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A Barca dos Amantes- Milton Nascimento (1986/Polygram)

Por Fabian Chacur

A excelente Coleção Milton Nascimento, lançada de forma primorosa pela Editora Abril, chegou a seu final recentemente com um título não muito conhecido do grande público, o álbum ao vivo A Barca Dos Amantes (1986). Vale a pena dar um destaque a esse CD, cuja qualidade é das melhores.

Trata-se logo de cara de um trabalho histórico, pois registra o primeiro encontro nos palcos de Milton e o saxofonista americano Wayne Shorter, com quem o Bituca havia gravado dois belos discos de estúdio nos EUA na década de 70, Native Dancer (1975) e Milton (1976), este último também parte desta coleção da Abril.

O espetáculo ocorreu na primeira versão do Projeto SP, montado debaixo de uma lona de circo na rua Caio Prado, quase na esquina com a Rua Augusta, no centro de São Paulo, local que abrigou shows históricos de gente como Stanley Clarke, Titãs, Marina Lima, Paralamas do Sucesso, Lobão e muitos outros naquele 1986.

Milton teve a seu lado uma banda de craques da MPB integrada por Robertinho Silva (bateria e percusão), Ricardo Silveira (guitarra), Nico Assumpção (baixo) e Luiz Avellar (teclados). Das nove faixas, Shorter marca presença em quatro: as então inéditas Pensamento (Milton/Fernando Brant) e Nós Dois (Milton/Luiz Avellar) e nos clássicos Tarde (Milton/Márcio Borges) e Maria Maria (Milton/Fernando Brant).

O entrosamento entre os dois se mostrou impecável, com direito a solos de sax iluminados do ex-integrante do célebre grupo de jazz Weather Report se encaixando feito luva na sonoridade de Milton e sua banda. Um desbunde total.

A participação do jazzista americano é a cereja do bolo, que traz outros momentos marcantes em termos puramente musicais. O álbum abre com uma empolgada releitura de Nuvem Cigana (Milton/Lô Borges), do mitológico Clube da Esquina (1972).

A Barca dos Amantes, inédita, é uma parceria de Milton Nascimento com o compositor, cantor e músico português Sérgio Godinho. Lançada no álbum Missa dos Quilombos (1982), Louvação a Mariama cativa pelo swing, enquanto Lágrimas do Sul (Milton/Marco Antonio Guimarães) saiu originalmente em Encontros e Despedidas (1985) e homenageia divinamente Winnie Mandela em um libelo anti-racismo.

Se o disco como um todo é maravilhoso, deixei para o fim seu momento mais belo. Trata-se da releitura de Amor de Índio (Beto Guedes/Ronaldo Bastos), com arranjo mais lento do que o da versão original de Beto Guedes, e no qual Milton dialoga de forma inspiradíssima com o tecladista Luiz Avelar, dando ainda mais força aos versos doces de Ronaldo Bastos.

A Barca dos Amantes encerrou na época o contrato de Milton com a Polygram, ele que havia se transferido para a antiga CBS (hoje Sony Music) por uma fortuna. Um pecado esse trabalho não ter feito o sucesso que merecia. Um dos melhores discos ao vivo da história da MPB e merecedor de uma reavaliação por parte de críticos e do público.

Amor de Índio, ao vivo, com Milton Nascimento:

Encontros e despedidas com o Bituca

Por Fabian Chacur

A primeira entrevista coletiva a gente nunca esquece. A número um deste jornalista especializado em música que vos tecla ocorreu precisamente em um 15 de agosto de 1985. O artista em questão era Milton Nascimento, e o local, uma das salas do então badalado hotel Maksoud Plaza, ainda hoje localizado na mesma Alameda Campinas, 150, perto da Paulista.

Fui convidado pelo Valdimir D’Angelo, figura fantástica a quem fui apresentado pelo músico, jornalista e amigo Ayrton Mugnaini Jr. em uma feira de compra, venda e troca de discos realizada naquela época em uma loja, a Golden Hits, situada em uma travessa da Rua Augusta (rua Mathias Aires, para ser mais preciso), próxima à Pàulista e na qual fiz belos negócios com discos de vinil.

D’Angelo, que depois seria até meu padrinho de casamento, era o editor de uma publicação que em breve chegaria à bancas, a Revista de Som & Imagem, e em cujo número 1 seriam publicadas minhas primeiras matérias como jornalista profissional. Ele me levou na coletiva do Milton para que eu entrasse em contato direto com o ambiente da música.

E posso dizer que comecei bem e mal, ao mesmo tempo. Bem, pois tive a cara de pau de fazer logo a primeira pergunta da coletiva. Mal porque eu perguntei ao Bituca se Milton Nascimento Ao Vivo (1984), seu então mais recente LP, havia sido o primeiro disco de ouro da carreira dele, e ouvi um não como resposta. E bem de novo, pois não perdi o fio da meada e consegui fazer uma nova e boa pergunta, de bate-pronto, sem perder o pique.

Ao fim da entrevista, da qual participaram jornalistas de todos os órgãos bacanas de imprensa da época, não só peguei um autógrafo dele, como também tirei uma foto hilária, na qual apareço atrás do Milton, que autografava alguns discos, enquanto eu fazia sinal de positivo, sorria e posava na maior cara de pau. Um ingênuo idealista no fosso dos crocodilos…

Nessa coletiva, encontrei com a Silvana Silva, colega de Cásper Líbero que já estava há algum tempo trabalhando como reporter de TV. Aquela seria apenas a primeira de incontáveis entrevistas com Deus e o mundo, em termos de música.

A segunda coletiva com o autor de Travessia ocorreu em 1986, na primeira versão do extinto Projeto SP, na época situado em um circo montado na rua Caio Prado, pertinho da avenida Consolação. Ele estava lá junto com o músico americano Wayne Shorter, com o qual iria gravar lá, ao vivo, o álbum A Barca dos Amantes (1986).

Ironia: no dia seguinte, o Estado de S.Paulo publicou matéria sobre a coletiva, e na foto publicada, lá estou eu, da cintura para baixo. Teria sido eu, naquela ocasião, o primeiro caso de um “barriga de pirata”, ao invés de papagaio de pirata?

Reencontraria o mesmo Milton em 1987, desta vez no escritório da então CBS (hoje Sony Music), que na época ficava no início da avenida Pedroso de Moraes, em Pinheiros. Também tenho fotos dessa ocasião. Um dia posto aqui.

Teria depois mais umas duas oportunidades de entrevistar o Bituca de Três Pontas, uma figura sempre tímida, mas simpática e adorável. E vamos ser sinceros: sou muito fã dele, embora saiba reconhecer que sua discografia comporta tanto títulos sublimes como alguns bem irregulares, do tipo Yauaretê (o álbum que ele lançou em 1987),por exemplo.

Ah, e tive a honra de estar na plateia, no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, quando Milton gravou outro álbum ao vivo, O Planeta Blue Na Estrada do Sol, lançado em 1992.

Como os raros leitores de Mondo Pop sabem, fui em 2011 no belíssimo show de lançamento do álbum …E A Gente Sonhando, na Via Funchal. Publiquei resenha aqui. E que venha a próxima entrevista com o Milton! E o próximo show, também!

Encontros e Despedidas, com Milton Nascimento, versão de estúdio:

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