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Gonzaga Leal e Áurea Martins homenageiam Dalva de Oliveira

CD Aurea Martins & Gonzaga Leal --400x

Por Fabian Chacur

Dalva de Oliveira (1917-1972) deixou sua marca na história da música brasileira como uma de suas melhores e mais bem sucedidas cantoras. Ela também pode ser considerada, infelizmente, uma das precursoras da excessiva exposição na mídia atual de artistas, graças a suas intensas e polêmicas relações afetivas. Como forma de homenagear essa personalidade marcante da nossa cultura, o cantor Gonzaga Leal concebeu um show, semente que, agora, dá um fruto dos mais preciosos, o CD Olhando o Céu, Viu Uma Estrela, que gravou ao lado da cantora Áurea Martins.

Com uma carreira repleta de projetos consistentes e de forte conteúdo cultural (leia mais sobre Gonzaga Leal aqui ), este experiente e talentoso artista pernambucano resolveu mergulhar no universo musical de Dalva, repleto de belas canções nas quais o amor é o tema principal e sempre de forma abrangente, indo das paixões arrasadoras aos finais nem sempre muito agradáveis, passando por todas as nuances possíveis.

Dalva de Oliveira foi uma das grandes estrelas da era do rádio no Brasil, e se manteve ativa entre as décadas de 1930 e 1960. Seu casamento com o grande compositor Herivelto Martins, que durou por volta de dez anos, rendeu grandes momentos musicais e também muita confusão, e essa seria a marca de sua vida pessoal. No entanto, sua voz potente e versátil a eternizou, independente de tumultos e ácidas manchetes de jornal.

O repertório do álbum gravado em estúdio nos apresenta alguns dos maiores clássicos do repertório da intérprete oriunda de Rio Claro (SP), sendo seis de autoria de Herivelto. Algumas integram até hoje o imaginário dos fãs da nossa música em função de regravações ocorridas posteriormente, casos de Kalú, Atiraste Uma Pedra, Tudo Acabado e Estão Voltando as Flores.

A direção musical e regência, a cargo de Caca Barreto (também assinou os arranjos) e Cláudio Moura, deram ao álbum uma roupagem delicada e singela, ressaltando dessa forma as belas melodias e as letras inspiradas de cada canção.

A grande sacada do trabalho foi ter sido montado como se fosse uma apresentação radiofônica, entremeando as canções com depoimentos da própria Dalva de Oliveira (gravados em 1970 para o Museu da Imagem e do Som-RJ) e com outras declarações dela interpretadas pela cantora e atriz Marília Barbosa. Também participam a grande Cida Moreira e a talentosa Isadora Melo.

E Gonzaga não poderia ter escolhido melhor a parceira para o álbum. Áurea, há mais de cinco décadas na estrada e dona de uma trajetória artística, musical e pessoal digna e invejável, captou com categoria o espírito deste trabalho, relendo com sensibilidade e alma (e uma voz encantadora) músicas que marcaram a história da nossa música e do nosso país.

Olhando o Céu, Viu Uma Estrela é um daqueles álbuns que já nascem clássicos, e que precisa ser ouvido com atenção, de preferência tendo em mãos o belíssimo livreto que acompanha o CD, que além das letras das canções e da ficha técnica completa, traz também belos textos contextualizando esta obra. Um resgate belíssimo e mais um golaço na carreira desse inquieto Gonzaga Leal.

Ouça Olhando o Céu, Viu Uma Estrela em streaming:

Alaíde Costa e Gonzaga Leal e sua sutileza no CD Porcelana

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Por Fabian Chacur

Se eu fosse obrigado a definir Porcelana, primeiro CD lançado em dupla pelos experientes e talentosos cantores Alaíde Costa e Gonzaga Leal, com uma única palavra, ela seria sutileza. Nada mais sutil do que as canções, os arranjos e especialmente as interpretações contidas neste álbum, com direito a 13 canções repletas de lirismo e sensibilidade pura.

Alaíde Costa é uma das pioneiras da Bossa Nova, e está na estrada há mais de 50 anos, esbanjando talento ao interpretar composições alheias e também as de sua própria autoria. Seu dueto com Milton Nascimento em Me Deixa em Paz, faixa do antológico Clube da Esquina (1972), é para mim um dos mais brilhantes e emocionantes da história da MPB.

Por sua vez, Gonzaga Leal está na estrada desde a década de 1970, investindo em um trabalho que se preza pelo bom gosto e por um apurado senso de qualidade na seleção de repertório e músicos que o acompanham. Investir no que estiver na moda ou em facilidade para “tocar nas rádios” nunca foi sequer opção para ele, que assim construiu uma trajetória bem respeitável no cenário da MPB.

A carioca radicada há décadas em São Paulo e o pernambucano fazem shows juntos há dez anos, e faltava apenas registrar essa parceria bem entrosada em disco. Não falta mais. Porcelana é um daqueles trabalhos que você precisa ouvir com atenção, para poder captar as suas nuances em termos musicais e poéticos. Não se presta a uma audição apressada e desatenta, pois não foi feito para isso. E vale dar ao CD essa atenção.

As vozes de Gonzaga e Alaíde são muito belas, e brilham tanto nos momentos solo como nas horas em que se encontram. Facilita as coisas os belos arranjos instrumentais, que são assinados por ótimos músicos como Maurício Cesar (teclados) e Marcos FM (baixo). O tema básico do disco são as idas e vindas do amor, olhados de forma lírica e poética e sem cair no rotineiro ou no banal. É a paixão como mote o tempo todo.

O repertório, assinado por autores das mais diversas origens e fama, prima pelas melodias elaboradas e letras sofisticadas, mas sem nunca cair naquela erudição exagerada/arrogante. É música popular, sim, mas de bom gosto. São vários os destaques, entre os quais Meu Amor Abre a Janela, O Meu Menino é D’oiro e Quando Se Vai Um Amor, provas de que dá para se falar de amor sem cair naquelas coisas repetitivas e tolas que tocam nas rádios mais popularescas.

Porcelana é um daqueles trabalhos que apostam na inteligência e no bom gosto do ouvinte. Impressiona a categoria de Alaíde Costa, que há pouco comemorou 80 anos de idade que definitivamente não aparenta, nem em termos físicos, nem em termos vocais. E Gonzaga Leal é categoria pura, digno seguidor do que de melhor a nossa música popular nos rendeu em toda a sua história. Eis um disco que merecia ter impresso a frase Disco é Cultura que aparecia nos LPs nos anos 1970.

Meu Amor Abre a Janela:

Divinamente Nua a Lua:

Gonzaga Leal esbanja brasilidade em novo CD

Por Fabian Chacur

Com mais de 30 anos de estrada, o cantor e autor pernambucano Gonzaga Leal traz como marca registrada o desejo de mergulhar nas várias sonoridades da música popular brasileira, sem se prender a um único estilo. Seu novo CD, De Mim, lançado pela via independente, é uma boa prova da consistência de sua proposta, com 15 faixas que equivalem a uma bonita viagem pela musicalidade tupiniquim de qualidade.

Nascido em Serra Talhada e radicado desde a adolescência em Recife (PE), Gonzaga tem no currículo atuações em shows e discos de gente do gabarito de Edu Lobo, Boca Livre, Milton Nascimento, Alaíde Costa e inúmeros outros. Já lançou diversos trabalhos individuais, entre os quais O Olhar Brasileiro (2000), Um Tributo a Nelson Ferreira (2002) e Cantando Capiba…e Sentirás o Meu Cuidado (2004).

De Mim inclui em seu repertório composições de autores de vários estados brasileiros, como Altay Veloso, Adriana Calcanhoto, Paulo Cesar Pinheiro, Luiz Tatit, Fábio Tagliaferri e Junio Barreto, só para citar alguns. Os arranjos musicais são minimalistas, delicados e bastante elaborados, um deles assinados pelo grande músico e arranjador Jaime Além, conhecido por seu trabalho realizado há muitos anos com Maria Bethânia.

Com sua voz suave e doce, Gonzaga Leal dá um tom sóbrio e bem pessoal ao repertório. Um dos destaques do álbum fica por conta da participação especial da amiga Marília Medalha, conhecida pelo antológico dueto com Edu Lobo no clássico Ponteio. Aqui, ela divide com Gonzaga as músicas Voo Cego e Deusa da Lua, dois dos momentos mais felizes desse álbum.

A marcante cantora Cida Moreira é a atração da faixa A Janela Da Casa do Tempo. J. Veloso marca presença em Sonho Imaginoso, enquanto Juliano Holanda e Públius comparecem em Ainda Bem Que Eu Trouxe a Viola. Por sinal, a viola brasileira é uma das paixões confessas de Gonzaga Leal, e uma das principais inspirações para sua obra e este trabalho em particular.

Com ótima produção, participação de músicos de primeira linha e apresentação gráfica belíssima, com direito a capa digipack e encarte luxuoso, De Mim é o tipo de trabalho que certamente irá cativar os fãs da música popular brasileira de real mérito artístico, além de ser prova concreta e segura de que a produção independente brasileira continua crescendo cada vez mais em termos qualitativos e organizacionais.

Ouça Água Serenada, do CD De Mim, de Gonzaga Leal:

Luiz Gonzaga Jr.- Luiz Gonzaga Jr. (EMI-Odeon-1973)

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Por Fabian Chacur

Quando lançou o seu 1º álbum, Luiz Gonzaga Jr. (1973), no ano em que completou 28 anos, Gonzaguinha já tinha uma trajetória com boas realizações em seu currículo. Não é de se estranhar que soe como um trabalho bastante maduro e bem formatado. Ele entrou em estúdio com experiência suficiente para dar conta do recado com categoria. Para situar bem o leitor, vamos fazer uma viagem por essa fase inicial da carreira deste grande cantor, compositor e músico.

Gonzaguinha foi fruto de um relacionamento de menos de dois anos entre seu pai, Luiz Gonzaga (1912-1989) e a cantora, dançarina e compositora Odaléia Guedes dos Santos. Eles se conheceram quando ela fez vocais de apoio em gravações do Rei do Baião, como integrante do coro de Erasmo Silva. Foi ele quem sugeriu a Gonzaga que hospedasse a jovem artista, que há pouco havia sido expulsa de casa.

Odaléia também atuava no Rio de Janeiro em dancings, salões de baile nos quais os frequentadores pagavam para dançar com as meninas disponíveis, que tinham cartões nos quais marcavam suas atividades. O músico pernambucano não aceitava o jeito mais independente e rebelde da parceira. Mesmo assim, tiveram um filho, que nasceu no dia 22 de setembro de 1945.

Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. teve pouca convivência com a mãe. Por volta de dois meses após o nascimento de Luizinho (como ele era chamado quando era criança), Odaléia foi diagnosticada com tuberculose, e precisou ser internada em Minas Gerais. Gonzagão, então, pediu aos padrinhos da criança, seus amigos desde que chegou ao Rio, em 1939, que cuidassem dele.

Entre idas e vindas, Odaléia acabou falecendo por volta dos 23 anos, quando o filho não tinha nem 4 aninhos. O pai se casou com Helena em 1948, e ela não aceitou que o sanfoneiro levasse o garoto para morar com eles. Aí, os padrinhos, Leopoldina (Dina) de Castro Xavier e Henrique Xavier Pinheiro, o Baiano do Violão, passaram a criar de forma efetiva Luizinho.

Dina sempre fez de tudo para manter o menino próximo do pai, levando-o para visitá-lo de forma regular. Morando no Morro do São Carlos, no célebre bairro do Estácio, um dos berços do samba carioca, Luizinho aprendeu as malandragens na rua e também se apaixonou pela música, inspirado no pai, no padrinho e naquilo que ouvia nas programações das rádios de então- boleros, sambas-canção, baião, som de orquestras etc.

Rebelde e introspectivo, Gonzaguinha resolveu aos 16 anos tentar se aproximar do pai de uma forma mais efetiva, indo morar com ele. A madrasta desta vez aceitou, mesmo a contragosto, e dessa forma duas pessoas com personalidades muito distintas foram aprendendo a se entender aos poucos, mesmo que aos trancos e barrancos.

O autor de Asa Branca queria que o filho tivesse um curso superior, “virasse doutor”, como se dizia na época. Luizinho estudava, mas a música sempre se mostrou uma opção profissional que cresceu cada vez mais na sua vida. E, ao contrário do que alguns pensam, foi exatamente o pai quem lhe abriu as portas na carreira que viria a exercer.

Em 1964, Gonzagão gravou pela primeira vez uma música de seu filho, Lembrança de Primavera (ouça aqui), incluída no seu álbum A Triste Partida e canção que Luizinho escreveu quando tinha apenas 14 anos.

Papai mostrou que tinha fé no seu rebento, pois em seu álbum seguinte, Quadrilhas e Marchinhas Juninas (1965), registrou mais duas canções dele, Matuto de Opinião (ouça aqui) e Boi Bumbá (ouça aqui).

O álbum Canaã (1968), de Gonzagão, marcou o auge desse período, pois inclui nada menos do que quatro composições assinadas por Luiz Gonzaga Jr.: Pobreza por Pobreza (ouça aqui ), Erva Rasteira (ouça aqui), Festa (ouça aqui) e Diz Que Vai Virar (ouça aqui).

Quando resolveu gravar um álbum com canções de novos valores da música brasileira, O Canto Jovem de Luiz Gonzaga (1971), o Rei do Baião obviamente não iria deixar seu filho de fora, e não só registrou Morena (ouça aqui) como convidou-o para um dueto na releitura de Asa Branca (ouça aqui).

Completa essa sequência a música From U.S. Of Piaui (ouça aqui), composição de Gonzaguinha que Gonzagão gravou em seu álbum Aquilo Bom (1972). Vale registrar que o jovem compositor, que raramente pedia dinheiro ao pai, teve como ganhos iniciais no mundo musical exatamente os direitos autorais provenientes dessas gravações.

Entre 1964 e 1972, portanto, Luiz Gonzaga gravou nada menos do que 9 composições do filho em seus discos. De quebra, ainda foi o padrinho de casamento do seu herdeiro em 1971, com Angela Porto Carreiro. Ou seja, aquela história de que eles só se entenderam a partir de 1979, quando gravaram juntos A Vida do Viajante, é pura balela.

Uma das razões pelas quais Gonzaguinha passou a morar com o pai foi para poder ingressar em uma universidade, algo que seus padrinhos não tinham como ajudá-lo a fazer em termos financeiros. E isso ocorreu em 1967, quando ele entrou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes com o intuito de se tornar economista.

A entrada no meio universitário o ajudou a se aproximar de outros talentos musicais. O primeiro trabalho de Gonzaga Jr. fora do universo do pai ocorreu quando compôs a trilha sonora da peça teatral Joana em Flor, do grupo teatral Arena da Ilha (no caso, a do Governador). Nessa mesma época, foi levado pela amiga Angela Leal (que depois se tornaria uma famosa atriz) a uma certa casa situada na rua Jaceguai nº 27, no bairro da Tijuca.

Naquela residência simples de classe média, o médico Aluizio Porto Carrero, que também era músico, fazia reuniões musicais no melhor espírito dos saraus de antigamente. Ele, a esposa Maria Ruth e as filhas Angela e Regina recebiam jovens amigos, geralmente estudantes universitários, para tocar música e conversar. Gonzaguinha se sentiu à vontade logo na primeira visita.

Em 1968, Gonzaguinha lançou o seu primeiro disco, um compacto simples produzido por conta própria incluindo Tema Joana em Flor (ouça aqui), da trilha da peça teatral Joana em Flor, e Pobreza por Pobreza (ouça aqui).

Esta última, além de ter sido posteriormente gravada pelo pai, participou do I Festival Universitário da Música Brasileira, realizado pela TV Tupi. A composição ficou entre as finalistas, e acabou incluída no LP do evento em interpretação do cantor Jorge Nery (ouça aqui ). E foi ali que ele conheceu um de seus melhores amigos na cena musical, Ivan Lins.

Vale dizer que, a partir de 1965, os festivais de música se tornaram a grande plataforma através dos quais os novos nomes chegavam ao grande público. Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jair Rodrigues, entre outros, ganharam fama participando dessas competições organizadas pelas emissoras de TV.

Interagindo na casa da rua Jaceguai com Ivan Lins (que também se tornou figura assídua por lá), Aldir Blanc, Cesar Costa Filho, Guinga e outros jovens talentos, Gonzaguinha foi mergulhando cada vez mais na cena dos festivais, e em 1969 foi o vencedor do II Festival Universitário, da TV Tupi, com a música O Trem (Você se Lembra Daquela Nega Maluca Que Desfilou Nua Pelas Ruas de Madureira?) (ouça aqui).

Com elaborado arranjo fortemente influenciado pelo jazz de artistas como Miles Davis e escrito pelo consagrado músico Luizinho Eça, O Trem recebeu vaias intensas do público, obviamente não preparado para ouvir algo tão refinado, e com uma letra profunda e inspirada na fugacidade e dificuldade da vida de uma pessoa comum.

A vitória valeu a Luiz Gonzaga Jr. um contrato com o selo Forma, da gravadora Philips. Naquele mesmo 1969, outro resultado expressivo: venceu na categoria melhor letra com Moleque (ouça aqui) no 5º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.

Em 1970, a turma da Rua Jaceguai resolve participar do 5º Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela Rede Globo. Embora apresentem suas músicas de forma individual, os integrantes usam coletes da mesma cor e se definem como MAU (Movimento Artístico Universitário).

Ivan Lins atinge o 2º lugar, com O Amor é o Meu País, e Gonzaguinha fica com o 4º posto com Um Abraço Terno em Você, Viu, Mãe? (ouça aqui), canção que cita Asa Branca e é claramente inspirada em Tropicália, também aproveitando elementos de versos da mesma.

No III Festival Universitário da Canção, Gonzaguinha participa com Parada Obrigatória Para Pensar (ouça aqui), que seguia a mesma fórmula elaborada de O Trem e lhe valeu um honroso 4º lugar na classificação geral.

O bom desempenho dos integrantes do MAU no 5º FIC chamou a atenção de sua organizadora, a TV Globo, que pensava em fazer um programa musical dedicado aos jovens. Surgiu, dessa forma, o Som Livre Exportação, que no início de 1971 trazia como apresentadores Ivan Lins e Elis Regina e a turma de universitários participando, entre eles Gonzaguinha.

Após o contrato inicial, de dois meses, a Globo ofereceu renovação a apenas três integrantes do MAU: Ivan, Gonzaguinha e Cesar Costa Filho. Eles aceitaram, e assim tivemos o fim do movimento. O programa durou aquele ano de 1971, e teve boa repercussão perante o público.

Gerou o lançamento de dois LPs com performances dos convidados e dos apresentadores, com duas músicas inéditas de Gonzaguinha: Eu Quero (ouça aqui), bastante inspirada em Batmacumba, de Gilberto Gil, e Raça Superior (ouça aqui), ironizando o brasileiro naquele momento.

Mesmo com a presença expressiva de Luiz Gonzaga Jr. nos festivais e na mídia, o selo Forma não se mostrava animado em investir em um LP dele. Naquele ano efervescente, lançaram apenas um compacto simples (com Afriasiamérica) e um compacto duplo que destacava a faixa Por Um Segundo.

Por Um Segundo (ouça aqui), com sua roupagem meio soul pop que caberia feito luva na voz de Wilson Simonal, foi a que mais tocou em rádios, e é excelente, embora à parte do estilo habitual do cantor e compositor carioca.

A experimental e roqueira Afriasiamérica (ouça aqui), a lírica e no melhor estilo voz e violão Felícia (ouça aqui) e a deliciosa Plano Sensacional (ouça aqui), com inspiração no estilo de Milton Nascimento, são provas da qualidade da sua produção na época.

O compacto duplo era completado por Sanfona de Prata (ouça aqui), uma tocante homenagem ao pai que ressalta sua proximidade com o povo e as viagens pelo país inteiro divulgando a cultura popular. Embora ainda em processo de amadurecimento, ele já merecia a deferência de lançar um LP.

Com o fim do Som Livre Exportação e o aparente desinteresse da Forma/Philips em investir mais forte na sua carreira, Gonzaguinha assinou em 1972 um contrato com a EMI-Odeon.

Sua estréia na nova casa fonográfica foi no formato compacto, trazendo uma nova e bem melhor versão de Pobreza Por Pobreza (ouça aqui) e Mundo Novo Vida Nova (ouça aqui), linda canção que em 1969 foi interpretada por Claudete Soares no 2º Festival Universitário da Música Brasileira e em 1980 seria gravada por Elis Regina no álbum Saudade do Brasil.

O último lançamento daquele 1972 foi Depois do Trovão (ouça aqui), que concorreu no 5º Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora e foi incluída no LP com músicas daquele evento em versão ao vivo voz e violão, na qual Gonzaguinha cita novamente Asa Branca.

As músicas lançadas pelo autor de Explode Coração no selo Forma foram reunidas e lançadas no CD Gonzaguinha (2001), em ótimo trabalho do pesquisador Marcelo Fróes. Só ficou de fora Raça Superior, lembrando que as versões originais de Tema Joana em Flor e Pobreza por Pobreza são de um compacto independente. Esta última entrou no CD com Jorge Nery.

Em 1973, portanto, Luiz Gonzaga Jr. estava mais do que pronto para lançar um consistente álbum de estreia. E foi exatamente isso o que ele fez. A direção musical ficou a cargo do então já veterano Maestro Lindolfo Gaya (1921-1981). Para atuar como assistente de produção, orquestrador e regente, entrou em cena o brilhante J.T. Meirelles (1940-2008), conhecido por sua atuação com o grupo Copa 5.

O principal mérito dos arranjos neste álbum é não se perder em climas rebuscados que eventualmente frequentavam algumas gravações na época. As roupagens sonoras procuravam enfatizar as letras e os vocais.

O disco não traz ficha técnica completa, mas é possível deduzir que o guitarrista e violonista Sidney Mattos(que é citado nos agradecimentos especiais) tenha tocado nele, pois o músico tinha sido colega de Gonzaguinha no MAU e está na ficha técnica do segundo álbum do artista, de 1974.

A capa é enigmática. De forma apressada, pode parecer uma foto do artista em um porta-retratos cujo vidro estaria rachado. No entanto, se olharmos mais atentamente, podemos imaginar que seja, na verdade, o reflexo de Gonzaguinha em uma janela ou espelho, que estava refletindo também uma árvore. Como a outra foto do álbum traz o cantor atrás de plantas, esta segunda hipótese se mostra a mais pertinente.

As 10 faixas deste trabalho giram em torno de estilos musicais que seriam constantes nos álbuns de Gonzaguinha. Basicamente, bolero, baião, samba e rock sob o viés de Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Vamos a uma análise música a música deste LP.

Sempre Em Teu Coração (ouça aqui)

O álbum abre com uma canção lírica, com um delicado arranjo de cordas ao fundo e violão conduzindo tudo. A influência do Clube da Esquina se mostra nítida. A letra é ambientada em um salão de danças, certamente inspirada na atuação da mãe Odaléia, e cita a Orquestra de Waldir Calmon (1919-1982), que viveu o seu auge na década de 1950, ou seja, na infância-adolescência de Gonzaguinha. Ele exploraria esse mesmo universo futuramente.

Minha Amada Doidivanas (ouça aqui)

Neste bolero estilizado, o ouvinte desavisado pode achar que se trata de alguém lamentando um amor persistente por uma pessoa que o despreza em nome de outra pessoa-paixão. No entanto, a citação de trecho do Hino Nacional Brasileiro (para ser mais preciso, “No Teu Seio Mais Amores”) e os versos “dói saber, amada tropicana, somente eu não estou a fim de te explorar, doidivana” deixam claro se tratar de lamentações contra a ditadura militar que deitava e rolava naquele cinzento Brasil de 1973.

Página 13 (ouça aqui)

Em sua carreira, Gonzaguinha sempre se mostrou um ácido cronista do cotidiano brasileiro. Aqui, em uma mistura de samba-canção e jazz rock (com passagens de metais e guitarra simplesmente matadoras), narra a tragédia ocorrida com um vizinho que ele tinha em grande conta por razões absolutamente superficiais, e que acabou virando estrela macabra de matéria em um jornal popular. Ele tira conclusões acerca de um cara que viveu por 10 anos na vizinhança, e que ele só encontrava no elevador e de quem nem sabia o nome, “ele nunca falou”. Obra-prima, raramente citada.

Românticos do Caribe (ouça aqui)

Essa faixa é mais uma prova concreta de como o romantismo sempre fez parte da obra deste artista, taxado por alguns apressados como “cantor-rancor” nessa sua fase inicial. Com direito a uma guitarra jazzística e musicalidade envolvente, o tema aqui é uma relação afetiva que de certa forma entrou no piloto automático, longe da paixão dos tempos iniciais. E o que Gonzaguinha propõe é exatamente isso, a retomada do prazer da dança ao som de um bom bolero à meia luz. O romance resiste!

Sim, Quero Ver (ouça aqui)

Com tempero de samba-canção e acompanhamento em ritmo meio marcial, o tema aqui é o desejo de ver a festa de volta, “sem máscaras negras e com o pierrot vencendo o arlequim”. Lógico que o assunto aqui é o repúdio à ditadura militar e o sonho do retorno à democracia. A interpretação sutil e delicada em termos vocais mostra o quanto o Gonzaguinha cantor havia amadurecido em relação aos anos anteriores.

A Felicidade Bate à Sua Porta (ouça aqui)

Um dos temas recorrentes de Gonzaguinha é o retorno da festa, da alegria, de um tempo mais alegre e pra cima, em meio àqueles anos de chumbo vividos durante a ditadura militar. Aqui a abordagem é do tipo vamos voltar aos bons tempos da felicidade com a ajuda de um certo trem da alegria, “e que importa a mula manca, se eu quero…”. O arranjo pende para o rock latino percussivo. Com uma roupagem disco music, esta canção se tornaria o primeiro hit das Frenéticas, em 1977.

Palavras (ouça aqui )

Este samba-canção com um certo tempero de fado é explícito ao condenar quem fala muito e não faz nada para minorar ou mesmo acabar com o sofrimento e a tristeza. O ouvinte mais atento pode identificar ecos melódicos de Negue (Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos), clássico da nossa música que fez sucesso nas vozes de Nelson Gonçalves, Maria Bethânia e até do Camisa de Vênus.

Moleque (ouça aqui)

Esta canção equivale a um auto-retrato do autor, lembrando de suas origens como moleque nas ruas do Morro do São Carlos, onde aprendeu muito sobre a vida e firmou sua personalidade irreverente, contestatória e inconformista. A gravação original de 1969 trazia um arranjo orquestral um pouco rebuscado demais. Aqui, o acompanhamento é exato, com ênfase na parte rítmica (bem nordestina), uma flauta precisa e o vocal de Gonzaguinha mandando uma de suas melhores letras. Ele a regravaria em 1977, em pot-pourry com Festa, no álbum intitulado, não por acaso Moleque Gonzaguinha. Uma das canções essenciais do songbook gonzaguiano.

Comportamento Geral (ouça aqui)

Se em outras canções tínhamos críticas feitas de forma um pouco mais sutil, aqui o filho do Rei do Baião vai direto ao assunto, ironizando o conformismo das pessoas ao aceitar as imposições dos patrões e dos ditadores de plantão. “Você merece, você merece, tudo vai bem, tudo legal, cerveja, samba e amanhã, seu Zé, se acabarem com o teu carnaval?”, diz o ácido refrão. Este samba fantástico foi lançado em compacto simples que rapidamente vendeu mais de 20 mil cópias, especialmente após ter sido apresentado no Programa Flávio Cavalcanti, uma das maiores audiências da TV de então. Outro momento estelar da obra de Gonzaguinha.

Insônia (ouça aqui)

O momento mais introspectivo e tenso do álbum, e que o encerra, começa com o tic-tac de um relógio e flagra alguém na cama, de madrugada, tenso e obviamente inseguro com aqueles dias cinzentos, com versos agudos como “e esse lençol gelado,e esse sono que não vem”.

A versão em CD de Luiz Gonzaga Jr. saiu em 1997 incluindo como faixa-bônus Depois do Trovão (ouça aqui).

Com a grande repercussão obtida por Comportamento Geral, a censura se mostrou implacável e determinou não só o recolhimento do compacto simples como também do álbum, que só seriam liberados novamente em 1980, quando vivíamos a abertura.

Embora reflita aquele tempo tão difícil, trata-se de um trabalho repleto de musicalidade, esperança e fé em um futuro melhor, e que seria uma espécie de template (molde) para os trabalhos posteriores de Gonzaguinha, artista que se valeu com rara habilidade da autorreferência e do desenvolvimento de um mesmo tema em várias canções diferentes, marca também de Belchior, vale registrar.

Ouça Luiz Gonzaga Jr. (1973) em streaming na íntegra:

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