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Por Fabian Chacur

O nome João Donato entrou no meu radar em 1975, quando, ainda adolescente, comprei a trilha sonora nacional da novela global Pecado Capital. Das várias músicas ótimas constantes na mesma, uma das minhas favoritas era a balançada Que Besteira, parceria dele com Gilberto Gil na qual seu swing e irreverência ficavam muito claros.

Esse grande cantor, compositor, arranjador e multi-instrumentista que no deixou na madrugada desta segunda-feira (17) aos 88 anos teve como marca essa capacidade de misturar estilos musicais à sua própria moda. Tem forte ligação com a bossa nova, mas foi muito além da mesma, somando a essa sonoridade jazz, música latina, música regional e o que mais pintasse.

Tive a oportunidade de entrevistá-lo em meados dos anos 1990 em um hotel em São Paulo, e foi uma experiência muito curiosa. Fui junto com a fotógrafa Nadirene, cujo nome ele repetiu algumas vezes, admirado. Eles nos atendeu à porta com uma toalha pendurada na barriga, obviamente recém-saído do banho, e amaria ter um registro da cara que eu e a fotógrafa fizemos ao vê-lo assim, totalmente surpreendidos.

Lembro de ele ter sido bem simpático e boa praça, falando conosco ao lado de Leila, a famosa musa que inspirou um de seus trabalhos mais instigantes, Leilíadas (1986), que teria algumas de suas faixas instrumentais letradas posteriormente, uma delas a absolutamente maravilhosa A Paz (ouça aqui ), que ganhou os versos de um de seus parceiros mais constantes, Gilberto Gil.

Nascido em Rio Branco, Acre, em 17 de agosto de 1934, Donato se mudou com a sua família para o Rio de Janeiro em 1945, e por lá iniciou a sua carreira musical, ainda criança/adolescente. Seu primeiro álbum, Chá Dançante (1956), teve a produção do então ascendente Tom Jobim. A partir dali, sua carreira se mostrou repleta de possibilidades bem concretizadas.

Morou nos EUA, onde consolidou sua reputação como um artista dos mais competentes e lançou um álbum até hoje muito cultuado, A Bad Donato (1970), que ele tocou na íntegra em São Paulo no Teatro Municipal, durante a Virada Cultural de 2007. Gravou discos solo e também alguns com parceiros como Marcos Valle, Carlos Lyra, Emilio Santiago, Roberto Menescal, Bud Shanks, Paulo Moura e Eumir Deodato, só para citar alguns.

Dos inúmeros dons que tinha, o da composição rendeu maravilhas do porte da já comentada A Paz e também Lugar Comum (parceria com Gil, ouça aqui), A Rã (ouça aqui), Nasci Para Bailar (ouça aqui) e Bananeira (ouça aqui), bons exemplos de uma frutífera produção.

Mesmo enfrentando problemas de saúde, João Donato se manteve produtivo até o fim, lançando, entre outras coisas, um álbum com o talentoso filho Donatinho (Sintetizamor– 2017), o recente Serotonina (de agosto de 2022) e Síntese do Lance (2021), este último em parceria com Jards Macalé e na capa do qual os dois aparecem sem camisa, algo que surpreendeu a muitos, mas obviamente não a mim, relembrando aquele dia dos anos 1990…

Link para sensacional entrevista de João Donato para JÔ Soares aqui.

Que Besteira– João Donato: