963), e na do 1967-70, um registro feito em 1969 pelo mesmo fotógrafo, Angus McBean, no mesmo local, a sacada do prédio onde ficava a sede da EMI em Londres, com os novos visuais deles.

Diante de tantas canções de sucesso a serem escolhidas, alguns critérios aparentemente foram usados. No álbum vermelho (1962-66), ficaram de fora os covers que os Fab Four gravaram até 1965, como Twist and Shout e Roll Over Beethoven, e as canções compostas e/ou interpretadas por George Harrison como solista. As 26 musicas levam a assinatura Lennon-McCartney.

Se no álbum vermelho só uma música (Yellow Submarine) tem Ringo como vocal principal, o álbum azul (1967-70) inclui mais uma com o baterista (Octopus’s Garden, de autoria dele, por sinal) e quatro compostas e interpretadas por George Harrison- While My Guitar Gently Weeps, Here Comes The Sun, Old Brown Shoe e Something.

Outra provável diretriz seguida é o fato de que todas as canções, com as possíveis exceções de The Ballad of John & Yoko e Old Brown Shoe, são grandes sucessos em paradas de sucesso e em execução nas rádios.

Com tudo perfeito- embalagem, escolha de repertório e mesmo a divulgação, que ressaltava o fato de serem as primeiras coletâneas abrangentes e oficiais da banda- criou-se uma grande expectativa em torno do desempenho comercial das mesmas. Que foi amplamente premiada.

The Beatles 1962-1966 chegou ao 3º lugar na parada americana, enquanto The Beatles 1967-1970 foi ainda além, liderando a parada ianque em 26 de maio de 1973. Os Fab Four voltavam ao topo após três anos.

Foi a partir dali que o acervo de gravações dos Beatles começou a ser reaproveitado e a render ainda mais do que nos tempos da Beatlemania.

Se no período entre 1973 e 1992 isso ainda ocorreu de uma forma um pouco mais tímida, os relançamentos e novidades referentes à banda renderam e ainda rendem milhões à gravadora Universal Music (atual detentora dos direitos desses fonogramas) e aos músicos e seus herdeiros.

Curiosidade: The Beatles 1967-1970 ficou uma semana no 1º lugar na parada dos EUA, e foi sucedido por Red Rose Speedway, de ninguém menos do que Paul McCartney & Wings, que manteve a posição de liderança por três semanas. Adivinhem quem o destronou? O ex-colega de banda George Harrison, que com seu Living In The Material World assegurou a primeira posição por cinco semanas.

Essas coletâneas marcaram tanto que foram reeditadas no formato CD, a primeira vez em 1993, no formato caixinha e reproduzindo o conteúdo da embalagem original, e em 2010, desta vez no modo digipack e com o acréscimo de um encarte trazendo um bom texto com informações (algumas incorretas)e fotos adicionais.

The Beatles 1962-1966 foi o primeiro álbum duplo que comprei na vida, quando tinha apenas 12 aninhos de idade, e me lembro de que as rádios de São Paulo tocavam as músicas dos Beatles naquele período como se fossem lançamentos, às vezes seguidas por faixas de John, Paul, George e Ringo em suas carreiras individuais. Como não virar um fã também?

The Beatles 1967-1970- The Beatles (ouça em streaming):

The World is a Ghetto- War (1972)- a paz dos guerreiros

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Por Fabian Chacur

No dia 17 de fevereiro de 1973, o álbum The World is a Ghetto chegou ao topo da parada americana, onde se manteve por duas semanas, além de vender mais de 3 milhões de cópias por lá. Com este trabalho, a banda War atingiu o ponto máximo de sua carreira em termos de sucesso comercial e criatividade. Prova de que, sim, qualidade artística e ousadia podem gerar muito dinheiro. E a história em torno desta banda é das mais interessantes.

Tudo começou em 1962 em Long Beach, situada na região de Los Angeles, California (EUA), quando os adolescentes Howard Scott (guitarra, percussão e vocais) e Harold Brown (bateria, percussão e vocais) deram início à banda The Creators. No decorrer dos anos, entraram no time B.B. Dickerson (baixo, percussão e vocais), Lonnie Jordan (teclados, percussão e vocais), Papa Dee Allen (percussão e vocais) e Charles Miller (clarinete e sax).

O então sexteto foi pegando corpo e entrosamento graças a inúmeras apresentações em casas noturnas da Califórnia e arredores, e aos poucos criou um estilo próprio, com forte influência de música latina, jazz, rock, soul e r&b. O fato de terem acompanhado o saxofonista Jay Contreli também incorporou elementos de psicodelia ao seu som.

Nesse meio tempo, o cantor britânico Eric Burdon, que havia ganho fama mundial integrando a banda The Animals e depois Eric Burdon & The Animals, foi para os EUA em busca de novos rumos para a sua carreira. Ao lado do produtor Jerry Goldstein, conhecido ser o coprodutor dos hits Hang on Sloopy (1965), dos McCoys, e My Boyfriend’s Back (1963), dos The Angels, percorria Los Angeles em busca de possíveis novos parceiros.

O primeiro a ser arregimentado foi o dinamarquês Lee Oskar, que se mudou para os EUA com a roupa do corpo e a sua harmônica em busca de fama e tocava em bares em troca de dinheiro. Ele, Burdon e Goldstein queriam uma banda para acompanhá-los, e é aí que o The Creators, cujo nome havia sido trocado para The Nighshift, entra em cena. O trio os viu, curtiu seu som e os chamou para uma conversa.

Estávamos em junho de 1969. O papo foi muito produtivo, e o sexteto topou unir forças com eles. A única exigência foi a mudança de nome. Burdon e Goldstein sentiram que, em função da Guerra do Vietnã e do clima vigente, o nome War para um grupo musical poderia ser bem chamativo, e a nova entidade musical seria batizada como Eric Burdon & War.

Mesclando composições de autoria dos músicos a releituras de material de outros artistas devidamente repaginados, o grupo entrou em 1970 com um ótimo álbum de estreia, Eric Burdon Declares War, do qual foi extraído um single explosivo, Spill The Wine, que atingiu o 3º posto na parada norte-americana com sua levada latina e o vocal falado de Burdon.

O álbum, que chegou ao 18º lugar nos EUA, impulsionou shows da banda pelos EUA e também Europa. Em um deles, no dia 16 de setembro de 1970, no badalado Ronnie Scott’s em Londres, contaram com uma canja de ninguém menos do que Jimi Hendrix. Esse evento se tornaria histórico de forma triste, pois foi a última aparição pública do mago da guitarra, que morreria apenas dois dias depois.

Ainda em 1970, sairia Black Man’s Burdon, o 2º álbum do grupo, que chegou à 28ª posição na parada ianque. Em 1971, enquanto faziam shows bem concorridos, o grupo decidiu que iria investir em uma carreira paralela sem Burdon, e lançou War, álbum com pequena repercussão. O que eles não imaginavam é que o instável vocalista inglês sairia da banda em meio a uma turnê, novamente em busca de novos rumos.

Apesar da saída de Eric Burdon, Goldstein resolveu apostar na banda assim mesmo, confiando na qualidade dos caras como músicos e compositores. Naquele mesmo 1971, o agora septeto nos oferece All Day Music, e desta vez a coisa vai bem, com o disco chegando ao 18º lugar nos EUA e emplacando hits como a faixa-título e Slippin’ Into Darkness.

Era nesse clima positivo que o War iniciou os trabalhos para o que viria a ser o seu 3º álbum na fase pós-Eric Burdon. Jerry Goldstein estava tão animado que reservou o Crystal Studios, em Los Angeles, por 30 dias consecutivos, para que a banda pudesse trabalhar à vontade e sem se preocupar com o fim de sessões de um dia para outro. Períodos com 12 horas seguidas de duração das gravações eram comuns.

A ideia de Goldstein não poderia ter sido melhor, porque os sete integrantes do War sempre trabalhavam juntos, criando melodias, letras e arranjos das músicas de forma coletiva, tanto que todos assinavam a autoria das faixas, sendo que em uma ou outra Goldstein também adicionava o seu nome. E foi nesse espírito de time que surgiram as seis faixas de The World is a Ghetto.

O álbum saiu nos EUA em novembro de 1972, e trouxe como uma de suas marcas as letras com temáticas sociais e pacifistas, com direito a umas pitadas de bom humor e de espiritualidade no meio.

Uma análise das faixas de The World is a Ghetto

THE CISCO KID (4m35)- ouça aqui.

Nenhum dos integrantes do War é descendente de latinos. No entanto, o fato de terem sido criados na região de Los Angeles (com a óbvia exceção de Lee Oskar) incorporou à musicalidade deles forte salerosidade, percussão acentuada e um swing irresistível. Cisco Kid é um dos momentos mais emblemáticos e escancarados dessa vertente da banda, e homenageia em sua letra o personagem Cisco Kid, vivido pelo ator Duncan Renaldo (1904-1980) na TV americana entre 1950 e 1956.

Era, então, o único herói latino televisivo, e homenageá-lo deu ao War ainda maior penetração na população latina dos EUA. O single atingiu o 2º lugar na parada ianque, seu maior hit. O grupo premiou Duncan Renaldo, dando a ele um disco de ouro, em encontro eternizado por fotos icônicas.

WHERE WAS YOU AT (3m25)- ouça aqui.

Com uma variação rítmica impressionante, o septeto nesta música se vale da influência do funk de New Orleans, especialmente graças à batida irresistível criada pelo baterista Harold Brown. Outro ponto alto fica por conta dos vocais em uníssono duelando com o habitual vocalista líder, Howard Scott, outra das marcas registradas deste grupo, sempre com efeito contagiante.

CITY, COUNTRY, CITY (13h18)- ouça aqui

O War era uma banda auto-suficiente, pois não precisava de músicos de apoio ou de estúdio em seus shows e gravações. O talento, criatividade, ousadia e entrosamento deles explica faixas como esta.

A única totalmente instrumental do álbum abre com um clima sereno, pontuado pela harmônica de Lee Oskar, e depois envereda por variações pulsantes e envolventes que tornam seus mais de 13 minutos de duração mais do que justificáveis e de puro prazer auditivo.

Seu clima cinematográfico não é por acaso, pois foi concebida para integrar a trilha do filme The Legend of Nigger Charley (1972), mas a banda ficou insatisfeita com o tratamento que recebeu por parte dos produtores e preferiu ficar com City, Country, City para incluí-la neste álbum.

FOUR CORNERED ROOM (8m30)- ouça aqui.

O momento mais psicodélico do álbum, com um clima hipnótico e letra que mergulha nas questões particulares de cada pessoa, naquilo que ocorre internamente com cada um de nós e que ninguém percebe.

Outra prova contundente da qualidade dos músicos, com cada um aproveitando para desenvolver os seus solos mas sem cair no mero exibicionismo. Os poderosos vocais em uníssono e a alternância de sax e harmônica também dão um tempero extremamente envolvente.

THE WORLD IS A GHETTO (10m10)- ouça aqui.

Com uma letra poderosa e de forte conteúdo social, a faixa que dá nome ao álbum começa com um solo memorável de sax de Charles Miller, e depois mergulha em um clima soul e um refrão marcante. Novamente os vocais se mostram poderosos e impactantes, e a guitarra roqueira com pedal wah wah de Howard Scott também acrescenta mais poder a uma música impactante. Uma versão editada foi lançada no formato single e chegou ao 7º lugar nas paradas americanas, mas a do álbum é a melhor.

BEETLES IN THE BOG (3m51)- ouça aqui

O álbum é encerrado com uma canção balançada e divertida, no melhor estilo dançante e também com alguns ecos do som de Nova Orleans. Poderia ter sido lançada em single, mas isso não ocorreu, provavelmente pelo fato de o álbum ter sido um estouro de vendas, sendo apontado pela Billboard, a bíblia da indústria fonográfica norte-americana, como o mais vendido naquele país durante o ano de 1973.

OBS.: a versão remasterizada do álbum lançada em 2012 trouxe quatro faixas-bônus:

Freight Train Jam (5m26)- Ouça aqui– inclui trechos do refrão de The Cisco Kid

58 Blues (5m26)- Ouça aqui. Como o nome já entrega, um blues pontuado pela harmônica de Lee Oskar.

War is Coming (blues version)- ouça aqui. (6m15)

The World is a Ghetto (rehersal take)- Ouça aqui (8m06)-

Apesar do nome, o War sempre foi uma banda de cunho pacifista, o que pode se conferir nas letras de suas músicas. E essa somatória de músicas contagiantes e mensagens fortes deu a eles um grande sucesso comercial na década de 1970. Outros trabalhos marcantes viriam, mas World is a Ghetto é mesmo o seu momento máximo.

Curiosamente, o álbum ficou por muitos anos fora de catálogo por problemas com a gravadora, só retornando nos anos 1990 graças ao selo Avenue Records, criado por Jerry Goldstein exatamente para relançar os trabalhos dessa banda seminal.

The World is a Ghetto (single version)- War:

Private Eyes (1981/RCA), o auge de Daryl Hall & John Oates

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Por Fabian Chacur

Daryl Hall e John Oates se conheceram quase que por acaso, em 1967. Eles participavam de um concurso de bandas em sua cidade natal, Filadélfia (EUA), e, ao fugirem de um quebra-pau generalizado entre gangues presentes, foram parar em um elevador. Do agradável papo informal entre eles, surgiria uma sólida amizade que os levou a criar a dupla, anos depois. Em 1972, saiu o seu primeiro álbum, Whole Oats.

Sempre ativos e inquietos, eles mergulharam a partir dali em uma trajetória recheada de altos e baixos, sem medo de experimentar e também de pagar em termos comerciais por tal ousadia. Em 1977, emplacaram seu primeiro single no 1º lugar da parada americana, Rich Girl, e passaram a tocar em grandes espaços, com sua mistura de rock, soul, pop e folk. Trabalharam com vários produtores, entre os quais os seminais Arif Mardin e Todd Rundgren.

Após gravarem com o então iniciante David Foster os álbuns Along The Red Edge (1978) e X-Static (1980), eles foram aconselhados pelo produtor (depois consagrado por seus trabalhos com Earth, Wind & Fire, Céline Dion e Michael Bublé, entre outros) a encarar o desafio da autoprodução. E os caras resolveram tentar, para ver no que dava.

Para não darem um pulo no escuro, convidaram o britânico Neil Kernon, que tinha no currículo gravações como engenheiro de som e mixador para artistas como David Bowie, Elton John, Supertramp, Marc Bolan, Neil Sedaka, The Mahavishnu Orchestra e Yes, para ser o seu braço direito na realização do álbum Voices (1980). E deu super certo!

Voices atingiu o 17º lugar na parada americana, seu melhor resultado com um álbum até aquele momento, e de quebra lhes proporcionou o seu segundo single no nº 1 nos EUA, Kiss On My List. Essa faixa chegou ao topo da parada ianque em junho de 1981, exatamente quando Hall & Oates estavam em meio às gravações do sucessor de Voices.

Com Kernon promovido à condição de coprodutor, eles também centraram esforços no sentido de contar com músicos que integravam a sua banda de apoio nas gravações, entre os quais o guitarrista G.E. Smith e o saxofonista Charlie De Chant, atitude que lhes ajudou a criar um som realmente de banda, muito mais coeso e com assinatura própria.

O estouro de Kiss On My List durante as gravações gerou consequências. Deve ter ficado claro para o duo que eles precisariam ter outra música nesta mesma direção no novo trabalho. E, desta forma, surgiu Private Eyes, que não existia quando o repertório inicial foi selecionado. E aí, vale destacar duas importantes auxiliares no trabalho da dupla.

Sara Allen, namorada durante mais de 20 anos de Daryl Hall e a musa inspiradora do maravilhoso hit Sara Smile (de 1975), não demorou a se tornar uma parceira constante nas composições da dupla, ajudando nas letras. E, junto com ela, trouxe a irmã, a também compositora Janna (1957-1993), que passou a colaborar em termos musicais. E foi exatamente ela quem trouxe o material que gerou essa nova canção.

Segundo depoimento de Hall no livreto da caixa Do What You Want Be What You Are (2009), tal música foi praticamente feita por completo por Janna, sendo que ele, Sara e Warren Pash deram os retoques finais. E que golaço! Private Eyes não só ficou com a mesma vibração e linha musical de Kiss On My List (e sem soar como mera cópia) como foi ainda melhor.

Essa música virou a faixa-título do álbum, que naquela altura do campeonato estava cotado para levar o nome de outra faixa bacana, Head Above Water. Mais: no formato single, deu à dupla a sua 3ª canção nº 1 nos EUA, liderando os charts de lá durante duas semanas no mês de novembro de 1981, divulgada por um clipe simples e divertido no qual a dupla e seus músicos usam sobretudos típicos de detetives particulares (veja o clipe aqui).

Curiosamente, o outro grande hit deste álbum, I Can’t Go For That (No Can Do), também surgiu de forma inesperada. Após uma longa sessão de gravações, com os músicos já devidamente dispensados, Daryl ficou brincando com uma nova bateria eletrônica que havia adquirido há pouco, a Roland CompuRhythm. Ao curtir uma determinada levada rítmica, começou a fazer uns riffs com um teclado. E gostou do que ouviu.

Ele teve duas reações imediatas. Uma foi pedir para Neil Kernon se preparar para gravar o que ele estava fazendo, e outra foi chamar correndo John Oates, que já estava colocando a guitarra no estojo, para lhe dar uma força. E foi dessa forma que saiu a gravação dessa música, que depois ganhou um marcante e icônico solo de sax de Charlie De Chant.

Com sua batida hipnótica e sonoridade minimalista e inovadora, I Can’t Go For That (No Can Do) (veja o clipe aqui) se tornou o 4º single nº1 da dupla, atingindo essa posição em 30 de janeiro de 1982. Curiosamente, essa música conseguiu tirar do topo dos charts americanos Physical, o mega-hit de Olivia Newton-John, que se manteve por 10 semanas consecutivas nessa posição, cujo posto por sua vez tomou justamente de Private Eyes!

Private Eyes, gerou mais dois hit singles. O pop rock no melhor estilo new wave Did It in a Minute atingiu a posição de nº9 nos charts americanos em maio de 1982, enquanto o delicioso rock balançado Your Imagination, com outra participação matadora de Charlie De Chant no sax, chegou ao 33º lugar em agosto daquele mesmo ano. Mas o álbum também tem coisas ótimas entre as músicas restantes.

Em todo álbum da dupla, John Oates sempre ficava com uma ou duas músicas nas quais era o vocalista principal. Neste aqui, tivemos duas bem legais. Mano a Mano, com uma letra que prega o companheirismo e a solidariedade entre as pessoas, é um rock com levada meio latina que não faria feio em um disco de Carlos Santana. Já Friday Let Me Down segue a linha new wave, com pique bem rapidinho e dançante.

Uma das grandes e assumidas influências de Daryl Hall foram os Temptations. Tanto que o primeiro grupo dele se chamava The Temptones, e inclusive chegaram a abrir shows para eles. Como forma de homenageá-los, ele escreveu Looking For a Good Sign, encantadora canção no melhor estilo Motown dos anos 1960, e que no encarte do álbum é dedicada aos cinco integrantes da formação clássica daquele grupo.

Head Above Water perdeu a honra de ser a faixa-título do álbum e nem single virou, mas é um rockão energético dos melhores. Uma curiosidade: quando se imaginava a capa do álbum com essa música como título, surgiu a sugestão de se escrever Head Above H20. E o LP seguinte de Daryl Hall & John Oates foi intitulado…. H20 (1982)!

Com batida midtempo e belas intervenções de guitarra de G.E. Smith, Unguarded Minute foi o lado B do compacto I Can’t Go For That (No Can Do), e soa como uma espécie de hit que não foi, de tão boa. Tell Me What You Want também segue a levada new wave, enquanto Some Man encerra o álbum com uma sonoridade pop mais experimental e das mais interessantes.

Este álbum atingiu o maior posto de um LP/CD na carreira da banda nos EUA, o 5º lugar, conquistando o 8º posto no Reino Unido. Private Eyes é a prova cabal de como é possível fazer um trabalho ao mesmo tempo criativo, com assinatura própria e também capaz de vender milhões de discos. Eis a magia no trabalho de Hall & Oates, que sempre trabalharam duro e conseguiram realizar os seus objetivos.

Ficha técnica do álbum Private Eyes:

Lançado em 1º de setembro de 1981 pela RCA.

Produzido por Daryl Hall & John Oates, coprodução de Neil Kernon

Músicos participantes:

Daryl Hall (vocal, teclados, sintetizadores, guitarra, mandar, mandola, mandocella, timbales e cumpurythm; John Oates (vocal, guitarra, mandar, teclados); G.E. Smith (guitarra solo e solos de vandaloo); Jerry Marotta (bateria); John Siegler (baixo); Charlie De Chant (sax); Larry Fast (sintetizadores, programações eletrônicas); Mickey Curry (bateria nas faixas 1,2,4 e 6); Chuck Burgi (bateria na faixa 10); Jeff Southworth (solo de guitarra na faixa 9); Ray Gomez (solo de guitarra na faixa 3); Jimmy Maelen (percussão); John Jarrett (vocais de apoio na faixa 4).

Faixas:

1- Private Eyes (Sara Allen- Janna Allen- Daryl Hall- Warren Pash)

2- Looking For a Good Sign (Daryl Hall)

3- I Can’t Go For That (No Can Do) (Daryl Hall- John Oates- Sara Allen)

4- Mano a Mano (John Oates)

5- Did It In a Minute (Daryl Hall- Janna Allen- Sara Allen)

6- Head Above Water (Daryl Hall- John Oates- Sara Allen)

7- Tell Me What You Want (Daryl Hall- Sara Allen)

8- Friday Let Me Down (Daryl Hall- John Oates- Sara Allen)

9- Unguarded Minute (Daryl Hall- John Oates- Sara Allen)

10- Your Imagination (Daryl Hall)

11- Some Man (Daryl Hall)

Private Eyes- ouça em streaming o álbum completo:

Gonna Take a Miracle- Laura Nyro and Labelle (CBS, 1971)

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Por Fabian Chacur

Em 1971, Laura Nyro era uma jovem veterana. Aos 24 anos de idade, já tinha no currículo quatro excelentes álbuns, repletos de composições inéditas de grande originalidade e apelo pop. Algumas dessas canções, como Wedding Bell Blues, Stoned Soul Picnic, And When I Die, Eli’s Comin’ e Save The Country, atingiram os 1ºs postos das paradas de sucesso com intérpretes do naipe de Barbra Streisand, The Fifth Dimension, Blood Sweat And Tears e inúmeros outros.

Ao intercalar, durante os shows que realizou em 1970, músicas de outros autores em seu repertório autoral, sentiu a boa reação por parte de seus fãs e resolveu encarar o desafio de gravar um álbum completo com material alheio.

Selecionou 11 canções (duas delas interpretadas no formato pot-pourry), lançadas entre 1954 e 1970 e abordando basicamente o universo dos grupos vocais de soul, especialmente aqueles oriundos ou inspirados no doo wop, valendo-se de vocalizações em alguns momentos derivadas do scat singing do jazz e também dos improvisos apaixonados do gospel.

A ideia era ousada, pois aquele tipo de música estava meio que deixado de lado naquele momento, e provavelmente nem todos haviam percebido que aquelas belas e de certo modo ingênuas canções de amor se tornariam grande clássicos pop com o decorrer dos anos. Para dar contornos ainda mais potentes ao trabalho, Laura não poderia ter sido mais feliz ao escolher duas parcerias decisivas para tornar Gonna Take a Miracle, o álbum em questão, um clássico.

Para a produção, a cantora e compositora escolheu uma promissora dupla radicada na Filadélfia que em breve invadiria as paradas de sucesso produzindo e compondo músicas para artistas icônicos como Billy Paul, The O’Jays, Harold Melvin And The Blue Notes e tantos outros. Kenny Gamble e Leon Huff escalaram um elenco de craques para acompanhar o piano swingado de Laura, entre os quais destacam-se Jim Helmer (bateria), Norman Harris e Roland Chambers (guitarra) e Ronnie Baker (baixo), além dos arranjos de metais e cordas a cargo de Tom Bell, Lenny Pakula e Robert Martin.

A cereja do bolo ficou a cargo da participação do grupo feminino Labelle. Na ativa desde meados dos anos 1960, inicialmente como Patti LaBelle & The Blue Belles, o trio vocal incluía as cantora Patti LaBelle, Nona Hendryx e Sarah Dash. Excelentes cantoras, elas incorporavam de forma intensa o formato dos girl groups do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, e se encaixaram feito luva no projeto. Também com muita fome de bola, pois elas só estourariam em 1974 com o megahit Lady Marmalade. Aproveitaram e bem a vitrine.

Das 11 músicas, três vieram do repertório do efervescente grupo feminino da Motown Records Martha & The Vandellas. Sem desrespeitar as melodias originais, Laura, Labelle e os músicos souberam trazer aquelas canções maravilhosas para o contexto do álbum e dar a elas uma nova roupagem, uma nova assinatura, com direito a improvisos, aceleração dos ritmos em alguns momentos e muita alma nas interpretações. Laura Nyro sempre foi uma branca de alma negra, no melhor sentido que essa expressão possa ter.

Afinal de contas, o início da carreira daquela moça oriunda de Nova York foi precisamente cantando com grupos vocais, a capella (só vocais), nas esquinas daquela cidade, perto de estações de trem. Isso explica o porque a faixa que abre o álbum vai só no gogó até um minuto e pouco, uma bela reverência a essa época mágica. Mas vamos a uma análise faixa a faixa, com informações e tudo o mais.

I Met Him On a Sunday (S.Owens- D.Coley- A. Harris- B. Lee)- Gravada em 1958 pelas Shirelles.

O álbum tem início com uma faixa que vai até a metade a capella, e já entrega logo de cara o entrosamento entre Laura e as meninas do Labelle.

The Bells (I. Bristol- G. Gaye- M. Gaye- E. Stover)- Gravada em 1970 pelos The Originals.

Uma arrepiante balada gospel, faixa mais recente do repertório, mas com uma inspiração claramente extraída daquelas canções do final dos anos 1950.

Monkey Time (Curtis Mayfield)/ Dancing In The Street (W. Stevenson- M. Gaye- I. Hunter)- Gravadas respectivamente por Major Lance em 1963 e por Martha & The Vandellas em 1964.

No formato pot-pourry, foram unidas duas canções hiper pra cima. O resultado é de tirar o fôlego, especialmente em sua parte final, com Laura e suas meninas dialogando com muito swing.

Desiree (L. Cooper- C. Johnson)- Gravada por The Charts em 1957.

Uma balada delicada, na qual Laura esbanja sensibilidade e doçura.

You’ve Really Got a Hold On Me (W. Robinson)- Gravada por Smokey Robinson & The Miracles em 1962 e pelos Beatles em 1963.

Aqui, Laura Nyro, Labelle e os músicos fazem uma verdadeira façanha, que é fazer frente a duas gravações brilhantes feitas anteriormente. A performance do time todo, especialmente na parte final, em uma aceleração de ritmo e improvisação vocal empolgantes, é de aplaudir de pé.

Spanish Harlem (J. Leiber- P. Spector)- Gravada por Ben E. King em 1960.

Pausa para outro momento mais lento, mas com sensualidade latina que se encaixa feito luva na letra.

Jimmy Mack (B. Holland- L. Dozier- E. Holland)- Gravada por Martha & The Vandellas em 1967.

Releitura repleta de pura energia que não fica nada a dever à clássica versão original do grupo vocal liderado pela grande Martha Reeves, uma das grandes cantoras reveladas pela Motown Records.

The Wind (N. Strong- B. Edwards- W. Hunter- Q. Ewbanks- J. Gutierrez)- Gravada por Nolan Strong & The Diablos (1954).

Tem um clima etéreo, de sonho mesmo, é a mais antiga das canções escolhidas por Laura, e simplesmente encantadora.

Nowhere To Run (B. Holland- L. Dozier- E. Holland)- Gravada em 1965 por Martha & The Vandellas.

Mais um petardo do repertório de Marta & The Vandellas que Laura e sua turma da pesada releem com uma garra absurda. Difícil alguém ouvir essa gravação e não começar a dançar e a bater palmas para acompanhar. A performance dos músicos aqui também merece destaque, especialmente a do baixista Ronnie Baker.

It’s Gonna Take a Miracle (T. Randazzo- B.Weinstein- L. Stallman)- Gravada por The Royalettes em 1965 e Deniece Williams em 1976.

O álbum é encerrado por uma canção romântica daquelas de arrepiar, que deixa o ouvinte com aquele gostinho de quero mais ao concluir a audição desses pouco mais de 33 minutos de mero prazer auditivo.

Não muito tempo após o lançamento de Gonna Take a Miracle, que atingiu o nº 46 na parada pop americana, Laura se casou com o carpinteiro e veterano da Guerra do Vietnã David Bianchini. Só teríamos um novo álbum dela em 1976, quando seu casamento já havia se encerrado. Entre idas e vindas, ela se manteve na ativa até 1997, quando nos deixou precocemente, aos 49 anos, vítima de um câncer de ovário, lamentavelmente a mesma razão e a mesma idade em que sua mãe a deixou, nos anos 1970.

Ouça Gonna Take a Miracle- Laura Nyro And Labelle em streaming:

Pocket Full Of Kryptonite (1991), o álbum da vida dos Spin Doctors

pocket full of kryptonite cover 400x

Por Fabian Chacur

No fim dos anos 1980, surgiu na região de Nova York uma cena de grupos de rock apelidada de jam bands. Eram formações claramente inspiradas no rock psicodélico dos idos de 1967, tipo Grateful Dead, Jimi Hendrix e Jefferson Airplane, com uma pegada um pouco mais pop, mas ainda assim investindo nos improvisos ao vivo. Desse universo musical, aflorou como ponta de lança o Spin Doctors, cujo álbum Pocket Full Of Kryptonite (1991) completa 30 anos de lançamento neste mês de agosto. Um grande sucesso que surgiu graças a muito talento, garra e persistência.

Tudo começou em 1988 quando Chris Barron (vocal) resolveu montar uma banda com dois colegas da New School College de Nova York, Erik Schenkman (guitarra, único canadense deste grupo americano) e Aaron Comess (baixo). Pouco depois, Mark White (baixo) completou o time. Enquanto faziam shows em bares, o grupo gravou duas fitas-demo que vendiam nos shows, e através delas atraíram a atenção do produtor Frankie La Rocka (1954-2005), que os levou para a Epic Records, selo do conglomerado Sony Music.
Inicialmente, foi lançado em janeiro de 1991 o EP Up For Grabs. O álbum completo viria em agosto daquele ano. O material foi selecionado a partir do vasto repertório autoral que a banda tocava em seus shows, com versões mais bem concisas (em termos de arranjos) de músicas que já eram bem legais nos formatos demo, como podemos conferir na edição comemorativa dos 20 anos de Pocket Full Of Kryptonite lançada em 2011, que traz em um CD bônus essas faixas em suas gravações prévias.

Quando chegou às lojas, o álbum de estreia do quarteto veio no melhor esquema “devagar e sempre”. Foram longos meses durante os quais as vendas não entusiasmavam a ninguém. No entanto, Chris Barron e sua turma não desanimavam, e seus shows foram aos poucos ganhando mais e mais público. Em setembro de 1992, enfim atingiram o disco de ouro nos EUA, com mais de 500 mil cópias vendidas. Em 10 de outubro, participaram do mitológico programa de TV Saturday Night Live, e a partir daí a porteira abriu de vez.

Provavelmente, a Sony estava se fartando de ganhar dinheiro com os álbuns de estreia dos grupos Pearl Jam e Alice In Chains, lançados na mesma época, e não deu muita bola para os Spin Doctors. Quando percebeu o erro, reagiu e lançou em outubro de 1992 no formato single Little Miss Can’t Be Wrong, que atingiu o 17º lugar nos EUA e o 23º lugar no Reino Unido. A seguir, foi a vez de Two Princes, com resultados ainda melhores, nº 7 nos EUA e nº 3 no Reino Unido. As duas com videoclipes bem legais. Dessa forma, a Spin mania tornava-se real.

O disco de platina para Pocket…, marca de mais de um milhão de cópias comercializadas nos EUA, veio em janeiro de 1993. Em junho, essa marca já havia triplicado. No fim das contas, o álbum ultrapassou os 10 milhões de álbuns comercializados em todo o mundo, sendo metade deles em território americano.

Tudo bem, falei muito de números e mais números. Mas e a qualidade musical? Ai é que a coisa melhora. Trata-se de um disco de rock simples e sensacional, daqueles bons de se ouvir de ponta a ponta, e que vai além de seus hits matadores. A forma melódica e quase falada do canto de Barron se encaixou feito luva nos riffs de guitarra potentes, bases ritmadas e solos ora virulentos, ora a la George Harrison de Schenkman, enquanto a cozinha rítmica de White e Comess encarava todas as curvas e retas do som deles.

Mas creio que aqui caiba uma análise faixa a faixa. Vamos a ela

Jimmy Olsen’s Blues (Spin Doctors)
Com um riff de abertura matador, a música tem uma letra divertidíssima, na qual Jimmy Olsen, o repórter pobretão do Planeta Diário, tenta xavecar Lois Lane, a eterna namorada do Super Homem, dizendo que ele não só é melhor do que o fortão, como de quebra ainda tem o “bolso cheio de kriptonita”, a única substância capaz de deter o cara. Aliás, eis a origem do título do álbum. A capa do CD mostra uma cabine de telefone do tipo em que o Super Man trocava de roupa e saía com o seu uniforme de super herói. Uma faixa vibrante, swingada, perfeita para abrir um disco. Vale citar sutis passagens rítmicas aqui e ali típicas da música pop africana.

What Time Is It? (Spin Doctors)
Essa saiu de um improviso feito pelo grupo às 4h30 da madrugada em um show em uma irmandade universitária. Funkeada, envolvente e viajandona, aumenta bastante de duração nos shows. Vale sempre destacar o entrosamento da cozinha rítmica, sempre precisa e repleta de jogo de cintura e grooves.

Little Miss Can’t Be Wrong (Spin Doctors)
Rock desencanado e dançante que soa como uma espécie de mescla entre os estilos de Huey Lewis & The News e Steve Miller. A faixa que desencadeou o estouro deste álbum. Houve quem considerasse na época a letra sexista, mas creio que seja um excesso de zelo exagerado, pois a banda nem tem esse perfil.

Forty Or Fifty (Spin Doctors)
Chega o momento de respirar um pouco. Com elementos de blues, r&b e até de bossa nova, cria um clima gostoso e envolvente, com uma letra meio hippie e romântica a la anos 1960.

Refrigerator Car (Spin Doctors)
Depois da respirada, outra porrada das boas. Rockão pesado, hard mesmo, um dos vários momentos dos quais a influência de Jimi Hendrix, uma das mais importantes no som dos Doctors, vem à tona neste álbum. Pra chacoalhar a cabeça sem dó!

More Than She Knows (E.Schenkman- S.Lambert-G.Clark-J.Fitting)
Rock acelerado e pra cima, com um belo solo de harmônica de John Popper, líder da banda Blues Traveller, outra da cena jam bands que se deu bem. Por sinal, ele, Barron e Schenkman tiveram uma banda paralela, a Trucking Company, que acabou quando o Blues Traveller começou a decolar.

Two Princes (Spin Doctors)
Com sua batida irresistível e concisão absurda, Two Princes se tornou o cartão definitivo de visitas dos Spin Doctors, prova cabal de que uma autêntica banda de rock pode ser pop ser perder sua verdadeira essência.

Off My Line (Erik Schenkman- J.Bell- Spin Doctors)
Aqui, no momento mais hendrixiano do álbum, Erik Schenkman assume o vocal principal, em um rock pesado com um riff poderoso e energia suficiente para sacudir a todos.

How Could You Want Him (When You Know You Could Have Me?) (Spin Doctors)
Rock funkeado com influências da música africana, em cuja letra surge aquele questionamento clássico em todo cara apaixonado por uma mulher e não correspondido: “por que você quer ele se você pode ter a mim?” Respostas para a redação!

Shinbone Alley (Spin Doctors)/ Hard To Exist (C.Barron- E.Schenkman-John Popper-A.Comess)
Como forma de trazer para o disco ao menos uma faixa com o clima dos shows, o grupo optou por reunir essas duas composições em pot-pourry e sem medo de improvisar, passando, dessa forma, dos 10 minutos de duração. Baita de uma jam, com direito a muito groove, energia e solos bacanas. Um fim perfeito para um álbum marcante.

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Pânico em SP, dos Inocentes, é relançado para celebrar 35 anos

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Por Fabian Chacur

Como forma de celebrar os 35 anos de lançamento de um dos melhores álbuns da história do rock brasileiro, o impactante e ainda atual Pânico em SP, dos Inocentes, a gravadora Warner Music Brasil acaba de disponibilizar nas plataformas digitais e também em uma bela versão em CD no formato digipack uma edição especial para celebrar essa efeméride. Além das seis faixas contidas no lançamento original, temos como bônus versões ao vivo de Rotina e Expresso Oriente.

Grande expoente do punk rock brazuca ao lado do Cólera, o grupo fundado e liderado pelo genial Clemente já estava há cinco anos na estrada quando recebeu o convite da Warner para gravar este álbum. Ele foi concebido em um formato que estava em voga na época, o chamado “mini LP”, que trazia seis faixas e deveria ser vendido a preço um pouco mais acessível do que um LP convencional (o que, vale o registro, raramente ocorria). É o mesmo formato que gerou outro clássico do nosso rock, o também seminal O Concreto Já Rachou, da Plebe Rude.

Com produção de Branco Mello (Titãs) e Pena Schmidt, o álbum é dinamite pura, com direito a canções agressivas e extremamente bem construídas, nas quais Clemente nos apresenta letras que retratavam o dia a dia dos jovens da periferia, a opressão política no Brasil e exterior e também o desejo da garotada por diversão. Todas as faixas são clássicas, a partir de Pânico em SP, que já havia sido gravada no álbum independente Grito Suburbano (1982), que a banda dividiu com os grupos Cólera e Olho Seco.

Rotina, Ele Disse Não, Não Acordem a Cidade, Salvem El Salvador, Expresso Oriente e Pânico em SP são registros marcantes de uma época de ouro do rock brasileiro, clássicos imortais que servem como um bofetão na cara daqueles que insistem em dizer que o português não é uma boa língua para esse tipo de música. Se você tiver um letrista com o calibre do Clementão, é, sim, e como é!

Pânico em SP (clipe)- Inocentes:

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