Mondo Pop

O pop de ontem, hoje, e amanhã...

Category: as tais memórias (page 7 of 7)

Paul McCartney no Brasil em 1990 – memórias 1

Por Fabian Chacur

Nem acreditei quando, no início de 1990, foi confirmada a vinda de Paul McCartney ao Brasil. A única má notícia era o fato de que os dois únicos shows deles por aqui seriam no Rio, no estádio do Maracanã.

Na época, recebi o convite para escrever o texto para um jornal tabloide especial sobre esse presente que os brasileiros receberiam enfim, após décadas de expectativas não concretizadas.

Foi bem divertido fazer esse trabalho, com edição a cargo do amigo Sérgio Boscolô Lopes, que anos depois pisaria feio, mas feio mesmo comigo.

Mas isso não é assunto para este post. E o jornalzinho ficou um tesão, tendo sido vendido antes do show.

Na época, eu trabalhava no Caderno Revista do Diário Popular, que não cogitava enviar alguém para o Rio para cobrir os shows.

Então, eu, na juventude idealista de meus 28 anos, resolvi fazer uma proposta aos meus editores, para poder unir o útil ao agradável: ver o show, fazer matérias sobre o mesmo e não pagar ingresso.

A proposta foi simples e imediatamente aceita.

O jornal não me pagou rigorosamente nada (passagem, estadia, alimentação etc), mas me permitiu ser credenciado em seu nome, o que me permitiria não só ver o show como também cobrir a entrevista coletiva. Beleza! Valia o sacrifício.

Aí, consegui fazer uma parceria com o fotógrafo Fernando Calzani (por onde anda?), de Ribeirão Preto e na época fazendo frilas para o Diário.

Foi graças a ele que consegui lugar para ficar no Rio, no bairro das Laranjeiras, no apartamento de uma namorada dele. Como diria Calzani, ficamos num “hotel cinco estrelas”.

Chegamos no Rio em uma quarta-feira de abril. O primeiro show deveria ser em uma quinta, o segundo, em um sábado. No final daquele dia inicial na Cidade Maravilhosa, pegamos um verdadeiro dilúvio.

Eu, o Calzani e dois amigos dele demoramos por volta de quatro horas para conseguir ir do centro do Rio até o bairro das Laranjeiras, com direito a congestionamentos, inundação, ver a água subindo ao lado, carro morrendo e tudo mais. Tenho foto disso, um dia postarei por aqui…

A chuva permaneceu firme por lá, a ponto de levar a organização do evento a adiar a apresentação inicial para a sexta feira.

A equipe de produção até tirou um sarro. Um cartaz afixado por lá tinha reprodução da capa do álbum que McCartney divulgava na época, Flowers In The Dirt (flores na sujeira), com a palavra dirt riscada e um enorme Rain (chuva) escrito em seu lugar. Também tenho foto disso…

Eu e Calzani ficamos o máximo de tempo que pudemos no lobby do hotel Intercontinental, onde McCartney e sua mulher Linda ficaram hospedados, mas não conseguimos trombar com eles por lá.

O máximo que obtivemos foi contato com os músicos da banda que o acompanhava, mais especificamente o tecladista Wix Wickens e o guitarrista Robbie McIntosh.

Na sexta feira em que o primeiro show enfim seria realizado, também iria ocorrer a entrevista coletiva com Paul McCartney, em uma sala no próprio Maracanã, horas antes do espetáculo.

Cheguei ao estádio com uma chuva daquelas, e tive de dar a volta no estádio para conseguir entrar. Foi um sufoco. Mas tive um prêmio, e daqueles.

Em feliz coincidência, estava no portão na exata hora em que o ônibus com Paul, Linda e os músicos entrava no estádio. Gentil, o casal estava na porta do busão e acenou para nós. Juro: foi um dos momentos mais emocionantes dos meus 48 anos de vida.

Mais emocionante até do que a coletiva, que rolaria minutos mais tardes. Fácil de explicar: era a primeira vez que eu tinha a chance de ver de perto o meu grande ídolo, cujas canções amo desde que tinha meros sete anos de idade.

A coletiva foi bem legal, embora eu não tenha conseguido fazer perguntas. A primeira foi feita por um jornalista carioca chamado Heitor Pitombo, que tirou gargalhadas de todos ao dizer, antes de fazer sua pergunta: “como estou nervoso!”.

E tivemos obviamente os shows, cujas recordações ficam para o próximo post.

Annie Lennox me deixou com o queixo caído

Por Fabian Chacur

Cobri todas as edições do extinto festival Hollywood Rock pelo também extinto jornal Diário Popular, com exceção da última, realizada em janeiro de 1996. Tenho belas lembranças de shows e entrevistas coletivas desse evento.

Uma delas ocorreu em janeiro de 1990. Tive a oportunidade de participar, em um hotel em São Paulo, da entrevista coletiva com Annie Lennox e Dave Stewart, respectivamente vocalista e guitarrista do Eurythmics.

O duo britânico fez muito sucesso nos anos 80 graças a hits como Sweet Dreams (Are Made Of This), Revival, The Miracle Of Love e dezenas de outros. Eles estiveram por aqui durante uma turnê que seria a última por quase dez anos.

Curiosamente, considero Peace (1999), o disco que marcou a volta provisória do duo à ativa, como o melhor de sua carreira.

Além da produção apurada e dos ótimos dotes de Dave Stewart como músico, o Eurythmics tinha como arma a voz poderosa e negroide de Annie Lennox, uma das melhores da história do pop. Sua carreira solo, iniciada nos anos 90, é também excelente, como discos como Diva (1992) e Medusa (1995) comprovam.

Além disso, tinha o visual da moça, com seus marcantes cabelos curtíssimos e loiros (vez por outra, vermelhos, também) e um rosto belíssimo. Uma mulher cativante, estonteante e única. Essa beleza se mostrou ainda mais evidente na coletiva.

Simpáticos, Stewart e Lennox falaram sobre carreira, show e tudo com muita simpatia e atenção. Mas o melhor ficou mesmo para o final. Eles explicaram que, sempre após encerrar suas coletivas de imprensa, tocavam uma música para os jornalistas.

Com Dave no violão e Annie nos vocais, eles mandaram ver um arranjo estilo blues mais lento do sensacional rock Missionary Man. Em pouco tempos os jornalistas entraram em êxtase, a ponto de não se assustarem quando o músico quebrou um copo, que usava para fazer efeitos de slide guitar, em mesa próxima a ele. Pelo contrário, todos vibraram, adrenalina a mil!

Ao final, aplaudíamos entusiasmados. Nunca vou esquecer dessa performance exclusiva a que apenas eu e mais alguns repórteres tivemos a oportunidade e a honra de conferir.

Por mim, eles teriam ficado ali tocando por no mínimo umas duas horas…. O show? Foi legal, mas nada comparável a esse aperitivo acústico. E exclusivo.

Como eu descobri o Roxy Music

Por Fabian Chacur

O ano de 1976 não foi exatamente uma brastemp nas programações de rádio do Brasil. Especialmente em termos de hits internacionais. O que tocou de abacaxi naqueles 12 meses foi uma grandeza. Acompanhar as paradas daqui era jogo duro.

Mas me lembro bem de que, nas paradas se não me engano da rádio Excelsior, sempre tocava naquele período, entre as primeiras colocadas, uma tal de Both Ends Burning, de um certo grupo Roxy Music, do qual eu não tinha a menor referência.

Essa canção ficou na minha memória por pelo menos uns  sete anos. Baixem o pano. Sete anos se passaram. Agora, estou em 1983, em uma loja de discos chamada Golden Hits, que ficava na rua Matias Aires, perto da Augusta.

Olhando os diversos discos existente, vi um intitulado Viva!, lançado nos idos de 1976 e que tinha a tal música. Como estava baratinho, resolvi comprar para experimentar. Mal imaginei que aquilo viraria um vício.

Embora tenha adorado a versão ao vivo, queria Both Ends Burning em sua gravação de estúdio, a mesma que ouvi na rádio, e dessa forma, cheguei a Siren, de 1976, comprado na mesma loja.

Nem é preciso dizer que, em pouco tempo, fui comprando tudo o que vi dessa banda na minha frente. Confesso que cheguei a passar três deles para a frente, mas resolvi readquiri-los, dando uma nova chance, e me dei muito bem. Hoje, acho Manifesto (79), Flesh + Blood (80) e Avalon (82) maravilhosos. E tenho tudo deles, tudo mesmo.

Em 1995 e 2003 tive a honra de entrevistar o vocalista dessa banda, o genial Bryan Ferry, com direito a autógrafo e tudo. Os dois shows solo que ele fez aqui naqueles anos, respectivamente no Olympia e no Credicard Hall foram presenciados por mim. Sensacionais, só para não me alongar. Sim, também tenho tudo da carreira solo dele.

O Roxy Music, e Bryan Ferry em sua carreira solo, ajudaram a criar os parâmetros para um som pop que consegue misturar ousadia, experimentalismo e belas melodias e canções.

Além disso, Ferry é um cantor iluminado, que empresta sua voz de crooner à antiga a rock, soul, pop e muito mais com uma categoria que poucos conseguem igualar. Um gênio, que no grupo teve a seu lado mestres como o guitarrista Phil Manzanera, o saxofonista Andy Mackay e o baterista Paul Thompson, além do brilhante Brian Eno.

Tudo isso eu conheci graças a uma música que conseguiu furar o bloqueio de músicas internacionais malas que tocavam nas rádios brasileiras daquele ano de 1976. Caso clássico de colher uma pérola na lama…

obs.: essa beldade que está aí na capa de Siren que ilustra esse post é a mesma que foi casada com Mick Jagger, e que chegou a ser namorada de Brian Ferry antes de optar pelo rolling stone.

Fuad Chacur, eterno fã de Carlos Gardel

Por Fabian Chacur

Se estivesse vivo (e está, no meu coração), meu pai faria 101 anos neste sábado. Fuad Chacur nasceu no dia 24 de julho de 1909 e morreu em um triste 21 de setembro de 1998. Obviamente um dos dias mais tristes de minha vida.

Ele foi comerciante, dono de uma das lojas de calçados mais badaladas de São Paulo dos anos 40 aos 60, as Casas Paraíso, cuja sede ficava na esquina da rua Vergueiro com a rua do Paraíso, em frente ao Centro de Operações do Metrô. Hoje tem um bar em seu lugar.

Meu pai era um fã entusiástico de tango. Chegou a patrocinar, nos idos dos anos 40, um programa de rádio dedicado ao estilo. Ele até me disse que patrocinou a vinda de um cantor argentino do gênero ao Brasil, nos tempos em que meu saudoso velhinho morava no edifício Martinelli, algo comparável, hoje em dia, a morar em um Mofarrej Sheraton da vida. O cara era poderoso.

Ele amava Carlos Gardel, e até tínhamos em casa um disco de 78 rotações com a música Arrabal Amargo, clássico do Bob Marley do tango, ou seja, ícone máximo de um gênero ainda relevante nos dias de hoje.

Seo Fuad não era muito fã de música moderna. Mas, lá pelos idos de 1973, apaixonou-se por uma canção chamada Do You Love Me, interpretada por um certo Shariff Dean. A ponto de eu ter comprado o compacto simples para ele, que várias vezes pediu para que eu o colocasse em nosso toca discos.

Só para constar, Shariff Dean cantava essa música em dueto com uma cantora a qual desconheço. Ele teve mais dois sucessos nas paradas, No More Troubles e uma releitura simpática de Stand By Me, hit de Ben E. King e também gravada com categoria por John Lennon. E sampleada recentemente pelo mala júnior Sean Kingston em seu hit Beautiful Girl.

Só em outra ocasião ele me pediu um disco novamente. Foi Clair de Lune, de Debussy, tema de uma novela global por volta de 1979. Era tema da personagem Geli (ou coisa que o valha, tô com preguiça de procurar o compacto, que hoje está comigo), vivido por Sonia Braga.

Meu pai era meio fechado, e só conversava com quem conhecia ou gostava. Adorava ouvir suas histórias, sobre futebol, a sua loja de calçados (que infelizmente fechou no finalzinho dos anos 70), seus tempos de Síria (ele era filho de um nativo daquele país)… Vai fazer falta assim ali adiante. Beijão no seu coração, Seo Fuad!

Ah! Também comprei nos anos 80 um LP de vinil com os maiores sucessos de Carlos Gardel para ele, disco que hoje está comigo.

Zeca Jagger morto? Só se for para vocês…

Por Fabian Chacur

A vida prega suas peças eternamente. Diariamente. A cada minuto, segundo, culionésimo de segundo. Dá para encarar Ezequiel Neves, um dos meus ídolos na imprensa musical, morrer exatamente vinte anos após a partida de Cazuza, que ele ajudou a lançar? É muito pra cabeça!

Zeca tinha 74 anos e nos deixa privados de seu imenso talento em um triste 7 de julho de 2010. Se hoje eu me meto a escrever sobre música, é por ter lido durante anos e anos suas excelentes colunas para o Jornal da Tarde aqui de Sampa City. Suas críticas eram sempre deliciosas, e eu as devorava avidamente.

Nem sempre concordava com suas opiniões, embora risse frequentemente com algumas delas. Barry White, por exemplo, de cuja obra eu gosto bastante, ele definia como o “paquidérmico maestro americano”.

Rock progressivo certa vez ele definiu como “head music para cabeça de espantalho”. E por aí vai. Mas quando esse jornalista carioca era fã do artista enfocado, jogava a tal isenção para o alto e mandava ver nos elogios, sempre bem articulados e pertinentes. Escrevia com paixão, ótimo texto e conhecimento de causa.

Ao saber que David Bowie havia estreado no cinema com o filme The Man Who Fell The Earth (1976), ele soltou a pérola:  “não vi, mas já gostei”. Novidades dos Rollings Stones, então, ele sempre adorava.

Quando saiu o disco Black And Blue (1976), se não me engano, ele soltou o clássico “eles me fizeram gostar de uma coisa que odeio, que é o reggae”.

E ele foi um dos raros na imprensa musical que via grande talento em artistas dos quais adoro, como Daryl Hall & John Oates e o grupo Culture Club, do cantor Boy George, que frequentemente eram desprezados por outros críticos preconceituosos em relação ao pop.

Mais: ele descobriu o Barão Vermelho e Cazuza. Li logo que saiu aquela célebre coluna que ele escreveu na revista Som Três falando sobre a então ainda desconhecida banda, com uma paixão que deixou a todos os seus leitores com os ouvidos coçando. E ele estava certo.

Foi o Barão e Cazuza que fizeram Zeca Jagger largar mão do jornalismo musical para virar produtor e eventual compositor. Felizmente o cara se deu bem. Das composições que levam o seu nome, Exagerado, escrita com Cazuza e Leoni, é o marco fundamental. Um clássico que seus amados Mick Jagger e Keith Richards teriam orgulho de assinar.

Querem mais uma? A maravilhosa Codinome Beija-Flor. Zeca continuou trabalhando com os dois após a separação Cazuza/Barão Vermelho.

Quando Cazuza lançou Só Se For a Dois, a Polygram realizou, em abril de 1987, uma coletiva de imprensa com Cazuza. No mesmo dia, tive a honra de conhecer o cantor e também Ezequiel Neves. Duas figuras fantásticas, com as quais tirei foto e tudo.

Na época, tinha com meu amigo Valdimir D’Angelo uma revista independente, a Som & Imagem, e planejávamos entrevistar o crítico e produtor. Infelizmente para mim, não rolou. Mas do papo com Zeca Rotten, nunca mais esquecerei. Vá com Deus, mestre, e mande um abração pro Caju!

Eu e Dorival Caymmi em um começo absurdo

Por Fabian Chacur

O volume 12 da Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira é dedicado a Dorival Caymmi (1914-2008), um dos nomes mais importantes da história da nossa MPB. Como bem o definiu Gilberto Gil em uma de suas músicas, era um verdadeiro Buda Nagô, um mestre tranquilo, um gênio.

Só que não foi exatamente essa a minha primeira impressão acerca da obra desse cantor, compositor e violonista baiano. Em um desses micos que só mesmo os neófitos conseguem pagar, na verdade minha iniciação no mundo de Caymmi foi, na verdade, um vexame. Não para ele, obviamente, mas para mim. Sorte que tive colegas nessa vacilada histórica.

Eu tinha uns 13 anos de idade, o que significa ou 1974 ou 1975. Estudava em um colégio na Vila Mariana que existe até hoje, o Maestro Fabiano Lozano. Embora, por alguma razão que prefiro ignorar, na época esse nome fosse reservado ao curso primário, sendo o ginasial denominado Governador Paulo Sarasate. Era tudo na mesma bomba de prédio. Para quê dois nomes?

Deixem pra lá. Você já se situou. Estava eu lá, tendo como colega o glorioso Edgard Scandurra Pereira, muito mais famoso do que eu graças a sua atuação no grupo Ira!, mas na época tão mané quanto este que vos escreve.

Nossa professora de português era bem legal. Em uma de suas aulas, ela levou uma vitrolinha portátil dessas tipo Sonata, e nos avisou que iria nos mostrar a música de alguém que ela dizia ser um grande cantor brasileiro.

Dona Sei Lá (esqueci o nome dela) colocou a agulha no disco, e a voz do tal artista saiu de lá. “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”…. Nunca vou me esquecer da altura da gargalhada que todos nós demos, poucos segundos após ouvir aquela voz para nós estranha, improvável, chata, mesmo.

A reação era comparável a de quem via, na época, os programas de Renato Aragão e sua turma. Éramos uns 20 ou 30 gargalhadores histéricos.

Não prestou. A “fessôra” nos deu uma dura daquelas. Não sobrou pedra sobre pedra. “Mas como vocês podem rir de um gênio como Dorival Caymmi? Que absurdo, vocês são um bando de ignorantes! ” E por aí foi. Ficamos levemente envergonhados, mas achávamos que a razão estava do nosso lado.

Levei muitos anos para perceber que, sim, ela tinha toda razão. Mas, de certa forma, nós também tínhamos um fiapinho, também. Para moleques acostumados a ouvir Elton John, Paul McCartney, John Lennon, Antonio Carlos & Jocafi etc, aquela era uma voz que não fazia sentido, ainda mais a ouvindo de sopetão, sem uma explicação mais apurada sobre ele.

Mas um dia Fabian Chacur resolveu ouvir o cara com calma. E a besta histórica chegou à óbvia conclusão de que a merda fede. Ou melhor, de que aquilo não só não era merda e não fedia nada,como na verdade se tratava de uma preciosidade. Uma jóia musical. O Mar. Que música!

Hoje, me arrepio ao ouvir aquela voz encorpada, grave, doce, repleta de sabedoria, oriunda de um compositor que sabia como poucos escrever coisas profundas com palavras simples.

E que tocava um violão fluido e cristalino. Um gênio da raça, muito maior do que um certo João Gilberto que tanto insistem em venerar por aí, e que na verdade fez muito menos do que Caymmi.

Hoje eu digo isso. Mas que caí na gargalhada ao ouvir O Mar pela primeira vez, lá isso eu cai. Que vergonha…

O meu 1º disco comprado foi Sea Cruise, de Johnny Rivers

johnny rivers sea cruise-400x

Por Fabian Chacur

Minha paixão por discos já passou dos 40 anos de idade, e se iniciou, como vocês já estão ficando cansados de saber, de tanto fuçar a coleção de meu irmão Victor. Mas a história de como comprei o meu primeiro disco é bem engraçada e levemente constrangedora. Vou contá-la assim mesmo.

Estava às vésperas do meu décimo aniversário, no pré-histórico ano de 1971. Mais ou menos nessa época, comecei a ganhar uma pequena mesada, que para quem não sabe é aquele dinheirinho bem básico que os pais davam aos filhos naqueles tempos para comprar lanches, revistinhas etc.

Eu já cobiçava e muito os discos do meu mano mais velho, e quando entraram alguns trocados no meu bolso, lógico que pensei em comprar eu mesmo um disquinho para mim. E fui a uma loja que existia perto de casa, a Josmar Discos, que ficava na rua Domingos de Moraes, Vila Mariana e cuja freguesa mais ilustre era Rita Lee Jones.

Todo nervoso, e junto com uma empregada bem jovem que trabalhava na minha casa (e que, infelizmente, seria logo dispensada por roubar jóias da minha mãe, que pena…), fui lá dar uma fuçada.

O estoque do Josmar não era tão legal como o de uma outra loja que abriria pouco depois, a Barlcão Discos (escrevia-se assim mesmo) na antiga galeria San Remo e que, acreditem, com outros donos e já no bico do corvo, existe até hoje por lá, na mesma Domingos e próxima ao metrô Ana Rosa.

Depois de olhar o que havia por lá e com vergonha de não comprar alguma coisa (pois eu estava doidinho para ter o meu primeiro compacto), olhei para um compacto duplo (com quatro músicas; o simples tinha duas). A capa que ilustra esse post é a desse hoje raríssimo disco.

A vantagem dos cds (abreviatura que usávamos, assim como cs era para compactos simples) era que, ao contrário da maioria dos disquinhos de duas músicas, eles sempre tinham capa.

A desse disco mostrava um cara cabeludo, barbudo e de roupa descolada cujo nome era Johnny Rivers. Lembrem-se de que estou falando do início dos anos 70, quando usar cabelo comprido e barba era um dos maiores sinais de liberdade e modernidade para um jovem.

johnny rivers sea cruise contracapa 400x

Curti tanto o visu do cara que acabei comprando esse disco, mesmo sem ouvi-lo. Queria eu ter um cabelão e uma barba daquelas, moleque suburbano que usava o visual padronizado de todos os da minha idade.

Na época, nem sabia quem era aquele cantor. O selo do disco era preto, com o símbolo da gravadora Liberty. A faixa-título do disco, Sea Cruise, foi gravada originalmente nos anos 1950 pelo seu autor, o americano Huey Piano Smith (ouça essa versão aqui), e é um rock básico demolidor.

Essa regravação ficou tão boa que provavelmente o animou a reler outra música do mesmo Huey Piano Smith em 1972, a também sensacional Rockin’ Pneumonia And The Boogie Oogie Flu (ouça aqui). Esta releitura de Rivers entrou na trilha do filme My Girl 2 (Meu Primeiro Amor 2-1994).

Nos EUA, Sea Cruise saiu apenas em compacto simples. No Brasil, essa música saiu neste compacto duplo, que trazia outras três faixas bem legais. Rainy Night In Georgia (Tony Joe White- ouça aqui), belíssima balada soul, integra o álbum Slim Slo Slider (1971).

I’m In Love Again (Fats Domino- Dave Bartholomew- ouça aqui), clássico do grande Fats Domino, foi extraída do álbum Johnny Rivers In Action! (1964).

Completa este para mim histórico compacto duplo a faixa Our Lady Of The Well (Jackson Browne- ouça aqui), balada folk lançada no álbum Home Grown (1971) escrita por um então novato Jackson Browne, que pouco depois se consagraria na cena do soft rock com hits como Doctor My Eyes, Running On Empty e muitos outros.

Só fui ter outros discos desse cantor, compositor eventual e guitarrista americano bem depois. Em 1977, sua maravilhosa balada Slow Dancing (Swain’ To The Music) estourou por aqui, integrando a trilha da novela Sem Lenço Sem Documento. Meu irmão comprou o cs, com Outside Help no lado B, que era a faixa-título do álbum dele que inclui a canção.

Dá para encarar? Um cara que hoje sabe umas duas ou três coisas sobre música (bem, acho que só umas duas, mesmo!) comprou seu primeiro compacto duplo por causa da capa. Que Mané!

Antes que você me pergunte, meu primeiro LP de vinil foi a trilha da novela O Homem Que Deve Morrer, com músicas da fantástica dupla Marcos e Paulo Sérgio Valle, que nos anos 2000 foi relançada em CD.

Sea Cruise– Johnny Rivers:

A preciosa discoteca de Victor Riskallah Chacur

Por Fabian Chacur

Tem horas em que penso ser a música a razão da minha vida. A cura para os meus males, ou pelo menos uma forma de minimizá-los. E tudo começou lá atrás, quando era muito moleque, fuçando os discos que existiam em casa.

Tinha os da minha mãe, entre os quais dois se sobressaiam: uma coletânea de Orlando Silva e o estupendo Abismo de Rosas, do violonista Dilermando Reis, lançado exatamente no ano em que nasci, 1961. Este último é um despretensioso (e delicioso) álbum de violão instrumental. Existe em CD.

Mas quem tinha discos mesmo na rua Sud Menucci, 374- Vila Mariana era o meu irmão Victor. Sete anos mais velho, também gostava muito de música. Beatles, por exemplo, eu conheci através dele.

Quase furei aquele compacto com Hey Jude de um lado e Revolution do outro. Mas curiosamente, sabe-se lá porque, ele não tinha LPs da banda. Fui eu quem, em 1973, ainda com meus 12 aninhos, juntei as moedinhas de minha mesada para comprar a coletânea The Beatles 1962-1966, a famosa de capa vermelha, que havia acabado de sair.

O primeiro álbum duplo da minha coleção, e um autopresente de Natal preciosíssimo. Nem é preciso dizer que não deu para comprar, também, o The Beatles 1967-1970, o que só fiz já na era do CD, nos anos 90.

Mas ele tinha um LP de um dos ex-integrantes da banda. Era Ram, creditado a Paul & Linda McCartney e lançado em 1971, mas cujo artista eu pensava que era o tal de Ram… Mas tu é burro, rapaz!

Capa dupla, com uns desenhos malucos para cá e para lá. Mas a música era muito mais legal do que a embalagem. Até hoje me arrepio ao ouvir a faixa de abertura, Too Many People.

O disco teve como faixa de maior sucesso Uncle Albert/Admiral Halsey, que tocava muito nas rádios daqui e do exterior. Pop até a medula, uma delícia, com seu refrão lá no fim.

O legal era ouvir, nas rádios, os disc jockeys vacilarem, pelo fato de o fim dessa música no LP ser colada ao da música seguinte, o rockão Smile Away. Era diversão garantida ouvir aqueles acordes iniciais de guitarra tocarem de graça e a música ser tirada rapidinho do ar…

Heart Of The Country é uma daquelas canções que só McCartney sabe fazer, uma simples canção country em cujo refrão ele repete as notas que toca no violão com a voz, em efeito dobrado arrepiante.

O rockão negroide Monkberry Moon Delight foi trilha de uma novela da TV Tupi com um tal de Exuma, mas a versão bala é a do Macca, que solta a voz, ora de forma grave, ora em falsete potente. E quem disse que ele só gravava baladas? Cambada de tontos!

Dear Boy é um doce, delicada até a medula. Ram On, com sabor folk britânico e mandolin, é evocativa de uma infância que nunca voltará para mim, a não ser nas recordações que essa canção me traz.

Ela aparece em duas partes, sendo que a segunda acaba com um trechinho que seria ampliada e equivaleria à parte inicial de Big Barn Bed, do álbum Red Rose Speedway, de 1973, aquele que tem My Love.

E a balada arrebatadora The Back Seat Of My Car é outro ponto alto desse álbum, com sua mistura de delicadeza e ecos dos anos ingênuos, em que se namorava inocentemente no banco de trás do carro.

Um crítico internacional, na época, definiu o álbum como de “rock suburbano”. Que conversa mole… Esse foi apenas um dos discos que conheci graças ao mano, que teria feito 56 anos no dia 20 de maio.

Pena que num triste 6 de janeiro de 1999 ele se foi. Mas sua memória, e as músicas que descobri graças a ele, ficarão para sempre.

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