Mondo Pop

O pop de ontem, hoje, e amanhã...

Category: as tais memórias (page 3 of 7)

Moraes Moreira, o criador de um inesquecível bloco do prazer

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Por Fabian Chacur

Moraes Moreira é festa. Moraes Moreira é amor. Moraes Moreira é mistura fina. Moraes Moreira é um eterno novo baiano. Moraes Moreira é inesquecível. Esse grande cantor, compositor e músico baiano nos deixou nesta segunda-feira (13) vítima de um enfarto agudo do miocárdio sofrido em seu apartamento no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Ele tinha 72 anos, e deixa um legado marcante para os fãs de música. Uma verdadeira mancha de dendê que nunca sairá de nossos ouvidos, de nossas mentes, de nossas almas.

Este que é um dos grandes nomes da história da nossa música nasceu em Ituaçu, Bahia, em 8 de julho de 1947, e mostrou amor pela música desde criança. Aos 19 anos de idade, mudou-se para Salvador para estudar e por lá conheceu Tom Zé, Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor. Foi com esses dois últimos que ele montou um grupo que começou a ser conhecido na cena local e logo nacionalmente em 1969, Novos Baianos.

Pouco depois acrescidos de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, esse time inicialmente se concentrou no velho e bom rock and roll, com um certo sotaque brasileiro. Já morando no Rio de forma comunitária, eles receberam a visita de João Gilberto, e a influência do músico se mostrou evidente no antológico álbum Acabou Chorare (1972). Nele, fortes elementos da música brasileira se uniram com mais força ao rock, gerando dessa forma uma sonoridade ao mesmo tempo moderna e reverente na medida certa ao que já havia sido feito de bom no passado por outros mestres.

No grupo, Moraes sempre foi o mais ligado ao samba, frevo e outros ritmos tipicamente brasileiros, com sua voz swingada e seu violão deliciosamente dedilhado com rara categoria. Suas parcerias com o poeta Luiz Galvão e também com Pepeu Gomes geraram alguns dos maiores clássicos dos Novos Baianos, entre os quais Preta Pretinha, cantada por ele e um sucesso colossal.

Em 1975, Moraes sentiu que era hora de seguir seu próprio caminho, e deixou o grupo para investir em uma carreira-solo. Após o sucesso de uma boa releitura de Se Você Pensa (de Roberto e Erasmo Carlos), que entrou na trilha da novela global Pecado Capital, ele varreu o país todo com o estouro de Pombo Correio. Essa música ajudou a atrair a atenção do público jovem para os maravilhosos trios elétricos, como o dos pioneiros Dodô e Osmar.

Nos anos 1980, Moraes não só se consolidou como um artista de muito sucesso como também teve suas composições gravadas com muito êxito por grandes nomes da MPB, com destaque para Gal Costa, que invadiu as paradas de sucesso com duas dessas composições, as contagiantes Festa do Interior e Bloco do Prazer. Sua romântica Sintonia ganhou as rádios de todo o país lá pelos idos de 1986.

Em 1990, lançou um belo álbum em dupla com o parceiro Pepeu Gomes, Moraes e Pepeu, que emplacou o megahit A Lua e O Mar. A dobradinha renderia mais um álbum, Moraes e Pepeu Ao Vivo no Japão (1994), e seria uma espécie de prévia do sonhado retorno dos Novos Baianos, que ocorreria em 1997 com direito a um álbum duplo gravado ao vivo, Infinito Circular, e uma turnê de sucesso. O grupo voltaria a se reunir em outras ocasiões, sempre com grande repercussão.

Tive a oportunidade de entrevistar Moraes e também os Novos Baianos algumas vezes, e sua lucidez sempre se mostrava presente. Ele soube transmitir essa sabedoria para seu filho Davi Moraes, que iniciou a carreira tocando com o pai e depois soube enveredar por um trabalho próprio e também ao lado de grandes artistas como Maria Rita, Ivete Sangalo, Vanessa da Mata, Caetano Veloso e Marisa Monte, entre outros.

Bastante ativo, Moraes há pouco publicou em suas redes sociais um belo cordel (em sua própria definição) intitulado Quarentena, no qual comentava as incertezas de nossos dias atuais. Uma bela despedida para um artista que nos deixou grandes lições de brasilidade, musicalidade e poesia.

Pombo Correio– Moraes Moreira:

Michael Hutchence, o INXS e suas três diferentes visitas ao Brasil

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Por Fabian Chacur

Michael Hutchence teria completado 60 anos de idade no dia 22 (quarta-feira). Infelizmente, o cantor e compositor australiano não chegou nem perto disso, pois nos deixou aos 37 anos em 1997, tirando sua própria vida em um quarto de hotel na cidade de Sidney, na antevéspera do início da turnê que divulgaria Elegantly Wasted, o então mais recente álbum de sua banda, a INXS. Resta aos fãs curtir suas lembranças. No caso dos brasileiros, as três passagens do sexteto por aqui durante seus 20 anos de carreira.

O grupo, que iniciou sua carreira em 1977 e lançou o primeiro álbum em 1980, não se tornou conhecido internacionalmente do dia para a noite. Após dois álbuns inicialmente lançados apenas na Austrália, eles chegaram ao mercado internacional com Shabooh Shoobah (1983). The Swing (1984), o álbum seguinte, trouxe como destaque Original Sin, produzida por Nile Rodgers.

Foi lá pelos idos do lançamento de Listen Like Thieves (1985), um belo passo do grupo rumo ao estrelato, que o INXS esteve no Brasil pela primeira vez. Foi uma discreta viagem promocional, durante a qual o grupo concedeu entrevistas e fez ações promocionais. Da próxima vez, a coisa seria bem diferente.

Michael Hutchence e seus colegas tocaram pela primeira vez em nosso país como uma das atrações principais da segunda edição do Rock in Rio. Foi no dia 19 de janeiro de 1991. Na verdade, eles entraram em cena já na madrugada do dia 20, mas de forma apoteótica, tocando a impactante Suicide Blonde.

Eles estavam no início da turnê de divulgação do álbum X (1990), que tinha a difícil tarefa de suceder o trabalho que os catapultou rumo à primeira divisão do rock mundial, o excelente Kick (1987), e provaram sua grande capacidade ao vivo, com direito ao carisma de Hutchence e o pique dos músicos. Um dos melhores grupos para animar festinhas de todos os tempos.

A consagradora tour mundial que passou pelo Brasil gerou um belo álbum ao vivo, Live Baby Live, lançado em novembro daquele mesmo ano de 1991 e com faixas gravadas em diversos países, incluindo uma por aqui.

Entre essa performance consagradora, uma das melhores daquele festival repleto de grandes nomes (Prince, George Michael, Santana etc) e a próxima visita da banda ao Brasil, muita coisa mudaria na vida de Michael Hutchence, e infelizmente não para melhor. Tudo começou com um violento acidente ocorrido em agosto de 1992.

Hutchence estava em Copenhague, Dinamarca, com a modelo internacional Helena Christensen, com quem namorou entre 1991 e 1994. Eles estavam saindo de um taxi, o taxista se enfezou com o roqueiro e enfiou um soco em seu rosto. O cantor caiu de costas no chão, batendo a parte de trás de sua cabeça.

O cantor foi negligente em termos de se cuidar, e passou um mês no apartamento da namorada, vomitando, alimentando-se mal e se comportando de forma inconveniente. Só após esse período o casal resolveu procurar um especialista em Paris, e naquele momento ficou clara a gravidade do seu estado de saúde. Ele perdeu para sempre os sentidos de paladar e olfato, além de outras contusões que o afetaram de forma intensa.

O acidente certamente explica o porque o INXS não saiu em turnê para divulgar o álbum que havia lançado na mesma época, agosto de 1992, Welcome To Wherever You Are, algo até então inédito na trajetória da banda. A justificativa divulgada então referia-se ao desejo de o grupo dar uma descansada para, logo a seguir, começar a preparar um novo trabalho, que seria lançado em 1993 com o título Full Moon, Dirty Hearts.

Embora interessantes e com momentos muito bons, os dois álbuns fizeram bem menos sucesso do que os anteriores, especialmente nos EUA. É nesse contexto que eles voltam ao Brasil em 1994, para shows no Rio de Janeiro (estádio da Gávea) no dia 10 de março, em São Paulo (estacionamento do Anhembi) no dia 11 de março e 12 de março em Curitiba (Pedreira Paulo Leminski).

Com abertura da banda americana Soul Asylum, o show em São Paulo reuniu por volta de metade da capacidade do espaço, fato possivelmente motivado pelo tempo chuvoso. Hutchence aparentava muito menos energia do que na performance anterior, mas mesmo assim conseguiu comandar um show profissional e competente, com direito aos hits e a canções boas da safra recente como Heaven Sent e Please (You Got That…), esta última gravada no álbum Full Moon Dirty Hearts com a participação especialíssima de Ray Charles.

Dali em diante, Michael Hutchence passou a frequentar mais as páginas da imprensa sensacionalista do que as musicais. Ele, que namorou famosas como a cantora Kylie Minogue, deixou a modelo Helena Christensen para se envolver em um romance controverso com a apresentadora de TV e escritora Paula Yates, que desde 1976 estava comprometida com o cantor Bob Geldof, do grupo Boontown Rats e criador do Live Aid.

Dizem os boatos (possivelmente verdadeiros) da época que Yates estava interessada em Hutchence desde que o entrevistou para um programa de TV britânico em 1985. Em 1994, em outra entrevista, o fogo aparentemente acendeu de vez, e a consequência foi não só o fim de um casamento de quase trinta anos como também o nascimento em 22 de julho de 1996 de Tiger Lily, primeira e única filha do casal.

Envolto com os problemas de saúde e o consumo cada vez mais alto de drogas e barbitúricos, além da distância da filha, Hutchence ainda mostrou disposição para o trabalho, pois, paralelamente ao início das gravações de um disco solo, ainda gravou um último álbum com o INXS, o mediano Elegantly Wasted.

O disco-solo estava sendo feito por Hutchence em parceria com Andy Gill, guitarrista da banda britânica Gang Of Four e coautor de boa parte das músicas. Como forma de homenagear o amigo, o músico arregaçou as mangas e conseguiu finalizar as gravações, contando com a participação de Bono na faixa Slide Away. O resultado é o álbum intitulado Michael Hutchence, lançado em 1999 e digno da bela trajetória do astro australiano.

Conhecido por ter trabalhado durante muito tempo com a banda e ser o diretor de clipes de hit singles como Need You Tonight, Never Tear Us Apart e Suicide Blonde, o diretor australiano Richard Lowenstein lançou em 2019 o documentário Mistify Michael Hutchence.

Ele se valeu de raros registros da banda e do cantor (incluindo alguns com Kylie Minogue e Helena Christensen) para ilustrar depoimentos em áudio de integrantes do INXS e de outros nomes importantes na trajetória do astro do rock. Um dos destaques fica por conta dos detalhes do acidente de agosto de 1992 e sobre as terríveis consequências com as quais Hutchence teve de conviver em seus anos finais de vida.

Sem seu principal integrante, o INXS tentou seguir adiante, com substitutos que não deram conta do recado, incluindo um selecionado em um reality show televisivo. Em 2012, resolveram sair de cena, e um retorno parece improvável, embora não impossível. Com Jon Stevens no vocal, o grupo voltou a se apresentar no Brasil em 2002, com shows dia 15 de maio no ATL Hall, no Rio de Janeiro, e 17 de maio em São Paulo, na Via Funchal.

Se não revolucionou o mundo da música, Michael Hutchence e sua banda certamente criaram uma obra dançante e pra cima, com direito a boas baladas no meio e repleta de momentos bacanas que merecem ser reverenciados pelos fãs de pop rock consistente e com personalidade forte.

Veja o trailer de Mistify Michael Hutchence:

Tom Jobim, um maestro soberano e um ser humano como todos nós

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Por Fabian Chacur

Imagino o orgulho de quem teve a honra de entrevistar mitos do mundo da música como Elis Regina, Adoniran Barbosa, Ary Barroso, John Lennon e David Bowie, por exemplo. Esses infelizmente não fazem parte do meu currículo. Mas não posso reclamar, pois Paul McCartney, James Taylor, Cazuza, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luciano Pavarotti e Gonzaguinha estão nele. E um certo Tom Jobim, também.

Tom, que nos deixou há 25 anos, mais precisamente no dia 8 de dezembro de 1994, aos 67 anos, é um dos nomes mais importantes da história da nossa cultura popular. Conhecido e venerado nos quatro cantos do mundo, poderia ter sido um cara arrogante e difícil, pois tinha currículo para justificar isso. No entanto, primava pela simplicidade, bom humor e gentileza, tendo deixado belas recordações para quem teve a oportunidade de conviver com ele.

Descobri por conta própria essas características em um dia lá pelos idos de 1988. O Maestro Soberano iria fazer um show ao ar livre no Parque do Ibirapuera ou outro local do gênero no fim daquela semana, e meu editor na época no hoje extinto Diario Popular, de São Paulo, pediu para que eu tentasse entrevistá-lo. O artista estava hospedado no hotel Maksoud Plaza, e resolvi arriscar.

Ao ligar, pedi à telefonista do hotel que me transferisse para o quarto de Tom Jobim. Normalmente isso não costuma ocorrer de forma imediata quando você procura alguém ilustre, mas me dei bem aqui. E quem me atendeu foi o próprio. “Oi, Tom, aqui é o Fabian, do Diario Popular. Gostaria de fazer uma entrevista com você por telefone sobre o show de domingo, seria possível?”.

“Oi, Fabian, bom dia. Olha, agora (liguei para ele por volta das 11 horas da manhã) eu não tenho como te atender. Será que você poderia me ligar de novo por volta das 14h? Aí eu certamente estarei disponível para conversar com você”. Concordei sem mais rodeios e coloquei o fone no gancho, crente de que, no horário combinado, ele certamente não estaria, ou alguém me daria algum tipo de desculpa e ficaria por isso mesmo.

A minha expectativa negativa não era em razão de pessimismo. É que, normalmente, esse tipo de entrevista só costuma ocorrer quando um assessor de imprensa entra em cena, e é esse profissional quem oferece ao jornalista uma oportunidade como essa. Difícil você conseguir direto com o artista, no caso de alguém com o porte de um Tom Jobim. Ainda mais para um jornal como o Diario, que não tinha (injustamente, por sinal) o respeito dado a concorrentes na época como a Folha, o Estadão, o Globo, Jornal da Tarde e Jornal do Brasil.

Preparado para a missão, mas cético sobre se a mesma seria concretizada, liguei na hora combinada. E não é que Tom me atendeu? Mais: ainda me pediu desculpas por não ter me atendido na tentativa anterior! Aí, iniciei o papo, delicioso por sinal, que durou uma meia hora, mais ou menos.

De tudo o que perguntei, lembro basicamente da resposta que ele me deu ao questioná-lo sobre os direitos autorais que tinha ganho no exterior com Garota de Ipanema e tantos outros sucessos marcantes. Ele me explicou que os valores eram muito menores do que as pessoas imaginavam, e justificou: “Fabian, na época eu era jovem, a gente não lia aquelas letrinhas miúdas dos contratos…”

Reencontrei esse gênio da música no finalzinho de 1989 ou no começo de 1990, não sei precisar exatamente a data, quando Tom foi nomeado o primeiro reitor e presidente de conselho da então Universidade Livre de Música, criada pelo na ocasião governador do estado de São Paulo Orestes Quercia.

Era uma entrevista coletiva, realizada no mesmo Maksoud Plaza, hotel situado próximo à avenida Paulista e um dos mais badalados naquele período. Aí, foi pessoalmente, e aquela simpatia do primeiro encontro se mostrou ainda mais forte, além do carisma e inteligência desse ilustre entrevistado.

A principal marca daquele segundo (e, infelizmente, último) encontro com o autor de Wave ficou em sua parte final. Estava fazendo aquela matéria junto com a fotógrafa Patricia Gatto (o site dela está aqui), uma fã assumida do nosso entrevistado. No final, ela me pediu para que eu tirasse uma foto dela com Tom.

Fotógrafo amador, no máximo, resolvi encarar o desafio pela amizade com ela, uma excelente profissional e muito simpática. Para ser sincero, não me lembro se o resultado prestou, mas fiz o possível. E vacilei feio, também, por não ter pedido um autógrafo ao Tom. Marquei uma bobeira clássica!

Vale lembrar que meu primeiro contato com a música de Tom Jobim ocorreu de forma curiosa, quando tinha 10 anos de idade e meu irmão comprou um exemplar do Disco de Bolso, projeto pioneiro do Pasquim que trazia, como brinde, um compacto simples de vinil com duas músicas.

No lado A, a primeira versão de Águas de Março, em andamento bem mais rápido do que o de gravações posteriores. Do lado B, a intensa Agnus Sei, de um cantor, compositor e violonista mineiro ainda desconhecido, de nome João Bosco.

Gostava tanto daquele compacto que, alguns meses depois, quando nossa professora de português do ginásio pediu a cada aluno escolher uma música para tocar na classe durante uma aula, não vacilei em escolher Águas de Março.

Os coleguinhas não curtiram tanto quanto eu ouvir esse hoje clássico da música brasileira, mas eu amei, e nunca poderia imaginar que, quase 20 anos depois, teria esses contatos bacanas com seu autor.

Águas de Março– Tom Jobim e Agnus Sei– João Bosco:

Bira, o músico gente boa que ia até em ensaio de banda obscura

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Por Fabian Chacur

Em 1984, eu integrava uma obscura banda de rock de nome Reflexo. Naquele período específico, éramos um quarteto e ensaiávamos em uma garagem do baterista, o glorioso Paulo “Prefeito” (que herdou o apelido do irmão, mas isso não vem ao caso aqui), em uma rua no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, próximo ao Parque do Ibirapuera. Um dia, para nossa surpresa, recebemos a visita de um vizinho ilustre, que morava ali pertinho.

Era o Bira, baixista que, então, integrava a orquestra do SBT, participando dos programas da emissora, em especial o de Silvio Santos. Extremamente simpático, ele bateu um gostoso papo conosco, falando de suas experiências no mundo da música e também de um músico amigo dele que inventava os acordes que tocava, nomeando-os como “fu” ou coisa que o valha. Foi marcante.

Anos depois, quando aquele soteropolitano simpático de meia idade já era conhecido nacionalmente como integrante da banda do programa de Jô Soares, tive a oportunidade de encontrá-lo novamente, já nos anos 1990, e rapidamente o cumprimentei e o lembrei dessa passagem entre nós. Mesmo com toda a fama que a aparição constante na telinha hipnótica lhe deu, ele se mostrava o mesmo, para minha felicidade.

E é com muita tristeza que neste domingo (22), Ubirajara Penacho dos Reis se foi, aos 85 anos, dois dias após ter sido internado com um AVC. O músico deixa quatro filhos e três netos, e uma legião de fãs pelo Brasil afora, conquistados por seu riso largo e imensa simpatia estampada em seu rosto.

Bira nasceu em Salvador em 5 de setembro de 1934. A música entrou quase por acaso em sua vida, pois ele pensava em ser médico, desejo que se encerrou após ter presenciado uma autópsia pela primeira vez. Não teve segunda… Depois, trabalhou como representante de um laboratório. Sua primeira atuação como músico foi tocando bongô. Depois, como cantor em um coral, época em que conheceu Tom Zé, ainda em Salvador.

Ele trabalhou com diversos artistas, entre eles Wilson Simonal, com quem tocou durante um ano e sete meses. Mas acabou se firmando como músico de TV, inicialmente na célebre banda do maestro Zezinho, dos programas de Silvio Santos, incluindo o célebre Qual é a Música?, um grande sucesso.

Mas foi já cinquentão, em 1988, que viu sua carreira ganhar um impulso imenso ao ser convidado para integrar a banda do talk show que Jô Soares faria no SBT, emissora para a qual se mudou após muito tempo na Globo. Logo em sua primeira aparição no Jô Soares Onze e Meia, no terceiro episódio da atração, teve uma interação com o humorista Agildo Ribeiro, que já havia trabalhado com ele e reconheceu sua risada inconfundível.

“Jô, eu já trabalhei com o Bira, ele vai te ajudar muito nesse programa”, eis o conselho que um gênio do humor deu ao outro. Conselho aceito, o baixista ficou com Jô durante quase 30 anos, no SBT e posteriormente na Globo, para onde o programa migrou, rebatizado com o nome Programa do Jô.

Ao lado de músicos talentosos como Derico Sciotti e Osmar Barutti, Bira ficou marcado por sua simpatia e a risada escancarada que dá para associar àquela venerada por uma encantadora música de seu conterrâneo Caetano Veloso, Irene (“quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada”). De quebra, volta e meia ele dava depoimentos que mostravam seu grande conhecimento musical.

Bira gravou dois discos com o grupo do programa televisivo, Quinteto Onze e Meia (1992) e Jô Soares e o Sexteto- Ao Vivo No Tom Brasil (2000), e fez alguns shows com o grupo fora do ambiente televisivo, sempre com boa repercussão.

O fim do Programa do Jô, em 2016, também marcou o encerramento dessa parceria de tanta qualidade. Em entrevista dada ao programa de Danilo Gentili, The Noite, em julho de 2018, Bira foi bem franco: “o fim do Programa do Jô foi equivalente a um soco no queixo, esse programa ajudou a mudar a minha vida, e sinto muito falta dele”. Em um ano pesado e muito difícil, não mais ouvir a risada do Bira equivale a um de seus pontos mais baixos. R.I.P., mestre!

Veja entrevista do Bira ao The Noite em julho de 2018:

Marie Fredriksson, do Roxette, a cantora que não gostava de tédio

Por Fabian Chacur

Swedish pop duo Roxette and their June 2001 album, Room Service.

Swedish pop duo Roxette and their June 2001 album, Room Service.

Don’t Bore Us- Get To The Chorus! (não nos entedie, vá direto ao refrão!, em tradução livre) é o título da primeira coletânea de hits do grupo sueco Roxette, lançada em 1995, e serve como uma boa definição da música que este bem-sucedido e talentoso duo fez durante sua carreira. Infelizmente, essa trajetória está encerrada, pois sua vocalista, Marie Fredriksson, nos deixou nesta segunda-feira (9), aos 61 anos, após ter lutado de forma corajosa durante quase 20 anos contra um câncer.

Nascida em 30 de maio de 1958, Marie se formou em música e se envolveu na cena pop musical sueca. Após integrar grupos sem grande repercussão, ela resolveu iniciar uma carreira-solo e teve o apoio de um amigo, o cantor, compositor e guitarrista Per Gessle, integrante da bem-sucedida banda de rock Gyllene Tider. Eles gravavam seus discos em sueco e cresciam em termos locais.

No entanto, o talento dos dois indicava possibilidades de uma carreira internacional, e o primeiro passo foi pegar uma música do guitarrista, vertê-la para o inglês e gravá-la em duo com Marie. O resultado, Neverending Love, foi a semente que gerou o surgimento do duo, batizado de Roxette, cujo primeiro álbum, Pearls Of Passion, saiu em 1986, sem atingir os objetivos desejados.

Sem desanimar, eles prosseguiram investindo no projeto. Nesse meio-tempo, Marie fez uma mudança radical no visual, cortando os longos cabelos e adotando um estiloso corte curtinho que virou sua marca registrada. Em 1988, veio o segundo álbum, Look Sharp!, que parecia se encaminhar para o mesmo destino do anterior. Só que não! O single The Look estourou de forma inesperada nos EUA em 1989, atingindo o número 1 na parada de lá.

Era o início de uma invasão no principal mercado musical mundial, que se espalhou pelos quatro cantos do mundo. Do mesmo álbum, Listen To Your Heart repetiu a performance de The Look, enquanto Dangerous atingiu o segundo posto. Em 1990, como parte da trilha sonora do filme Pretty Woman (Uma Linda Mulher), estrelado por Julia Roberts e Richard Gere, It Must Have Been Love também virou nº 1 nos EUA.

A fórmula azeitada era simples, mas muito bem executada: um misto de rocks com pegada dançante e power ballads compostas por Per e interpretadas com muita personalidade e categoria por Marie. De quebra, os clipes sempre bem elaborados e os shows calorosos e de um profissionalismo impecável, além da simpatia dos dois, tornou o Roxette um fenômeno de vendas e popularidade.

Joyride (1991) manteve os amigos nos charts, com sua festiva faixa-título sendo seu 4º número um no formato single e a balada Fading Like a Flower (Every Time You Leave) chegando ao 2º lugar. Era o auge do Roxette no mercado americano.

A partir daí, o sucesso do duo na terra de Barack Obama teria uma grande redução, mas isso não ocorreria no resto do mundo, onde os dois amigos permaneceram populares e requisitados.

Em 1995, sai a primeira coletânea de hits do grupo, Don’t Bore Us- Get To The Chorus!- Roxette’s Greatest Hits, incluindo 12 hits e quatro inéditas, entre as quais uma que estourou por aqui, a deliciosamente sessentista June Afternoon, com direito a um icônico clipe revivalista.

As coisas começaram a se complicar para o Roxette a partir do lançamento do álbum Room Service (2001). Pouco tempo depois, Marie foi diagnosticada com um tumor cerebral. Mesmo com essa séria dificuldade a ser enfrentada, a cantora não se entregou, lançando em 2004 seu primeiro disco solo em inglês, The Change, e voltando a se dedicar ao Roxette a partir do lançamento do álbum Charm School (2011).

O último álbum do Roxette, Good Karma, saiu em 2016, e nesse mesmo período a cantora anunciou que não faria mais turnês. Ela ainda lançou três singles solo entre 2017 e 2018. Foram oito discos solo (sete deles em sueco) e dez álbuns de estúdio com o Roxette.

Com grande sucesso no Brasil, Marie Fredriksson e Per Gessle fizeram sua primeira turnê por aqui em 1992, e tive a honra de participar da coletiva de imprensa concedida por eles em São Paulo, quando consegui o autógrafo do duo na capa da minha edição em vinil do álbum Joyride e ainda troquei umas palavras adicionais com o Per após a coletiva, na qual ele me falou sobre sua paixão pela marca Rickenbacker de guitarras e pelo som de Tom Petty e Jackson Browne.

O show em São Paulo, realizado no estacionamento do Parque Anhembi, foi simplesmente impecável, com gente pelo ladrão. Em 1995, eles voltaram, e estive de novo na entrevista coletiva. O duo voltou a tocar por aqui em 1999 e 2011, sempre atraindo um público significativo.

A simpática e talentosa guerreira Marie nos deixou de forma prematura, mas fica a certeza de que soube aproveitar bem essa sua passagem por essa coisa chamada vida. C’mon join the joyride!

June Afternoon (clipe)- Roxette:

Raul Seixas dentro do caixão na capa do extinto Diario Popular

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Por Fabian Chacur

Naquele 21 de agosto de 1989, estava me preparando para ir embora para casa, por volta das 17h, depois de um dia de trabalho puxado. Quando já me direcionava para abrir a porta da recepção do Diário Popular, a recepcionista me chamou para atender o telefone. Era o Danilo Angrimani, meu editor na época. “Fabian, preciso de você, o Raul Seixas morreu; estou mandando o Carlos Macena no velório, enquanto você escreve uma biografia dele”.

Mal refeito do susto, em função da morte de um dos meus ídolos na área musical, toca eu subir de novo para o quinto andar, onde ficava a redação do Dipo, pesquisar e redigir, ainda em máquina de escrever, um resumo da carreira desse artista maravilhoso que não soube cuidar direito de sua saúde, deixando-nos com apenas 44 anos de idade.

Três meses antes, eu havia tido a primeira e única oportunidade de entrevistá-lo, em coletiva realizada no escritório da Warner em São Paulo que começou com mais de três horas de atraso e na qual ele veio de pijama de bolinhas. Ao saber da origem do meu nome, até cantou para mim um trecho de Turn To Loose, grande hit do cantor americano Fabian lá pelos idos de 1960.

Estavam por lá ele e Marcelo Nova, com quem havia acabado de gravar o álbum A Panela do Diabo, que só sairia mais tarde, e com quem ele faria shows naquele final de semana de 1989. Nunca vou me esquecer do momento em que citaram nomes de sucesso do rock Brasil de então. “Lulu Santos não dá pra encarar”, disparou, referindo-se ao autor de Como Uma Onda.

Vi o primeiro dos três shows que ele fez no hoje extinto Olympia com Marcelo Nova, e cravei na crítica, que foi publicada no dia em que o terceiro seria realizado: “não perca, pois pode ser o último”. Escrevi isso por ter ficado chocado com o estado de saúde do cara, e infelizmente, acertei.

Outra lembrança é de ter visto na mesma época, junto com um fotógrafo com o qual estava trabalhando, na região da avenida Paulista, o mesmo Raul Seixas, novamente de pijamas, provavelmente próximo do apartamento onde ele morava. Uma cena meio bizarra e inesquecível. Eu e meu colega ficamos constrangidos em abordá-lo.

Voltando ao episódio do obiturário, vale lembrar que cumpri a minha missão com toda a dignidade possível, embora estivesse chocado com aquela perda. Escrevi o texto e me mandei para casa, umas quatro horas depois do que pretendia.

No dia seguinte, pego o Diário e fico horrorizado: na capa do jornal, uma foto do Maluco Beleza dentro do caixão, grosseria que nem mesmo o frequentemente sem noção e grotesco Notícias Populares se permitiu. Comentei com o Danilo, que por sua vez foi comentar com o Jorge Miranda Jordão, então diretor de redação daquele extinto órgão de imprensa.

“Pô, Miranda, você pegou pesado, que foto de mau gosto!”. A resposta do Miranda, segundo o Danilo, foi antológica: “Como, mau gosto? Tinha de pôr essa foto, sim! Afinal de contas, as pessoas querem saber se o Maluco Beleza morreu ou não, e o único jeito de provar isso é mostrando ele dentro do caixão!”.

Meu editor, então, me disse o óbvio: “como iria discutir com esse doido?” E daí em diante, todo fotógrafo do Diário que saía para cobrir velório de famoso ia com essa missão fúnebre: a foto do famoso dentro do caixão. Argh!

Leia texto dando uma geral na carreira de Raul Seixas aqui.

Leia resenha do antológico álbum Krig-ha, Bandolo! aqui.

Ouça Krig-ha, Bandolo! de Raul Seixas, em streaming:

Fuad Chacur, comerciante, fã de Carlos Gardel, meu amado pai!

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Por Fabian Chacur

Se estivesse vivo (e está, no meu coração), meu pai faria 110 anos nesta quarta (24). Fuad Chacur nasceu no dia 24 de julho de 1909 e se foi em um triste 21 de setembro de 1998, um dos dias mais tristes de minha vida.

Ele foi comerciante, dono de uma das lojas de calçados mais badaladas de São Paulo dos anos 40 aos 60, as Casas Paraíso, cuja sede ficava na esquina da rua Vergueiro com a rua do Paraíso, em frente ao Centro de Operações do Metrô, sendo que no seu auge tinha várias filiais. Uma delas, situada na Praça Oswaldo Cruz, no comecinho da avenida Paulista, é ainda hoje uma loja de calçados.

Hoje tem um bar no lugar da antiga sede, vaga sombra de um tempo de glória. O prédio ficou por muitos anos desocupado, como se vivesse uma maldição causada pelo fato de o novo dono de lá ter despejado de forma cruel o meu pai (que havia sido proprietário daquele local) de lá por volta de 1977-78.

Fuad Chacur era um fã entusiástico de tango. Chegou a patrocinar em São Paulo, nos idos dos anos 40, um programa de rádio dedicado ao estilo. Ele até me disse que patrocinou a vinda de um cantor argentino do gênero ao Brasil, nos tempos em que meu saudoso velhinho morava no edifício Martinelli, algo comparável, hoje em dia, a morar em um Mofarrej Sheraton da vida. O cara era poderoso.

Ele amava Carlos Gardel, e até tínhamos em casa um disco de 78 rotações com a música Arrabal Amargo, clássico do Bob Marley do tango, ou seja, ícone máximo de um gênero ainda relevante nos dias de hoje.

Seo Fuad não era muito fã de música moderna. Mas, lá pelos idos de 1973, apaixonou-se por uma canção chamada Do You Love Me, interpretada por um certo Shariff Dean. A ponto de eu ter comprado o compacto simples para ele, que várias vezes pediu para que eu o colocasse em nosso toca discos.

Só para constar, Shariff Dean cantava essa música em dueto com a cantora Eveline D’Haese. Ele teve mais dois sucessos nas paradas, No More Troubles e uma releitura simpática de Stand By Me, hit de Ben E. King e também gravada com categoria por John Lennon no álbum Rock And Roll (1975).

Só em outra ocasião ele me pediu um disco novamente. Foi Clair de Lune, de Debussy, tema da novela global Chega Mais por volta de 1980. Era tema da personagem Gelly Maia, vivido por Sonia Braga. Curiosamente, a melodia de Do You Love Me tem uma certa semelhança com essa obra-prima de Debussy.

Ah! Também comprei nos anos 80 um LP de vinil com os maiores sucessos de Carlos Gardel para ele, disco que hoje está comigo.

Quando eu nasci, meu pai estava com 52 anos. Não deve ter sido fácil para ele conviver com um filho tão mais novo. Minha mãe certa vez me contou que, na maternidade, uma enfermeira viu meu pai por lá e o parabenizou pelo “netinho”. Ele ficou quieto e aceitou o cumprimento. Nem precisa dizer que a enfermeira, ao saber o fora que tinha dado, não sabia onde enfiar a cara…

Mas seo Fuad encarou o desafio da melhor forma possível. Todo dia ele levava chocolate para o caçulinha dele. A partir de um determinado momento, passou a me dar uma pequena mesada, com a qual eu comprava revistas em quadrinhos, a Placar e também discos, pois minha paixão por música começou muito cedo.

O mais legal era quando ele acordava bem disposto, em um domingo, e me levava para ver um jogo de futebol no campo, Pacaembu ou Palestra Itália. Íamos de ônibus, e por lá, sempre rolava aquele picolé. Dias inesquecíveis. Ele nem se importou com o fato de eu não torcer para o mesmo time dele, de eu ser “palmeirista”, como ele dizia.

Era democrata, seguidor fiel do antigo PSD, e especialmente de Ulysses Guimarães, seu político favorito e no qual ele votada sempre, invariavelmente. Na época das eleições, eu sempre brincava, perguntando em quem ele iria votar para deputado federal, e a resposta era sempre “no mesmo!”

Meu pai era meio fechado, e só conversava com quem conhecia ou gostava. Pelo menos, ele era assim, quando convivi com ele. Adorava ouvir suas histórias, sobre futebol, a sua loja de calçados (que infelizmente fechou no finalzinho dos anos 70), seus tempos de Síria (ele era filho de um nativo daquele país)…

Sua vida não foi nada fácil. Vivenciou os dois extremos, da riqueza no auge da carreira de comerciante ao sofrimento dos tempos de criança, especialmente nos anos em que viveu na Síria, em meio à Primeira Guerra Mundial, após a morte prematura de sua mãe, período no qual, ele me contou certa vez, ganhava um torrão de açúcar e o consumia pedacinho a pedacinho por muitos e muitos dias, pois era o doce possível, naqueles dias tão difíceis.

Com a morte também prematura do pai, virou arrimo de família ainda adolescente, e deu conta do recado como poucos seriam capazes. Ele nunca foi de ficar reclamando, embora tivesse temperamento forte, típico de leonino.

Nas Casas Paraíso, ele liderava o time, mas também vendia. E foi em uma dessas vendas que ele conheceu uma morena que, embora muito mais nova do que ele, cativou seu coração. Essa garota, Victoria Irene, com seus 20 e poucos anos, resistiu bravamente a aquele filho de árabes, mas sucumbiu ao charme dele. Deu casório, com direito aos filhos Victor e Fabian (este que vos tecla).

Com o tombo que levou no comércio, viveu seus últimos 20 anos de forma muito mais modesta, mas manteve a espinha ereta. Foi digno até o seu último momento. Cometeu erros, obviamente. Afinal, não somos todos seres humanos? Mas foi um sujeito que fez a diferença de forma positiva para seus parentes e amigos. Amigos que, em sua grande parte, sumiram quando a bonança se foi….

Vai fazer falta assim ali adiante. Beijão no seu coração, Seo Fuad!

Do You Love Me– Shariff Dean e Eveline D’Haese:

De The Motor Song até Rise, uma viagem funk com Randy Badazz

randy badazz e herb alpert 1979-400x

Por Fabian Chacur

Há alguns anos, uma querida amiga minha, a Camila Proença, pediu minha ajuda para descobrir o nome e quem interpretava uma determinada música. Foi um pouco difícil, mas consegui atendê-la, e recebi como agradecimento ser definido como um “C.S.I. da música”, definição ao mesmo tempo divertida e com um certo sentido. Não sou nem de perto o melhor nessa tarefa de descobrir nomes de músicas e algo sobre seus intérpretes, mas é algo que me diverte, e muito.

Uma boa história para ilustrar essa minha vocação de “Gil Grissom da música” remete ao ano de 1983. Na programação da antiga emissora de FM Jovem Pan 2, rolava um funk raiz dos bons, apresentado como The Motor Song, sendo que o nome do intérprete sempre era dito de forma ininteligível. Era uma das músicas favoritas tanto minhas como do meu irmão Victor. Como sempre fui um ávido consumidor de discos, corri atrás de mais informações sobre essa faixa.

Dei uma geral em várias lojas procurando, mas nenhuma me passava qualquer informação. Depois de muito esforço, consegui algo em uma loja especializada em black music. “Sim, conheço, mas não tenho por aqui, só saiu importado, é de um grupo de new wave”, falou o vendedor. Pedi para ele me escrever o nome do tal grupo, e ele me escreveu algo como The Rand Heend, ou coisa que o valha.

Sem maiores progressos, passei anos correndo atrás da tal música. Quando trabalhei no extinto jornal Diario Popular (de 1988 a 1995), como crítico musical e repórter especializado em música, fiz muita amizade com os nossos office boys, todos fãs de música. Um deles em especial, o Rietson, era fissurado em black music, e sempre trocávamos belas figurinhas sobre o tema.

Um dia, lá por 1993, lembrei-me de The Motor Song e perguntei se ele conhecia alguma música funk com esse título. Rietson procurou um amigo fera nessa praia, e o cara não só conhecia, como também me indicou onde eu poderia comprar um disco com a mesma. Tratava-se de uma coletânea em vinil intitulada Fina Nostalgia (1993), com uma capa como se fosse de um compacto simples, com furo no meio, sem foto, sem nada. Piratíssima, montada aqui no Brasil mesmo.

A compilação, vendida a preço mais caro do que o de um LP comum, trazia oito raridades de bailes black, entre elas a minha amada The Motor Song. Foi o próprio Rietson que a comprou para mim, e lá, o nome do grupo era não The Rand Heend, mas Randy Andy. Como essas coletâneas “Capitão Gancho” volta e meia traziam os nomes de músicas e artistas com erros, pensei que fosse o caso. Mas o legal era ter, enfim, esse petardo funk em disco, para tocar quando quisesse.

Na época, já estava casado. Meu irmão também, mas ele morava na casa dos meus pais com sua esposa. Todo feliz, liguei para ele e informei sobre minha aquisição, e olhem só a surpresa: “cara, que coincidência, eu também comprei uma coletânea em uma loja aqui na Vila Mariana (bairro em que ele morava e no qual fui criado) com essa música, só que em CD!” Nem é preciso dizer que também fui àquela loja e comprei um exemplar para mim.

Outra compilação brazuca piratíssima, intitulada Old School Funk- The Best- Vol.1, com 12 petardos, incluindo The Motor Song, novamente creditada a Randy Andy. Na maior cara de pau, o CD era creditado a uma suposta New York Records, com Made in U.S.A. na contracapa e tudo. As músicas foram evidentemente extraídas de vinis, com uns estalinhos aqui e ali, mas com qualidade de som mais do que satisfatória. Encerrado o jogo, então? Até parece…

Mas quem ou o que era o tal de Randy Andy?

O disco, eu já tinha, mas isso não me bastava. Precisava saber o que ou quem era Randy Andy. E mais anos e anos vieram sem que qualquer nova pista surgisse. Só que, a partir do ano 2000, com o crescimento da internet, as perspectivas de encontrar informações sobre tudo cresceram de forma exponencial. Pelo menos, era o que parecia. Mas não foi tão fácil…

Durante um bom tempo, digitava no google e no youtube com esperanças de saber mais sobre The Motor Song e Randy Andy. E foi um longo período tendo como resposta aquele trecho de Você Não Soube Me Amar, da Blitz, o famoso “nada, nada, nada!”. Mas quem é que disse que um C.S.I. da música desiste?

Nesta década, enfim The Motor Song apareceu no youtube, inicialmente sem quaisquer dicas sobre seus intérpretes. Até que um dia, enfim uma pista. Randy Andy (assim, mesmo, o nome registrado nos discos piratas era o correto) era na verdade uma dupla formada por Randy Badazz e Andy Armer. O primeiro nome não me era estranho, e resolvi pesquisar especificamente sobre ele. E aí veio uma grande surpresa, que me permitiu desvendar todo o mistério.

Um parente famoso e um hit mundial que todos conhecem

Sabem de onde eu me lembrava de ter visto esse nome, Randy Badazz? Foi em um disco de Herb Alpert. Sim, o grande saxofonista, líder da banda Tijuana Brass, que vendeu milhões de discos na década de 1960, e também o fundador em 1962, ao lado do sócio Jerry Moss, da gravadora A&M Records, que lançou não só os discos dele e do seu grupo como também os artistas do altíssimo calibre de Sérgio Mendes, Carpenters, The Police, Joe Cocker, Peter Frampton, Supertramp, Carole King e dezenas de outros.

Esse disco era o álbum Rise, lançado em 1979 e cuja faixa-título chegou ao primeiro lugar na parada americana, um hit instrumental com swing funk simplesmente espetacular. Badazz era creditado como coprodutor do álbum e também autor de duas faixas, a própria Rise e Rotation, ambas escritas e parceria com aquele tal de Andy Armer.

A maior surpresa era que o real sobrenome de Randy era, na verdade….Alpert! Sim, meus amigos, ele é sobrinho de Herb! E não pensem que sua ligação com o trabalho do titio famoso rolou de forma simples e rápida. Foram alguns anos até que os dois fizessem algo juntos, até pelo fato de que Randy queria provar que era capaz de vencer por sua própria conta. Senta, que lá vem história!

A trajetória de Randy Badazz Alpert

Randy Alpert nasceu nos EUA em 1955. Aos 11 anos de idade, fascinado por música, não só aprendia a tocar como também trabalhava no estoque da gravadora A&M, do tio Herb, embalando discos. No entanto, ele não queria se valer do sobrenome famoso do seu tio para a carreira musical, para não ser acusado de oportunista ou aproveitador.

Nos tempos de colégio, ele recebeu o apelido de bad ass (algo como “o fodão”, em tradução livre) dos amigos por sempre se safar dos problemas, e adaptou para Badazz como sobrenome artístico, deixando o Alpert para lá. Ainda adolescente, ficou amigo de Andy Armer, com o qual criou uma sólida parceria musical. Seu primeiro trabalho mais sério foi gravar fitas demo para a banda de soul-funk Con Funk Shun, conhecida por hits como Got To Be Enough.

Como essas demos eram muito boas, o diretor artístico (A&R) da A&M, Chip Cohen, sugeriu a Andy que fizesse novas versões de sucessos da banda de Herb Alpert, a Tijuana Brass, desta vez em ritmo de disco music, a febre daquele momento. O tio gostou da ideia, mas logo na primeira tentativa, com a música The Lonely Bull, ele percebeu que aquilo não levaria a nada.

No entanto, havia muito tempo de estúdio reservado para a tarefa, e Alpert sugeriu ao sobrinho e ao parceiro Andy Armer que lhe mostrassem alguma composição deles. Eles tinham uma em mãos, inicialmente em 125 rotações por minuto, mas perceberam que poderia ficar melhor em uma levada mais lenta, até chegarem a 100 bpm, ainda funk e swingada, mas bem mais sensual.

Herb Alpert não só amou como logo criou suas passagens de trumpete. Ao ouvir o resultado final, previu que aquela faixa, Rise, era um hit em potencial. E estava certo, pois esse petardo atingiu o primeiro posto na parada americana em outubro de 1979, permanecendo nesse posto por duas semanas e invadindo as paradas de sucesso de todo o mundo.

Enfim o tal de Randy Andy!

Em 1983, Armer e Badazz resolveram tentar a sorte como artistas, e criaram uma dupla, que batizaram de, adivinhe? Randy Andy. Naquele mesmo ano, lançaram um álbum pela A&M, autointitulado. A primeira música a ser divulgada foi a tecnopop The People (Livin’ in the USA), uma sátira ao modo acelerado de vida dos americanos com direito a um videoclipe bem divertido que chegou a entrar na programação da MTV em horários alternativos.

A outra faixa de destaque foi o incrível funk The Motor Song, que pegou no breu principalmente nos clubes de dance e black music dos EUA, Europa e Brasil. Como a agenda de Armer e Badazz era muito apertada, eles não tiveram como se dedicar com mais afinco à divulgação de seu álbum, e nem mesmo shows fizeram, o que certamente explica o porque de sua repercussão ter sido abaixo do que merecia. E o duo ficou por aí, mesmo, com os amigos seguindo outros caminhos.

Andy Armer trabalhou posteriormente com Roberta Flack, Lenny Kravitz e Carl Wilson (dos Beach Boys), e se deu bem com a sonorização de games para empresas como Sega, Sony, Atary e Microsoft, entre outras.

Por sua vez, Randy Badazz lançou músicas solo como Captain Badazz e montou um estúdio, o Scream Studios, usado por nomes como Nirvana, U2, Madonna e muitos outros. Em torno de 43 de hits que atingiram o topo da parada americana foram gravados ou mixados no Scream.

Rise teve um de seus trechos sampleado pelo rapper Notorious B.I.G. em seu megahit Hypnotize, que chegou ao primeiro lugar da parada americana em 1997, e foi regravada pelo brasileiro Leo Gandelman em 1999 no álbum Brazilian Soul.

Esta longa história teve suas informações pesquisadas em pequenas e inúmeras fontes, incluindo a minha memória, gerando um verdadeiro quebra-cabeças que finalmente acabo de montar. Vale citar a entrevista concedida por Badazz ao jornalista Andrew Unterberger para a Billboard americana em 3 de janeiro de 2017. E aí, fãs de Gil Grissom e de música, valeu esse trabalho todo?

obs.: a foto que ilustra este post traz Randy Badazz e Herb Alpert, da esquerda para a direita.

Ouça The Motor Song aqui .

Ouça Rise aqui :

Eis a relação de músicas do álbum Randy Andy (1983):

A1
The Motor Song (Stick in Your Dipstick) 5:26
A2
It’s Always You 5:17
A3
The Oddball 4:09
A4
The Girl is Driving Me Crazy 5:10
B1
The People in the U.S.A. (Poor Man – Rich Man Suite) 7:25
B2
Fallout 1:01
B3
It’s Such a Funny business 3:54
B4
Teacher, Teacher 5:59
B5
The Optimist 0:31

Veja o clipe de The People (Livin’ In The USA):

André Midani, do Dia D na França ao maravilhoso mundo da música

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Por Fabian Chacur

A vida é mesmo imprevisível. Pode um cara oriundo da longínqua Síria e criado na França ter sido decisivo para a história da música popular brasileira durante inúmeras décadas? Uma trajetória improvável, porém plenamente real. Esse cara, André Midani, teve uma bela missão, e a cumpriu de forma plena e apaixonada. Mas toda história, infelizmente, tem um fim, e ele nos deixou nesta quinta-feira (13) aos 86 anos de idade, vítima de um câncer que o atormentava há alguns meses, segundo informou seu filho, Phillipe.

Nascido na Síria em 25 de setembro de 1932 (mesma data e mês que eu, que honra!), André veio para o Brasil em 1955, e por aqui, firmou-se na indústria fonográfica, ramo no qual ele havia começado a atuar na França. Sempre com os ouvidos abertos e dono de uma sensibilidade musical enorme, além de ousadia ilimitada, atuou em gravadoras como a EMI-Odeon, Phillips e Warner. Foi decisivo no desenvolvimento das carreiras de gente como João Gilberto, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Titãs, Lulu Santos e dezenas, senão centenas de outros nomes importantes para a nossa música.

Mesmo com todo esse currículo e todas as suas realizações, Midani sempre se mostrou simpático, acessível e disposto a aprender novas lições. Sua vida incrível foi contada de forma deliciosa no livro Música, Ídolos e Poder- Do Vinil Ao Download (leia a resenha aqui) e na ótima série televisiva André Midani- Do Vinil Ao Download, de 2015 (leia mais aqui).

Não por acaso, executivos do calibre dele começaram a ter menos espaço nas grandes gravadoras transnacionais sediadas no Brasil a partir do final dos anos 1980, quando essas empresas aos poucos entraram em uma decadência cujos frutos podres colhemos atualmente. Para Midani, a música enquanto arte vinha sempre em primeiro lugar. Bom seu legado ter sido devidamente cultuado enquanto ele ainda estava entre nós. Sua passagem se dá em um momento difícil do Brasil, mas que ele fique como exemplo para uma futura volta por cima, em todos os setores, especialmente o da cultura.

Veja entrevista com os diretores da série de TV sobre André Midani:

Andre Matos, o garoto que realizou um sonho impossível

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Por Fabian Chacur

Andre Matos era uma garoto que tinha um sonho impossível: tornar-se um astro do heavy metal. Isso, cantando em inglês e sendo brasileiro, em plenos anos 1980. Não tinha como dar certo. Mas deu! O cantor, compositor e músico paulistano viu seu trabalho ultrapassar fronteiras, conquistar fãs no mundo todo e virar uma referência no gênero musical ao qual se dedicou. Ele infelizmente nos deixou de forma precoce neste sábado (6), aos 47 anos de idade, mas teve uma vida incrível. E tornou real o tal do sonho impossível.

Andre nasceu em São Paulo em 14 de setembro de 1971, nativo de Virgem. E suas características tinham tudo a ver com este signo do zodíaco. Era um cara perfeccionista, articulado, que lutava intensamente pela realização de seus objetivos. Ainda moleque, juntou-se aos irmãos Yves e Pit Passarel para criar um grupo de heavy metal. O Viper surgiu em 1985, incentivado pela primeira edição do Rock in Rio e também pelo crescimento de uma cena headbanger paulistana.

Naquela São Paulo de 1985, projetos como o SP Metal e a revista Rock Brigade ajudavam a incentivar o surgimento de bandas de rock pesado na cidade. A publicação criada por Toninho Pirani resolveu criar um selo para lançar algumas daquelas bandas. E os literalmente moleques do Viper foram agraciados com um contrato com a Rock Brigade Records, pela qual lançaram em 1987 seu álbum de estreia, Soldiers Of Sunrise (1987), seguido por Theatre Of Fate (1989).

Com esses dois discos, o Viper mostrou competência ao digerir influências de Iron Maiden, Helloween e outras bandas importantes daquele período. Com uma voz potente, Andre aos poucos ganhou protagonismo no heavy metal brasileiro. Ao iniciar os estudos musicais, sentiu que era hora de partir para novos rumos, e deixou a sua primeira banda. Em 1991, criou um novo time, o Angra, com exímios músicos, especialmente os guitarristas Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro.

Angels Cry (1993), o álbum de estreia do quinteto, mostrou um som ainda mais elaborado e consistente, com direito até mesmo a um ousado cover de Wuthering Heights, primeiro sucesso da cantora britânica Kate Bush. Mas o melhor, mesmo, viria com Holy Land (1996), ambicioso álbum que misturou de forma criativa e elaborada heavy rock, música erudita e elementos oriundos da música brasileira, com resultado que os levou ainda mais longe.

Se com o Viper Andre já havia iniciado uma boa repercussão fora do Brasil, especialmnente na Ásia, com o Angra essa peregrinação roqueira foi ainda além, com o disco conquistando elogios também na Europa e EUA. Nesse período, ele quase chega a um posto inacreditável: ser vocalista do Iron Maiden. Com a saída de Bruce Dickinson, a vaga ficou em aberto, e ele esteve na boca de conquistá-la. O “cargo” ficou, no fim das contas, com o britânico Blaze Bayley, mas nosso cantor saiu vitorioso, pois dessa forma teve a chance de dar prosseguimento em uma carreira autoral que vinha muito bem.

Problemas de relacionamento tiraram Andre e também Ricardo Confessori e Luis Mariutti do Angra em 2000. No ano seguinte, eles, aliados ao irmão de Luis, Hugo, criaram um novo time. Surgia o Shaman, que em 2002 lançou seu álbum de estreia, Ritual, pela Universal Music. A música Fairy Tale os levou à trilha sonora da novela global O Beijo do Vampiro, algo impensável para uma banda de heavy brazuca. Outra façanha na conta de Matos.

Com a separação da formação original do Shaman em 2006, Andre investiu em uma carreira solo que rendeu os álbuns Time To Be Free (2007), Mentalize (2009) e The Turn Of The Light (2012). E foi na época em que ele lançou este último que tivemos o reencontro entre ele e os antigos amigos do Viper. A nova parceria teve como ápice a participação deles no Rock in Rio em 2013, justo o festival que, naquele agora longínquo 1985, os incentivou a ir à luta.

Além dessas três bandas icônicas, Andre Matos marcou presença em diversos outros projetos, entre os quais o Virgo, com o produtor alemão Sascha Paeth, o Avantasia do também alemão Tobias Sammet. E foi em uma participação em um show deste último no domingo (2) no Espaço das Américas que ele subiu em um palco pela última vez. Ele vinha se dedicando a uma turnê de reunião do Shaman cujo início havia ocorrido em 2018. Ainda tinha muita coisa para rolar na vida dele. Uma pena. Mas quantos sonhos o cara concretizou, heim?

Nesses anos todos, tive a oportunidade de entrevistar Andre Matos em diversas ocasiões. Em todas elas, presenciei um cara extremamente educado, simpático e articulado, que demonstrava segurança em relação a seus objetivos. O último contato ocorreu em 2013, em entrevista ao lado dos amigos do Viper, um delicioso encontro entre garotos que sonharam juntos e viram esses objetivos se tornarem realidade, um a um. Sentirei muita falta dele, podem ter certeza. E me sinto honrado de ter meu nome nos agradecimentos incluídos no encarte do álbum Holy Land. Ainda mais em um álbum com aquele porte. Gratidão eterna!

Ouça Holy Land, do Angra, na íntegra:

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